Entenda porque a arrecadação de impostos do governo bate sucessivos recordes na pandemia

Apesar de indicar maior crescimento econômico, aumento da receita do Fisco também está ligado à fatores negativos, como o avanço da inflação e o fechamento de pequenos empreendimentos

  • Por Jovem Pan
  • 23/02/2022 16h04
WILTON JUNIOR/ESTADÃO CONTEÚDO Cédulas sendo preparadas na Casa da Moeda Taxa é divulgada pelo BC a cada 45 dias e incide diretamente na economia brasileira

A arrecadação do governo federal com tributos e contribuições bateu novo recorde em janeiro ao somar R$ 235,3 bilhões, alta de 18,3% em comparação ao primeiro mês do ano passado, segundo dados da Receita Federal divulgados nesta quarta-feira, 23. O patamar é o mais expressivo desde o início da série histórica, em 1995, e dá sequência aos recordes acumulados ao longo de 2021, que fechou com a inédita soma de R$ 1,87 trilhão amealhados pelo Fisco. Nos 12 meses do ano passado, a arrecadação não foi a mais alta da série em apenas quatro (janeiro, junho, outubro e novembro). Apesar de os dados serem comemorados pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, como um indicativo da recuperação das atividades econômicas após o tombo dado pela pandemia, analistas apontam que os resultados extraordinários estão mais ligados à fatores negativos, como o aumento da inflação, a concentração de renda em grandes empresas e o endividamento da máquina federal em meio à crise.

Os dados divulgados pela Receita Federal já estão corrigidos pela inflação oficial do país, medida pelo Indicador de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Para o professor e coordenador de núcleo da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap), Tiago Slavov, apesar de o IPCA abranger dezenas de produtos, há fatores que subestimam os dados com distorções geradas pela pandemia. “Alguns itens apresentaram variação negativa de preços, como aqueles ligados ao setor de serviços e transportes. Por outro lado, bens de consumo tiveram demanda elevada, apresentando altas de preço. Como bens de consumo são, no modelo tributário atual, mais tributados do que serviços, essa mudança pode explicar também o aumento da arrecadação”, explica. Os reajustes causados pela inflação não se limitam a mudar a base de cálculo de empresas. Como muitos salários são reajustados pela variação de preços, uma parcela dos vencimentos saíram das faixas de isenção e começam a ser tributados pelo Imposto de Renda, contribuindo para engordar os cofres da Receita Federal. “Isso não implica numa melhora da economia, mas apenas que o salário foi reajustado por causa do aumento da inflação.”

O IPCA registrou alta de 10,06% em 2021, o maior registro em seis anos. Os pacotes de estímulos maciços às atividades econômicas e a distribuição de dinheiro promovidos por países em todo o mundo no início da pandemia deram gás para a inflação escalar nas principais economias globais. No Brasil, a maior parte desses benefícios foi custeada pelo endividamento público, que fez aumentar a quantidade de dinheiro em circulação. De acordo com o professor de Mercados Financeiros no Ibmec de São Paulo, George Sales, o movimento injetou R$ 1,4 trilhão na economia desde 2020, elevando as dívidas do governo federal em 33%. “O governo não arranjou esse dinheiro com uma melhoria da economia, mas com a emissão de dívidas. Tudo isso deixa as condições em outro patamar, e esse aumento expressivo de arrecadação é porque o país está neste patamar elevado”, afirma.

A Receita Federal apontou o aumento extraordinário de R$ 40 bilhões em Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e na Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para o recorde de 2021. O dado mostra que as empresas tiveram mais lucros, e assim a fatia de tributação fica maior. Para Slavov, da Fecap, a medida também significa maior concentração do poder econômico na mão de grandes grupos em meio à pandemia, enquanto pequenos empreendimentos foram mais prejudicados pela crise. “Os pequenos negócios, que são menos tributados, foram muito prejudicados, e muitas empresas fecharam. As grandes empresas, que são mais fiscalizadas e sujeitas à tributação, concentraram esse lucro”, afirma. “Isso se torna um problema econômico, já que as pequenas e médias empresas acabam perdendo espaço. É um sinal ruim de que os empreendedores estão sendo prejudicados”, afirma. A melhoria dos mecanismos do Fisco para evitar a sonegação de impostos também se reflete no aumento da arrecadação. O cenário, no entanto, escancara o peso que o governo federal deposita nas atividades. “Se por um lado é bom pela justiça fiscal, no outro mostra uma pressão elevada dos tributos, que leva às discussões da reforma”, afirma Slavov.

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