Em ano de pandemia, circuit breakers e euforia, Ibovespa recupera perdas e fecha 2020 com alta de 2,92%

Patamar histórico atingido em janeiro foi seguido por seis paralisações nas negociações em intervalo de nove dias; para economista chefe da Claritas, ano é de ‘amadurecimento do mercado’

  • Por André Siqueira
  • 31/12/2020 13h30 - Atualizado em 31/12/2020 20h45
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Reprodução/Pixabay Principais indicadores do mercado financeiro brasileiro fecharam a semana no campo positivo com o bom humor dos investidores internacionais Principais indicadores do mercado financeiro brasileiro fecharam a semana no campo positivo com o bom humor dos investidores internacionais

No último pregão do ano, o Ibovespa, principal índice da B3 (Bolsa de Valores de São Paulo), superou a barreira dos 120 mil pontos e chegou aos 120.095 pontos às 10h21 desta quarta-feira, 30. No final do dia, a bolsa brasileira encerrou o ano de 2020 com valorização de 2,92% e a 119.017 pontos, patamar próximo ao recorde nominal histórico de 119.527 pontos alcançado em 23 de janeiro de 2020. Os números servem de alento para os investidores em um ano marcado pela pandemia do novo coronavírus, queda expressiva dos preços dos barris de petróleo e volatilidade do mercado causada pelo ambiente político no Brasil. A Jovem Pan elaborou uma retrospectiva dos principais fatos que afetaram os índices do mercado brasileiro em 2020 e que ajudam a explicar porque, após um período de tombo, a bolsa de valores recuperou as perdas causadas pela Covid-19.

O início do ano de 2020 foi marcado pelo otimismo, fruto, sobretudo, da aprovação de reforma da Previdência em 2019. O ano anterior também se encerrou com o desemprego no menor patamar em quase quatro anos e com a inflação sob controle. Logo no fim de janeiro, o Ibovespa alcançou os 119.527 pontos. “No final de 2019 e começo de 2020, tínhamos um cenário positivo para as economias global e doméstica, o que justifica o Ibovepsa perto de 120 mil pontos. Por que havia isso? Primeiro, pelo cenário global, com 2019 terminando com acordo entre Estados Unidos e China no contexto de guerra comercial, acordo para a saída do Reino Unido da União Europeia e, além disso, um cenário de liquidez garantido pelos Bancos Centrais por um bom tempo”, explica Marcela Rocha, economista chefe da Claristas Investimentos. “O nosso maior vetor de crescimento era o cenário doméstico: em 2019, a reforma da Previdência foi aprovada de forma robusta, trazendo tranquilidade sobre compromisso com responsabilidade fiscal. Da forma como foi aprovada, ela colocaria o Brasil na rota de aprovação de outras reformas, de agendas microeconômicas e de privatizações”, acrescenta.

Pouco tempo depois, porém, as medidas restritivas adotadas na Ásia e na Europa, somadas aos primeiros casos de coronavírus no Brasil causaram efeitos devastadores na economia global – a balança comercial brasileira teve seu pior primeiro trimestre desde 2015. A euforia do fim de janeiro foi substituída pelo patamar abaixo dos 100 mil pontos do Ibovespa a partir de 6 de março. No dia 9 de março, ocorreu o primeiro circuit breaker, isto é, um mecanismo utilizado para interromper as negociações quando o mercado passa por uma queda acentuada, como forma de reduzir a volatilidade dos preços e acalmar o ânimo dos investidores. Foram seis em um intervalo de nove dias, até o dia 18 de março. Dois deles, inclusive, ocorreram em um único dia (12 de março). Para efeito de comparação, desde a criação da Bolsa, foram 24 circuit breakers no total.

Para a economista chefe da Claritas, a queda abrupta do mercado pode ser explicada pela incerteza causada pela pandemia do novo coronavírus. “Já havia repercussão negativa em janeiro, causada pela Covid-19. À época, a China tomou medidas drásticas, mas rápidas. Mas para o mundo, no começo do ano, era algo isolado: a China estava sendo afetada, colocando sua economia em risco, mas todos achávamos que seria possível controlar. O mercado foi afetado porque se trata da segunda maior economia global e, por isso, inevitavelmente haveria um reflexo. Mas o potencial do vírus foi subestimado e ele saiu da China, se espalhou rapidamente e causou uma crise sem precedentes. Aí vem o grande baque para explicar os circuit breakers no Brasil: já vínhamos passando por uma queda, a Bolsa estava perto dos 100 mil pontos, e surge uma epidemia que não tínhamos ideia do quanto duraria. Foi criado um cenário parecido com uma guerra. O lockdown seria suficiente? Quanto tempo duraria? Quais os custos? O sistema aguentaria?”, diz.

O dólar seguiu caminho semelhante. Depois de fechar o ano de 2019 na margem de R$ 4, os brasileiros chegaram próximo de precisar desembolsar três notas de R$ 2 para receber uma de US$ 1. A desvalorização do real chegou ao patamar histórico de R$ 5,90 no dia 13 de maio. No dia seguinte, a moeda chegou a ser negociada a R$ 5,97, a maior cotação desde a criação do Plano Real, em 1994. No fechamento do ano, a moeda americana ficou cotada em R$ 5,189, com alta acumulada de 29,33%. Na avaliação de Marcela Rocha, o dia a dia da política brasileira também ajuda a explicar o cenário de volatilidade visto ao longo de 2020 – somente neste ano, o governo do presidente Jair Bolsonaro se envolveu em crises como os atos antidemocráticos contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional, além das demissões dos ministros Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública), Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, da Saúde, durante a pandemia. “Durante todo esse cenário de crise causada pela Covid-19, o Brasil quase criava uma terceira crise: a política. Perdemos dois ministros da Saúde, tivemos mudança da roupagem do governo, eleito com discurso contra o establishment, mas que buscava o apoio do Centrão e que tomou gosto por políticas populares. Durante essa transição, ficamos num campo cego: o que sairia desse equilíbrio? O governo iria buscar apoio para aprovar reformas? Iria dobrar a aposta contra as instituições? Isso tudo se refletiu nos nossos ativos, sobretudo na taxa de câmbio, que chegou quase a R$ 6 em maio. Quando o mundo comemorava as medidas de estímulo às economias, o real se depreciava por conta da incerteza”, afirma.

A partir do segundo semestre, a Bovespa passou a flutuar em torno da faixa dos 100 mil pontos. Em novembro, porém, a Bolsa brasileira atingiu novas marcas históricas. Naquele mês, o índice acumulou alta de 15,9%, o melhor desde março de 2016 (16,97%), época do avanço do processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT), e o melhor novembro desde 1999, quando a valorização foi de 17,76%. Alguns fatores ajudam a explicar esta tendência de alta: a vitória de Joe Biden, eleito presidente dos Estados Unidos, em eleição disputada contra Donald Trump, o avanço dos testes e do consequente início da vacinação contra a Covid-19 e os estímulos monetários e fiscais no mundo – nesta segunda-feira, 28, Trump sancionou um pacote de US$ 2,3 trilhões destinado ao combate da crise do novo coronavírus. No Brasil, a economista da Claritas aponta a aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentária como um sinal de que, no país, prevalece o compromisso com a responsabilidade fiscal. “Atravessaremos o fim do ano com grande alívio. Vamos começar janeiro com o teto de gastos cumprido. Existem pressões de todos os lados para que o auxílio emergencial seja prorrogado ou para que um novo programa social seja criado, mas todos sabem da necessidade de haver responsabilidade fiscal”, pontua. Para a especialista, caso a segunda onda da Covid-19 recrudesça ainda mais, novas medidas precisam ser pontuais. “Se tivermos novamente um cenário de restrição, o mercado não irá tolerar um aumento dos gastos fora do teto. O que se quer é um compromisso com a redução da dívida bruta. O mercado toleraria algo mais limitado, com data de início e término dos auxílios. Não há espaço para oportunismo, o gasto precisa ser focalizado. No momento de desespero, ainda no começo de 2020, a medida do governo foi correta e efetiva. Desta vez, com o nível de conhecimento adquirido sobre como enfrentar a pandemia, teria que ser algo direcionado”, acrescenta.

Aumento no número de investidores

No dia 14 de dezembro, a B3 divulgou um balanço apontando que mais de 3,2 milhões de brasileiros investem em ativos negociados na Bolsa de Valores. Este número triplicou em pouco mais de um ano e meio – em maio de 2019, o número era de aproximadamente um milhão de pessoas. Este crescimento exponencial, que ocorreu em um momento de volatilidade e incerteza, pode ser explicado pelo ambiente de juros baixos. A Taxa Selic, por exemplo, foi definida em 2% ao ano, índice mantido na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em 9 de dezembro. A manutenção da taxa de juros em mínimas históricas estimula a busca por melhores retornos nos investimentos feitos. Para Marcela Rocha, o ano de 2020 foi “um ano de amadurecimento do mercado”. “Colocamos à prova investidores novos que, em pouquíssimo tempo, tiveram que passar por testes duros. Tivemos volatilidade, mas o investidor doméstico se mostrou maduro, não retirou dinheiro da Bolsa e acreditou no retorno. Tivemos queda do PIB de 4,5%, aumento da taxa de desemprego e perda de vidas. Por isso, não podemos falar em ano positivo, mas a coisa boa é que o investidor brasileiro amadureceu, se mostrou confiante em relação aos riscos colocados”, diz.

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