Cultura da Crimeia é retrato de nostalgia soviética

  • Por Agencia EFE
  • 08/03/2014 14h24
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Ignacio Ortega.

Simferopol (Ucrânia), 8 mar (EFE).- Os russos da península da Crimeia sempre se sentiram órfãos longe da mãe pátria, estrangeiros com passaporte ucraniano, por isso permaneceram fielmente ancorados à nostalgia da perdida grandeza da União Soviética.

“Nunca deixamos de ser russos, embora tenhamos outro passaporte. A Rússia é nossa pátria. Putin nunca nos abandonará”, comenta à Agência Efe Vladimir, engenheiro aposentado, durante uma manifestação a favor da reunificação com a Federação Russa.

Já passaram mais de 20 anos desde a queda da URSS, mas esses russos continuam lendo os versos de Pushkin e as novelas de Dostoiévski, escutando Tchaikovsky e a Visotski, o mais popular cantor soviético, como se o tempo tivesse parado.

A Crimeia, onde os russos são maioria há 150 anos, parece ancorada nos anos 60 do século XX, como se ninguém quisesse aceitar que a União de Repúblicas Socialistas Soviéticas já não existe.

Eles têm motivos para saborear a nostalgia: nos anos 60, o território crimeano era o orgulho da nação, local de descanso dos dirigentes soviéticos, que não por acaso escolheram o balneário de Yalta para acolher a histórica reunião entre Stalin, Roosevelt e Churchill em 1945.

“Antes, a Crimeia era um paraíso e, desde que entramos na Ucrânia, tudo foi ladeira abaixo. Somos uma península com um clima privilegiado, à qual milhões de turistas vinham de todas partes, mas agora estamos na miséria”, disse Vadim, motorista que é filho de russo e ucraniana.

Isso fica especialmente evidente em Sebastopol, o porto que acolhe a Frota russa do Mar Negro, onde a cada esquina, cada edifício exala orgulho pelas heroicidades da Grande Guerra Pátria contra a Alemanha nazista.

Lugares como a chama eterna em homenagem ao soldado desconhecido ou a esplanada situada frente ao grandioso monumento do “Soldado e do Marinheiro”, o magnífico exemplo de realismo socialista da baía, são de visita obrigatória em Sebastopol.

As estátuas de Lênin também são veneradas na Crimeia, onde o fundador da URSS está na principal praça da capital (Simferopol) ou aparece em uma colina da qual é avistado de qualquer canto da cidade (Sebastopol).

Os crimeanos organizaram grupos de defesa dos monumentos de Lênin e de outros dirigentes comunistas, já que em outras regiões da Ucrânia os ultranacionalistas já derrubaram e danificaram várias estátuas.

Eles estão convencidos de que na Rússia a qualidade de vida é muito mais alta que na Ucrânia, repetem que as pensões passam de US$ 300, que a educação e a saúde estão garantidas, enquanto a União Europeia está em declínio.

“Sabemos bem que toda Europa está em crise. Minha filha esteve em Barcelona e viu que todas as lojas estão fechadas. O salário médio é de mil euros. Por que devíamos apostar na UE, quando na Rússia se vive bem?”, repetem.

Um dos motivos que pressionou os crimeanos a optar pelo separatismo foi o medo da proibição da língua russa, ameaça desfraldada pelos grupos ultranacionalistas que protagonizaram os choques de rua mais violentos em Kiev.

A lei não restringe o uso do idioma russo, mas confirma que a única língua oficial é o ucraniano e que as regiões de fala russa devem insistir no conhecimento da cultura nacional, o que irrita extremamente os russos da Crimeia.

Enquanto existia a URSS, os russos que viviam nas repúblicas soviéticas eram privilegiados e, em muitos casos, ostentavam postos de autoridade na administração local.

Quando o sistema caiu, os russos perderam seus privilégios e os povos que tinham sido subjugados durante décadas se tomaram a revanche e marginalizaram os favoritos de Moscou.

O caso mais sangrento é o daqueles que permaneceram na Estônia e na Letônia, onde centenas de milhares de russos atualmente carecem de cidadania e nem sequer podem exercer o direito ao voto. EFE

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