Banco Central aumenta a dose e eleva a Selic para 7,75% no maior movimento de alta em 19 anos
Copom acrescenta 1,5 ponto percentual na taxa básica de juros em meio ao avanço da inflação e à contaminação das perspectivas para 2022; mercado projeta novos aumentos e Selic a 9,5% ao fim do ano que vem
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) voltou a subir, nesta quarta-feira, 27, a taxa básica de juros da economia brasileira, passando a Selic de 6,25% para 7,75% ao ano. A dose de 1,5 ponto percentual é o movimento de alta mais intenso desde dezembro de 2002 e quebra a sequência de acréscimo de 1 ponto percentual adotada nas últimas duas reuniões do colegiado. O avanço deixa a Selic no patamar mais elevado desde setembro de 2017, quando estava a 8,25% ao ano. Até poucas semanas atrás, o mercado estimava que o BC manteria o ritmo de 1 ponto percentual. As expectativas foram revistas após o agravamento do risco fiscal com a tratativa do governo federal e do Congresso em mudar as regras do teto de gastos. O movimento teve forte reação negativa no mercado financeiro, que levou o dólar para os patamares mais elevados em seis meses, enquanto o Ibovespa, referência da Bolsa de Valores brasileira, reduziu para a pior pontuação em quase um ano. A trajetória da Selic deve se manter ascendente nas próximas reuniões do Copom. Segundo o Boletim Focus publicado nesta segunda-feira, 25, relatório semanal com a mediana de mais de cem instituições, a taxa de juros deve encerrar 2021 a 8,75% ao ano, enquanto em 2022 a previsão aponta para alta de 9,50%. A aceleração deve impactar negativamente na recuperação da economia no ano que vem por refletir na elevação da tomada de crédito e na retração dos investimentos. O colegiado se reúne a cada 45 dias. O próximo encontro do Copom em 2021 – o último do ano – está agendado para 7 e 8 de dezembro.
Em nota, o colegiado indicou que deve fazer um mesmo ajuste de 1,5 ponto percentual na próxima reunião, fechando a Selic a 9,25% ao ano em 2021. “O Copom enfatiza que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados para assegurar o cumprimento da meta de inflação e dependerão da evolução da atividade econômica, do balanço de riscos e das projeções e expectativas de inflação para o horizonte relevante da política monetária.” O BC ainda disse que o agravamento do cenário fiscal impacta no risco de desancoragem das expectativas de inflação. “Isso implica maior probabilidade de trajetórias para inflação acima do projetado de acordo com o cenário básico”, informou. Segundo o comunicado, o avanço de 1,5 ponto percentual foi unanimidade entre os membros do colegiado. “O Comitê entende que essa decisão reflete seu cenário básico e um balanço de riscos de variância maior do que a usual para a inflação prospectiva e é compatível com a convergência da inflação para as metas no horizonte relevante, que inclui os anos-calendário de 2022 e 2023. Sem prejuízo de seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego.” O colegiado também reconheceu que o avanço deixa os juros em “território contracionista”, ou seja, quando prejudicam a atividade econômica, mas que “esse ritmo de ajuste é o mais adequado para garantir a convergência da inflação para as metas no horizonte relevante”.
O que pressiona a inflação
O acumulado em 12 meses do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o medidor oficial da inflação brasileira, ultrapassou os dois dígitos em setembro ao alcançar 10,25%. A trajetória se manteve em elevação em outubro, com o índice chegando a 10,34%, conforme os dados da prévia do IPCA divulgados nesta terça-feira, 26. A alta é puxada pela majoração do preço dos combustíveis e da energia elétrica. A pressão se intensificou no fim da semana passada com a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios pela comissão especial da Câmara dos Deputados. O texto determina um limite aos pagamentos das dívidas reconhecidas da União, traz mudanças no teto de gastos e permite a abertura de R$ 83 bilhões no Orçamento de 2022 para o custeio do Auxílio Brasil. O texto apresenta uma trava nas despesas com precatórios, limitando o pagamento ao valor das dívidas em 2016 (R$ 30,3 bilhões), corrigida pela inflação. A medida limitará o pagamento a R$ 40 bilhões. Na semana passada, um acordo entre o governo e o Congresso inseriu na PEC o trecho que antecipa revisões no teto de gastos, previstas apenas para 2026. A manobra permite que o prazo para medição do IPCA seja aferido do valor acumulado de janeiro a dezembro. Desde 2017, quando a regra fiscal entrou em vigor, é considerado o resultado dos 12 meses encerrados em junho. Para o ano que vem, a mudança tem potencial de gerar ganho de R$ 39 bilhões nas contas públicas. O movimento visa comportar as parcelas de R$ 400 do Auxílio Brasil, o programa do governo federal para substituir o Bolsa Família, até o fim de 2022, para 17 milhões de famílias.
A manobra foi classificada como “eleitoreira” e “populista” por críticos por ocorrer às vésperas do novo ciclo eleitoral. A principal razão desse mau humor do mercado foi a flexibilização de uma regra vista como fundamental para garantir que o governo não vá repetir o aumento dos gastos acima da arrecadação, alimentando a alta do endividamento público. O temor é que a mudança nesse ponto seja apenas o primeiro passo para novas formas de “driblar” a âncora fiscal. O receio é ainda maior pelo movimento ter sido apoiado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, visto até então como o principal defensor da austeridade fiscal do governo. O ministro buscou contemporizar as mudanças afirmando que a crise social gerada pelo novo coronavírus justifica mexer na regra fiscal. O clima ficou ainda mais pesado após o pedido de exoneração de quatro secretários de Guedes, contrários às mudanças na regra fiscal. A saída elevou os rumores de que o ministro iria deixar o governo, o que foi negado posteriormente. Em meio ao aumento das pressões nas últimas semanas, o chefe da equipe econômica afirmou que o BC precisa “correr com os juros” para manter o controle sobre a inflação. “Então cada um tem que fazer o seu trabalho. Se o fiscal piorou um pouco — eu voltei e o fiscal piorou um pouco –, então tem que correr um pouquinho mais com o juro também”, afirmou na semana passada.
A degradação das expectativas para a inflação é renovada semanalmente pelo mercado financeiro. A mediana da pesquisa feita pelo BC mostra que a perspectiva para o IPCA foi a 8,96% ao fim deste ano, na 29ª semana seguida de revisão para cima. Em 2021, o BC persegue a meta inflacionária de 3,75%, com margem de 1,50 ponto percentual para cima ou para baixo, ou seja, entre 2,25% e 5,25%. O aumento da pressão inflacionária deste ano já contamina as expectativas para 2022. Segundo o Focus, o IPCA deve encerrar o ano que vem com alta de 4,40% — a 14ª semana consecutiva de aumento na previsão. Para 2022, a autoridade monetária tem meta de 3,50%, com variação entre 2% e 5%. A previsão para o Produto Interno Bruto (PIB) do próximo ano foi revista para baixo pelo mercado, para avanço de 1,40%. Algumas instituições, no entanto, passam a enxergar recessão em 2022 caso haja maior descompromisso do governo federal com as contas públicas.
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