Mercado financeiro perde otimismo com o governo e tira agenda de reformas do radar, diz Gustavo Loyola
Em entrevista à Jovem Pan, ex-presidente do Banco Central também afirma que aumento dos juros prejudica retomada da economia em 2022, mas é necessário diante da escalada da inflação
A esperança do mercado financeiro com a ascensão de Paulo Guedes ao comando da economia brasileira se transformou em ceticismo, afirma o ex-presidente do Banco Central, Gustavo Loyola. A agenda de reformas — pilar fundamental para retirar o país do ritmo apático de crescimento —, está fora do radar e já não inspira mais a confiança em quem apostou no choque liberal aguardado pela nova gestão no Ministério da Economia. “Não existe mais esse otimismo de que vá ter uma agenda daqui até o final do mandato de reformas, de crescimento. Nesse sentido, o mercado ficou bem mais cético”, afirma ao site da Jovem Pan o economista e sócio da Tendências Consultoria Integrada. Também não contribui para o bom humor dos donos do dinheiro a recente escalada da tensão entre os Poderes estimulada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que depois precisou retroceder diante das repercussões negativas. Para Loyola, além de afastar essa parcela significativa que deu apoio para a eleição de Bolsonaro, o comportamento contribui para a já delicada situação da inflação, uma das principais ameaças para a retomada das atividades econômicas. “Uma das maneiras de o governo contribuir para que a inflação caia mais rapidamente seria parar de ter atitudes que afetam negativamente a performance da moeda brasileira, isso passa justamente pela melhora desse ambiente de relacionamentos institucionais.”
Loyola comandou a autoridade monetária nacional por duas oportunidades: entre 1992 e 1993, e posteriormente de 1995 a 1997. Na segunda passagem, o país começava a experimentar os efeitos do Plano Real, que entre outras mudanças, ajudou a derrubar os índices inflacionários que corroíam o poder de compra da população. O fantasma do IPCA voltou a assombrar os brasileiros, sobretudo os mais pobres, nos últimos meses com a escalada do indicador para próximo dos dois dígitos. O BC reagiu e elevou a Selic de 2% ao ano em janeiro para o atual patamar de 5,25%, e já sinalizou nova alta de 1 ponto percentual para a reunião que será realizada na próxima semana. Para Loyola, o movimento prejudica os esforços para que a economia se recupere, mas é preciso diante da necessidade de controlar a inflação. “É um remédio amargo, mas tem que ser ministrado”, afirma. Confira abaixo os principais trechos da entrevista.
Há semanas os analistas reduzem as expectativas para a economia em 2021 e agora passam a ver crescimento próximo de 5%. Qual a sua avaliação desse movimento? Antes, a projeção de crescimento de 5% era conservadora, hoje, ela é otimista. Os indicadores tem vindo piores, e um dos fatores que está afetando a atividade é a falta de insumos em algumas indústrias importantes, como a automobilística e a de semicondutores. Isso tem cobrado o preço da recuperação da atividade. A nossa projeção está em 5%, mas há um viés de baixa na previsão. Para o ano que vem, é mais dramático ainda. As projeções estão caindo sucessivamente e estão se aproximando de 1,5% de crescimento, que, na verdade, é um avanço zero, já que será fruto basicamente do carrego estatístico. Crescer 1,5% no ano que vem quer dizer que a atividade econômica está estagnada.
Quais os principais desafios para a retomada sustentável em 2022? Existem vários, e eles estão ficando cada vez mais presentes a cada dia que passa. Primeiro, a gente pode citar a inflação, que por si só já corrói o poder de compra dos consumidores, principalmente dos de menor renda, portanto tem um efeito sobre o crescimento. A inflação também exige do Banco Central respostas que acabam sendo negativas do ponto de vista do crescimento. A alta de juros afeta a demanda, portanto afeta o próprio processo de recuperação econômica. Outro vilão é a possibilidade de racionamento de energia. Isso diminui investimentos e produção. Outro aspecto fundamental que dificulta a recuperação são as incertezas políticas, essas tensões institucionais, essas belicosidades do presidente em relação ao Supremo, os seus ataques à democracia. Falta rumo na condução da política fiscal, que parece muito mais uma sucessão de casuísmos – como foi esse caso do IOF. Tudo isso tem gerado muita incerteza e prejuízo para a atividade econômica.
Qual a avaliação que o senhor faz da reação da economia e dos mercados uma semana após a Carta à Nação divulgada pelo presidente Jair Bolsonaro? A carta do presidente desanuviou um pouco o ambiente. Mas ainda existe a percepção de que a carta foi um recuo muito mais tático e pontual do que uma mudança de posição nas relações com o Judiciário e com os resultados eleitorais. Essas dúvidas permanecem. A carta contribuiu para um certo arrefecimento da temperatura, que estava em uma escalada bastante negativa e afetando os mercados.
Como o mercado vai reagir a esses arroubos do presidente? Isso deve afetar o preço dos ativos brasileiros e o câmbio. O câmbio desvalorizado tem um efeito negativo para a inflação. Uma das maneiras de o governo contribuir para que inflação caia mais rapidamente seria parar de ter atitudes que afetam negativamente a performance da moeda brasileira. Isso passa justamente por uma melhora desse ambiente de relacionamentos institucionais. Evidentemente isso depende muito do presidente, ele está fazendo os cálculos eleitorais. A eleição pode até trazer um ambiente de tensão maior do que agora. O mercado está bem atento a isso, e a moeda brasileira desvalorizada precifica esses riscos institucionais.
O mercado financeiro já desembarcou do governo? Não dá para falar no coletivo, mas se desembarcar é no sentido do otimismo em relação a agenda liberal, diria que desembarcou. Não existe mais esse otimismo de que vá ter uma agenda de reformas daqui até o final do mandato. Nesse sentido, o mercado ficou bem mais cético. Além disso, esses ataques à democracia também contribuem negativamente para percepção do governo entre os agentes econômicos e no mercado financeiro. Sem dúvida, hoje os mercados estão mais pessimistas e céticos em relação a essas agendas do governo.
As reformas estão fora do radar? Sim, estão fora do radar. Se vier alguma coisa, será uma surpresa positiva neste cenário atual.
O que o senhor achou da declaração do presidente do Banco Central sobre “manter o plano de voo” no esforço para reduzir a inflação? O Roberto Campos Neto quis afastar uma tendência que estava se verificando no mercado de precificar um aumento de mais de 100 pontos na próxima reunião do Copom. Ele quis sinalizar que esse ritmo vai ser mantido. Esperamos que o Banco Central aumente os juros até o final do ano e a Selic chegue a 8,5% ou 9% ao ano. Vai depender do andamento da inflação.
O ritmo de 1 ponto percentual na Selic no próximo encontro é o suficiente na trajetória de conversão do IPCA para o centro da meta? O ritmo seria esse. A opção de andar um pouco mais rápido sempre existe. O Banco Central poderia até adotá-la. Mas, pelo o que mencionou o presidente, esses 100 pontos parece mais provável do que um aumento maior.
“Levar a Selic até aonde for necessário”, como disse o presidente do Banco Central, não arrisca frear a retomada da economia em 2022? Sem dúvida. O combate à inflação não é indolor. Ele traz consigo esse efeito negativo para a atividade econômica, mas não tem o que fazer. Se deixar a inflação fugir do controle, a atividade vai sofrer muito mais. É um remédio amargo, mas tem que ser ministrado. Tempestivamente, tem que ser administrado no momento e na dose certa.
O senhor acha que agora é o momento certo? Sim. Talvez o Banco Central pudesse ter começado um pouco antes, ou ter aumentado os juros um pouco mais. Mas, naquele momento, o Banco Central não tinha as informações que tem hoje, portanto a decisão foi mais difícil para se adotar e eles optaram por uma postura mais cautelosa. Subiram menos do que poderia ter subido.
O Banco Central ainda tem condições de fazer com que a alta do IPCA deste ano não contamine as previsões para 2022? Sim, ele tem a política monetária e a credibilidade. O Banco Central precisa insistir na credibilidade, mostrar que ele está comprometido com a meta e que ela vai ser cumprida. Assim ele consegue segurar as expectativas.
Em que ponto o Banco Central falhou para deixar a inflação alcançar quase o dobro do teto da meta? Há questões hídricas, que não tem a ver com o Banco Central, e a própria alta de commodities. O Banco Central errou quando fez o foward guidance. Ele acabou se prendendo a uma determinada trajetória de crescimento de alta de juros que se mostrou insuficiente diante das circunstâncias. Fazer isso em economias como o Brasil é uma temeridade por causa das incertezas que rodeiam. Ele sinalizou que manteria os juros baixos por muito tempo, e acabou ficando prisioneiro dessa promessa.
O que esperar do câmbio com o acirramento das tensões em Brasília? A nossa previsão é que o dólar deva ficar onde está, mas considerando que estamos chegando próximo da eleição, é muito mais provável que ele possa se desvalorizar do que ficar abaixo de R$ 5. Pode acontecer, mas a temporada eleitoral está prometendo ser bastante tensa e geradora de ruídos no mercado.
Como o senhor vê os esforços do governo para solucionar os precatórios? Parcelar a dívida é um calote? Para mim, é um calote. Precatório é dívida reconhecida, transitada em julgado. Não deveria deixar de ser paga pelo governo. Ele deveria pagar e procurar se defender melhor dessas ações. Tem que evitar que surjam esses esqueletos, e isso tem a ver com a gestão do dia a dia das políticas públicas.
Qual impacto do aumento do IOF para custear o Bolsa Família? É uma decisão equivocada. Em um ambiente em que a atividade econômica já está sofrendo, adotar uma medida que aumenta os juros, surpreende todo mundo e aumenta o custo do crédito. Isso é negativo. E mostra que o governo não encontrou uma solução para essa questão fiscal, e está disposto a fazer o que for necessário para aumentar as transferências de renda. Soa como uma notícia com intenções mais eleitoreiras. Nada contra ter programas de transferência de renda, bem estruturados para atingir as pessoas mais vulneráveis. Mas é preciso estruturar isso com um financiamento adequado.
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