Aumento do risco fiscal exige escalada agressiva, e Selic deve ir a dois dígitos no início de 2022

Copom eleva juros a 7,75% e sinaliza nova alta de 1,5 ponto percentual no encontro realizado em dezembro; tratativas de mudanças no teto de gastos pressionam por aceleração da política monetária

  • Por Gabriel Bosa
  • 27/10/2021 20h34 - Atualizado em 27/10/2021 23h32
Adriano Machado/Reuters Homem em frente ao Banco Central Servidores do BC aprovaram paralisação em assembleia nesta segunda-feira

O agravamento do risco fiscal e o aumento da pressão inflacionária após as tratativas de mudança no teto de gastos exigem do Banco Central uma escalada agressiva nos juros, o que deve levar a Selic para dois dígitos já no início de 2022. O Comitê de Política Monetária (Copom) elevou a taxa básica a 7,75% nesta quarta-feira, 27, ao acrescentar 1,5 ponto percentual — o maior movimento em 19 anos —, e sinalizou novo aumento da mesma magnitude no encontro de dezembro, o último de 2021. Com esse resultado, a Selic, que em janeiro estava em 2% ao ano, deve encerrar o ano a 9,25%. A elevação acompanha a escalada do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o medidor oficial da inflação brasileira. O indicador fechou setembro com alta de 1,16% — o registro mais expressivo desde 1994 —, e somou acúmulo de 10,25% em 12 meses. Alimentada pelo encarecimento da energia elétrica e dos combustíveis, a variação de preços não indica dar trégua. A prévia de outubro foi a 1,20%, o maior resultado desde 1995, enquanto a soma dos últimos 12 meses encerrou com avanço de 10,34%.

Para Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, a deterioração das perspectivas com a inflação forçou o Banco Central a abandonar o ritmo de alta de 1 ponto percentual adotado nas últimas duas reuniões. “Com a quebra da regra fiscal, o Banco Central não tinha outra opção a não ser mudar a taxa de juros nessa magnitude e sinalizar uma nova alta na próxima reunião. Caminhamos cada vez mais para uma taxa próxima de dois dígitos”, afirma. Fernanda Consorte, economista-chefe do Banco Ourinvest segue na mesma linha e prevê a Selic em 10% ou mais já no início de 2022. A taxa não fica acima de dois dígitos desde maio de 2017, quando foi reduzida para 10,25% ao ano, em meio ao processo de queda dos juros que culminou com a ida da trajetória ao menor patamar da história. “O tom hawkish [rígido] deixa claro que a autoridade monetária vai fazer o possível para tentar conter o avanço mais expressivo da inflação. A taxa com dois dígitos já é uma realidade próxima do Brasil. Talvez não para o final deste ano, mas para o início de 2022″, afirmou. Rachel de Sá, chefe de Economia da Rico Investimentos, enxerga a Selic a 11% em março do ano que vem, patamar que deve se manter até as eleições. “Para os diretores do Banco Central, o risco fiscal, que chamava atenção há bastante tempo, ainda não se concretizou de fato, mas as discussões sobre mudanças nas regras fiscais afetam a perspectiva de agentes na economia sobre onde os preços estarão no futuro, impactando o esforço do controle de preços”, afirma.

selic out21

A degradação das expectativas para a inflação é renovada semanalmente pelo mercado financeiro. A mediana da pesquisa feita pelo BC mostra que a perspectiva para o IPCA foi a 8,96% ao fim deste ano. Em 2021, o BC persegue a meta inflacionária de 3,75%, com margem de 1,50 ponto percentual para cima ou para baixo, ou seja, entre 2,25% e 5,25%. O aumento da pressão inflacionária deste ano já contamina as expectativas para 2022. Segundo o Focus, o IPCA deve encerrar o ano que vem com alta de 4,40%. Para 2022, a autoridade monetária tem meta de 3,50%, com variação entre 2% e 5%. A pressão se intensificou no fim da semana passada com a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios pela comissão especial da Câmara dos Deputados. O texto determina um limite aos pagamentos das dívidas reconhecidas da União, traz mudanças no teto de gastos e permite a abertura de R$ 83 bilhões no Orçamento de 2022 para o custeio do Auxílio Brasil. A manobra permite que o prazo para medição do IPCA na regra fiscal seja aferido do valor acumulado de janeiro a dezembro. Desde 2017, quando o teto de gastos entrou em vigor, é considerado o resultado dos 12 meses encerrados em junho. Para o ano que vem, a mudança tem potencial de gerar ganho de R$ 39 bilhões nas contas públicas. O movimento visa comportar as parcelas de R$ 400 do Auxílio Brasil, o programa do governo federal para substituir o Bolsa Família, até o fim de 2022, para 17 milhões de famílias.

Em nota, o BC disse que o agravamento do cenário fiscal impacta no risco de desancoragem das expectativas de inflação. “Isso implica maior probabilidade de trajetórias para inflação acima do projetado de acordo com o cenário básico”, informou. Para Nicola Tingas, economista-chefe da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimentos (Acrefi), a resposta da autoridade monetária veio em linha com o esperado pelo mercado. “A principal missão desse comunicado foi tentar trabalhar com as expectativas, porque a inflação ainda vai levar um bom tempo para cair de forma desejada com mais efetividade para baixo”, afirma. Vale diz que a mudança da postura não garante que as perspectivas para a economia não  continuem em queda nas próximas semanas. “Temos um cenário cada vez mais complicado pela dificuldade do governo em entender que essa piora fiscal foi ele mesmo quem criou.” Para Consorte, esse movimento pode trazer um alívio no curto prazo, mas a tendência segue pressionada pela alta volatilidade. “Embora possa ser positivo para o câmbio, a sinalização do quadro inflacionário com baixo crescimento econômico, em um ambiente em que o populismo ainda é um tema, escancara a fragilidade da conjuntura atual”, diz.

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