Guedes é ‘fiscalista’ e deve ter planos para reparar a PEC dos Precatórios, diz Salim Mattar
Empresário afirma que o ministro sempre foi cuidadoso com o fiscal e deve buscar uma forma de recuperar a confiança do mercado; ex-secretário faz críticas ao Congresso em relação a privatizações: ‘atrasado e a favor das estatais’
O apoio do ministro da Economia, Paulo Guedes, à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, em outubro, surpreendeu negativamente o mercado financeiro. O descontentamento com o texto que adia o pagamento das dívidas da União e muda o prazo para o cálculo da inflação no teto de gastos se fez sentir com a disparada do dólar para a maior cotação em seis meses, enquanto a Bolsa de Valores afundou ao pior patamar desde novembro do ano passado. Assim como toda a Faria Lima, o ex-secretário de Desestatização do governo Bolsonaro, Salim Mattar, afirma que a imagem de Guedes saiu arranhada desse episódio, mas que o chefe da equipe econômica deve guardar uma carta na manga para reparar o desgaste e recuperar a confiança dos donos do dinheiro. “Guedes é muito inteligente e deve ter outros planos de como reparar isso, ele é um fiscalista”, diz em entrevista ao site da Jovem Pan.
Fundador da empresa de aluguel de carros Localiza, Mattar deixou os negócios em 2019 para se juntar ao recém-montado time de Guedes que pretendia transformar a economia brasileira pautado nos ideais do liberalismo. O empresário foi designado para comandar a pasta que tocaria a venda das estatais, uma das grandes promessas feitas por Jair Bolsonaro (sem partido) durante a campanha. A experiência no setor público, no entanto, não durou muito, e em agosto de 2020 Mattar pediu para sair. “Quando eu cheguei ao governo, verifiquei que quem queria privatizar era eu e o Guedes. Ninguém mais queria”, afirma. O ex-secretário não poupa críticas ao Congresso Nacional pelas dificuldades impostas na agenda de desestatização e diz que o Legislativo brasileiro é “atrasado” e não respeita a vontade popular que elegeu um presidente com um discurso privatista. “A mentalidade do Congresso não é moderna ou a favor da redução do tamanho do Estado”, afirma. Confira abaixo os principais trechos da entrevista:
O senhor acredita na venda da Petrobras no governo de Jair Bolsonaro? Acho impossível. A Petrobras é uma empresa que o Guedes fala em privatizar, o presidente, em alguns momentos, também falou em privatizar, mas apenas existe uma retórica. Para privatizar a Petrobras, é preciso autorização do Congresso, e o nosso Congresso é nacionalista, atrasado, a favor das estatais e contra a redução do tamanho do Estado. Claro que temos bons congressistas, mas é uma minoria. Infelizmente, essas pessoas não estão muito bem preparadas para entender como as estatais trazem problemas para um país. Apesar de em um período recente a Petrobras ter sido saqueada, isso não foi o suficiente para que a sociedade brasileira, os congressistas, o Executivo, tomassem a decisão de privatizar. O presidente Bolsonaro fala sobre privatização, mas isso não vai passar no Congresso. A mentalidade do Congresso não é moderna ou a favor da redução do tamanho do Estado, então isso fica apenas na retórica.
Falta articulação política para o avanço da agenda de privatizações? O presidente foi eleito, e eu mesmo fui para o governo com essa pauta de privatizações, porque era o discurso do presidente, era o discurso do Guedes e, como eu não acredito em estatais, pensei que talvez fosse o momento que eu pudesse contribuir, ainda que minimamente, para desconstruir esse gigantesco Estado brasileiro. Quando eu cheguei ao governo, verifiquei que quem queria privatizar era eu e o Guedes, ninguém mais queria. Para privatizar, um governo tem que ter a maioria no Congresso. E o governo Bolsonaro não tinha. O governo resolveu buscar um ‘presidencialismo de coalizão’, chamado pela imprensa pejorativamente de ‘toma lá, dá cá’, e agora ele consegue aprovar alguns projetos de lei, outros não. Mas a privatização no Brasil não basta a vontade de um presidente eleito com 57,7 milhões de votos. Se fossemos uma democracia autêntica, o Congresso respeitaria o mandato popular. Esse candidato que foi eleito com uma pauta de privatizações, esse é o mandato dele, nós temos de respeitar o mandato do povo. Mas, na nossa democracia, que eu chamo de ‘democracia jabuticaba brasileira’, não funciona desse jeito.
E o senhor vê Bolsonaro hoje como um presidente privatista? Não, ele não é privatista. Ele entendeu que acaba com todas as greves de caminhoneiros pelo resto da vida se privatizar a Petrobras. Mas, infelizmente, ele não tem esse poder. Esse poder está com o Congresso. Não adianta ele querer, não vai passar no Congresso. O Congresso brasileiro não é a favor da privatização da Petrobras nem do ineficiente Banco do Brasil.
Qual a sua análise da PEC dos Precatórios? Foi a melhor saída para bancar o Auxílio Brasil? A democracia é isso, é o resultado de diversos grupos de interesse. Às vezes, o resultado não é tão bom como eu ou você gostaríamos, mas foi o possível. Para pagar esse auxílio, nós tínhamos apenas dois caminhos que seriam corretos: a venda de ativos, seja parte da Petrobras, uma parte do Banco do Brasil, para que tivesse o dinheiro em mãos. Isso não iria impactar em nada a dívida brasileira nem os cofres do governo. No entanto, obter do Congresso autorização para a venda de ações do Banco do Brasil e da Petrobras é muito difícil, para não dizer quase impossível. O outro caminho é mais complicado, mas é mais eficaz, que é a redução de gastos do governo. O nosso governo tem dinheiro para comprar R$ 8,5 milhões de equipamentos de ginástica para a Polícia Federal. Temos bilhões para dar aos partidos políticos. O Judiciário tem dinheiro o suficiente para aumentar os seus quadros. Não é que falta o dinheiro, o que falta é uma boa alocação dos recursos. Cortar despesas é muito difícil porque mexe em grupos de interesse.
O apoio de Guedes à PEC levou a uma nova saída de secretários da pasta. Esse movimento enfraquece o papel do ministro no governo? O ministro Guedes sempre foi cuidadoso com o fiscal, e houve uma debandada do ministério porque alguns daqueles secretários não concordaram com a forma e preferiram deixar o governo. Acredito que o ministro Guedes, nesse momento, ficou enfraquecido e exposto. Eu não sei quais os outros planos que ele tem na cabeça para segurar o fiscal. Guedes é muito inteligente e deve ter outros planos de como reparar isso, ele é um fiscalista. Eu não acredito que ele, em sã consciência, tenha feito isso [pensando] ‘não tem importância, vamos fazer um fura-teto, vamos dar um calote nos Precatórios para viabilizar isso’. Ele deve ter algumas outras ideias preparadas para recompensar isso.
Mas esse movimento acabou prejudicando a imagem do ministro como defensor do teto de gastos. Isso mudou a confiança do mercado financeiro em Guedes? O mercado tinha uma expectativa a respeito do ministro Guedes. Ele é um liberal, um indivíduo que sempre teve muito cuidado com as contas públicas. No momento que aconteceu isso, o dólar subiu, a Bolsa caiu e o mercado reduziu a sua confiança no ministro. Foi uma coisa que não se esperaria nunca de um ministro liberal. Somos educados a pagar os compromissos. Se tem uma dívida, você pega a sua poupança, o cheque especial, um carro, um sítio, um barco, não importa o que você tem, você vende o que tiver para pagar a dívida. Nós temos a obrigação moral de honrar os nossos compromissos. O governo não é diferente, porém as pessoas que estão lá acham que o governo tudo pode. O correto dos Precatórios seria a venda de ativos. A reputação do ministro fica, neste momento, arranhada. Ele, de alguma forma, vendeu para a sociedade brasileira e para o mercado a imagem de um reformista, de um economista que iria cuidar do fiscal. Na hora que aconteceu isso, efetivamente o mercado desandou e a reputação dele ficou um pouco arranhada. Embora eu acredite que ele deva ter algum plano para compensar isso, porque ele tem que preservar a imagem e a reputação dele. Ele tem que corrigir essa PEC dos calotes.
O senhor se mostra otimista com a economia em 2022? O ano que vem ainda é uma incógnita. Temos uma perspectiva boa do agronegócio, o dólar nessa altura favorece a exportação brasileira. Como será um ano de eleição, não serão cometidos muitos arroubos, nem pelo Legislativo nem pelo Executivo. Vai ser um ano com as pessoas mais cuidadosas e acredito que não teremos surpresas desagradáveis. As coisas vão continuar como estão, e não vai haver uma substancial melhora de nada. Dependendo um pouco das pesquisas, uma hora o dólar vai subir, a Bolsa vai cair, dependendo dos candidatos que aparecerem mais bem colocados nas pesquisas. Será um ano normal, e pior do que está não ficará. Talvez eu seja um pouco otimista, mas acredito que em 2022, por ser um ano eleitoral, as pessoas serão muito cuidadosas para tomarem medidas e não vai desandar nada no Brasil.
O governo atrapalha mais do que ajuda? Qualquer governo atrapalha mais do que ajuda. E o governo brasileiro, desde a redemocratização até agora, só tem atrapalhado mais do que ajudado. Nós temos governo demais e leis demais. Governo é um mal, mas, sendo um mal necessário, deve ser reduzido de tamanho para que se possa controlá-lo. E o nosso governo cresceu demais, e eu não acredito que tenha havido melhora nos serviços à população. Os nossos presídios estão mais cheios, o sistema do SUS é deficiente, temos brasileiros em caráter emergencial. Não sei se o Brasil melhorou nesses últimos 35 anos, mas o Estado dobrou de tamanho, e está atrapalhando mais a vida dos cidadãos e das empresas do que antes.
Há um esforço do governo Bolsonaro para atrapalhar menos? Na campanha, o candidato Bolsonaro falava que queria privatizar. O establishment não permite que se reduza o tamanho do Estado. Para isso, precisa de carga tributária elevada e cidadão subserviente. O Estado interfere na vida do cidadão e do empreendedor. Bolsonaro percebeu isso, e teve um insight de tirar o Estado do cangote do cidadão. Mas aquilo ficou apenas no discurso de campanha, porque, depois de eleito, não aconteceu isso. O Estado continua crescendo, e o cidadão continua servido ao Estado, ao invés do Estado servir o cidadão.
Qual a análise que o senhor faz das eleições com um ambiente polarizado e com a entrada de Sergio Moro como possível alternativa para a terceira via? Temos uma polarização que já vinha acontecendo no Brasil desde 2018. A sociedade brasileira está cansada, tudo isso ficou chato. Estamos a um ano das eleições, vai passar muita água embaixo da ponte. Esse ambiente de polarização, devido a esse cansaço da sociedade brasileira, poderá ser amenizado e poderão surgir candidatos que venham de encontro às aspirações do cidadão brasileiro. Tem um percentual de pessoas que vai continuar votando no Lula mesmo se ele estivesse ainda na cadeia. Como consequência, tem uma direita conservadora, totalmente antipetista, que vai votar no Bolsonaro de qualquer jeito. Tem um percentual garantido para Lula e para Bolsonaro, mas esse percentual não é muito elevado. A grande massa está no meio, e esse intermediário é o que vai influenciar as eleições. Diversos Poderes meteram os pés pelas mãos, todos eles extrapolaram. Agora, estamos em um momento de início de um período de serenidade, e isso é fundamental para que o brasileiro possa tomar uma decisão nas eleições. Sou otimista, eu acredito no futuro do Brasil, apesar de tudo. O Brasil só tem um caminho para dar certo, e é pelo liberalismo. É a implementação de um capitalismo que possa gerar riqueza e emprego para reduzir tamanha desigualdade. Não acredito em nenhuma tese, de nenhum candidato, que não seja a liberdade do cidadão, de mercado, para o capitalismo e menos interferência. Hoje, a democracia brasileira está em risco devido ao gigantismo do Estado brasileiro, que por consequência gerou tamanha desigualdade e pobreza. Precisamos de mais capitalismo no Brasil para reduzir o tamanho do Estado e trazer renda e geração de emprego. A nossa sociedade não quer Bolsa Família, ela quer emprego, e isso o capitalismo poderá trazer.
No cenário atual, o mercado financeiro repete o apoio ao governo Bolsonaro? O mercado financeiro é, por natureza, otimista. Depois da PEC do calote, o mercado está aguardando uma sinalização do governo de alguma coisa correta. Há uma expectativa do mercado com o ministro Guedes e o governo Bolsonaro para compensar a PEC do calote, eles vão fazer alguma coisa positiva para a economia.
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