Mesmo com acúmulo de estoques, preço de veículos novos não deve ceder; venda de seminovos pode registrar alta histórica
Com 200 mil carros novos parados, montadoras preferem vender menos a preços mais altos; consumidores se voltam para seminovos, e setor deve fechar o ano com 15,5 milhões de unidades comercializadas
Em março, diversas montadoras de veículos automotivos anunciaram férias coletivas após uma queda acentuada na venda de carros e desaceleração do mercado. O objetivo é evitar o acúmulo de grandes estoques, o que forçaria o preço dos veículos para baixo. A venda de carros novos fechou fevereiro com queda de 8,2% em relação à janeiro. Contudo, em março, o setor teve um crescimento de 38,3% no comparativo com o mês anterior, segundo a Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave). Ainda assim, mais de 200 mil veículos novos estão parados nas fábricas e concessionárias, de acordo com a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). Mas, se os fabricantes não estão conseguindo vender o que produzem, o valor cobrado pelos automóveis 0 km deve diminuir? Segundo especialistas ouvidos pela Jovem Pan, a perspectiva é de que os preços não reduzam ou que a diminuição seja muito pequena. A avaliação dos profissionais é a de que os fabricantes preferem apostar no mercado com um ticket médio mais alto, que ainda tem uma procura elevada. Contudo, a baixa produção de modelos mais simples faz com que adquirir um automóvel fique mais difícil para o consumidor médio, que se volta para os seminovos. O setor espera que, caso o desempenho dos três primeiros meses do ano continue, sejam comercializados até 15,5 milhões de veículos seminovos até o fim de 2023, recorde dos últimos dez anos.
O economista Carlos Caixeta observa que, no histórico de preços dos automóveis no Brasil, não há redução significativa no valor dos carros quando a produção é diminuída. “Com a pandemia e consequentes restrições de matérias-primas e produções, os preços aumentaram e estão se mantendo em níveis acima dos verificados antes da pandemia. No Brasil, as montadoras preferem, de modo geral, vender menos a preços médios mais altos, do que vender mais a preços médios mais baixos. Sendo assim, nos próximos meses, o preço dos carros no Brasil devem se manter nos atuais altos níveis ou pode haver uma pequena redução, caso as montadoras precisem estimular as vendas para cumprir os resultados de caixa determinados pelas suas matrizes, em razão do desaquecimento econômico na Europa e nos Estados Unidos”, pondera. Doutor em Economia, Benito Salomão complementa que, não apenas os preços dos automóveis estão caros, mas algumas empresas estão solicitando o prazo de quatro meses para entregar um veículo. “Em grande medida, isso está relacionado com a característica do mercado, no qual temos poucas empresas concorrendo. Depois da pandemia, elas viram que poderiam maximizar o lucro, aumentando o preço aos invés de investir na produção. A pausa das montadoras pode inclusive repercutir em um aumento dos preços por causa da retração da oferta“, avalia.
CEO da plataforma Mobiauto, Sant Clair Castro Júnior observa que as produções nacionais contam com estoque de sobra porque não conseguem vender com a alta da inflação e da taxa de juros, o que impacta o preço dos veículos. “Com a redução da produção de carros, o mercado vai segurar o preço para que ele não caia muito. No curto prazo, teremos uma pequena redução no valor dos automóveis. Veremos alguns modelos e veículos com promoção e as concessionárias oferecendo bônus para incentivar a compra. Mas o preço tende a voltar no ano que vem, quando a economia vai rodar mais em alta, aumentando a demanda. Nossa expectativa é de que a variação do preços de automóveis volte a crescer até o começo do ano”, analisa. Para o economista Roberto Piscitelli, a redução na produção de veículos está claramente associada à situação econômica brasileira, especial à taxa de juros praticada pelo Banco Central. “Cerca de dois terços das vendas se fazem à crédito, portanto isso depende muito da taxa de juros. Isso se associa a outras questões como o nível geral de renda da maior parte da população e ao alto grau de endividamento, além da inflação que suprimi o poder de compra. Isso faz com que os estoques se acumulem, mas não nos iludamos como uma eventual redução de preço. O setor é um grande oligopólio e não quer abrir mão de suas generosas margens de lucro. Na experiência recente, o que se constatou é que, quando eram concedidos benefícios, eles não se projetavam nos preços, nem favoreciam o consumidor. Invés de redução do valor, recompunham-se as margens de lucro“, aponta.
Presidente da Federação Nacional das Associações dos Revendedores de Veículos Automotores (Fenauto), Enilson Sales esclarece que a crise vivida pelo setor automotivo com falta de componentes para fabricação fez com que a indústria aumentasse a produção e importação de carros premium e top de linha, e esquecesse os chamados “carros de entrada”, ou seja, os modelos mais básicos. “Só que os carros de entrada são a mola propulsora de toda a cadeia de veículos, sejam novos ou usados. Sem isso, os carros top de linha ficaram em preços absurdos. Eles e os carros intermediários ficaram distantes do poder aquisitivo do consumidor médio, que acessa, no máximo, um veículo de R$ 100 mil”, explica.
“Com isso, passou-se a consumir mais o seminovo, que também viu seu preço aumentar um pouco. Esse movimentação fez com que o pátio das montadoras ficasse cheios e elas começaram a se preocupar e pensar em produzir o carro de entrada. As fábricas buscaram negociar com o governo para abaixar os impostos em carros novos”, indica o presidente da Fenauto. Enilson acrescenta que o comportamento do mercado de seminovos nos primeiros três meses do ano indica que, caso o movimento de compra e venda continue similar nos próximos meses, o setor deve registrar recorde de vendas dos últimos dez anos. A expectativa é que sejam comercializados 15,5 milhões de veículos usados até o fim de 2023, maior valor registrado desde 2014.
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