Alta do dólar, crise ou ‘má fé’? Entenda por que o preço das passagens não reduziu com fim do despacho gratuito
Entre parlamentares, entendimento é que ‘não faz sentido’ manter cobrança de malas despachadas se os bilhetes aéreos continuam aumentando; Câmara aprovou retorno da gratuidade
A Câmara dos Deputados aprovou na semana passada a volta do despacho gratuito de bagagem em voos comerciais. A decisão, que ainda deve passar pelo Senado Federal, foi incluída na Medida Provisória 1.089/2021, enviada pelo governo federal ao Congresso Nacional para simplificar a legislação da aviação civil. O destaque de autoria do PCdoB proíbe qualquer cobrança por bagagem de até 23 quilos em voos nacionais e de até 30 quilos em voos internacionais. Entre os parlamentares, o entendimento é que o fim do despacho obrigatório trouxe prejuízos aos consumidores e não cumpriu seu principal objetivo: reduzir o preço das passagens aéreas. “As empresas enganaram o Congresso e a população. Se valeram de um voto de confiança que o governo e parte do parlamento deu e não cumpriram a parte deles. Todos lembram do discurso: ‘Se permitirem a autorização da cobrança da mala despachada, a passagem ficará mais barata’. Isso não aconteceu”, pontuou a deputada federal Perpétua Almeida (PCdoB), em entrevista à Jovem Pan.
A parlamentar votou a favor do retorno do despacho gratuito das bagagens por entender que, uma vez que não houve a redução de valor, não faz sentido manter a restrição aos consumidores. “Depois que as empresas passaram a cobrar pela bagagem, as passagens só aumentaram. Em nenhum momento as empresas cumpriram a palavra de baratear as passagens como prometido. Então não faz sentido manter a permissão da cobrança se as passagens seguem aumentando. O mínimo que as empresas devem fazer é despachar a mala do passageiro sem nenhum custo a mais para ele. E isso não pode servir de justificativa para seguirem aumentando as passagens”, completou.
O que diz a Anac?
Após a resolução Nº 400 da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), publicada em 13 de dezembro de 2016, ficou permitido que as companhias ofertem aos usuários franquias aéreas sem a inclusão do preço para despacho de bagagem. A publicação torna obrigatória apenas a “franquia mínima de 10 (dez) quilos de bagagem de mão por passageiro”, sendo a bagagem despachada configurada como contrato acessório. Embora o texto não mencione que a mudança traria, obrigatoriamente, a redução das tarifas médias cobradas aos consumidores, a expectativa, e o principal argumento para defesa da resolução, era de diminuição nos valores, o que não aconteceu, frustrando passageiros e autoridades.
Por que os preços não diminuíram?
Para entender os motivos que levaram à frustração dos consumidores e ao não barateamento dos preços, o economista Igor Lucena Macedo ressalta o contexto do Brasil a partir de 2016, como as incertezas políticas provocadas pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, que acabaram prejudicando a aviação. Ele também cita o posterior aumento na cotação do dólar, do querosene de aviação, além do momento de instabilidade política no país, que fazia com que a crise se aprofundasse. “Brasil continuou em uma crise política e econômica, principais fatores que influenciaram negativamente a questão das passagens aéreas. Se por um lado essa medida [da Anac] havia compensado esses custos, por outro lado, a crise agravou o setor. Então, basicamente gerou uma impressão de ilusão para os consumidores de que eles estavam pagando mais pelo mesmo serviço.”
A situação é vista como “problemática” nas duas pontas. De um lado, os passageiros sofreram inúmeras frustrações pela redução de preços não concretizada, enquanto as empresas aéreas enfrentam cenário de elevação dos preços por fatores externos e internos. “Desde 2016 começaram outros custos que as companhias não estavam prevendo e eles foram sendo repassados. Não houve nenhuma diminuição no preço da passagem aérea, as passagens vêm subindo consideravelmente. Os aumentos estão mais relacionados ao dólar, manutenção e querosene, por exemplo, do que o valor do despacho da bagagem”, explica Leonardo Bastos, CEO da Kennedy Viagens Corporativas. Em nota encaminhada à reportagem, a Associação Brasileira de Empresas Aéreas (Abear) disse que a resolução nº 400 da Anac trouxe um modelo de negócios que sempre assegura a existência de “uma classe tarifária mais barata para quem voar sem bagagem”. “Não é uma questão sobre pagar ou não pagar, mas sim de quem vai arcar com os custos. Anteriormente, o valor do despacho de bagagem era diluído no preço das passagens de todos os passageiros, mesmo se alguém não despachasse malas e só estivesse com um volume de mão a bordo.”
Mesmo com as análises do contexto político e econômico, para alguns parlamentares as passagens não tiveram redução de valor por “má fé” das empresas, como afirma a deputada Perpétua Almeida. “Querem tirar do bolso do passageiro um problema que deveriam resolver com o governo, que é a política errada dos preços dos combustíveis”, menciona a parlamentar, que apresentou um requerimento para a criação de um grupo de trabalhos para discutir o preços das passagens e possíveis alternativas. Entre os especialistas, as projeções são de alta das passagens aéreas para os próximos meses, mesmo com o retorno dos despachos gratuitos. “É um pouco complicado ter uma previsibilidade positiva, até porque não se espera que o dólar diminua de forma relevante para o consumidor sentir no bolso, além de outros fatores, como a pandemia em Xangai, por exemplo, vai colocar a inflação lá para cima. Para este ano, as passagens devem se estabelecer no valor que está, a percepção de melhoria com relação ao preço pode ser que melhore no próximo ano, mas nesse ano vai permanecer da forma que está”, finaliza Leonardo Bastos.
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