Risco fiscal e turbulência política afetam o câmbio e afastam chance de dólar abaixo de R$ 5

Forças que trouxeram a moeda para a casa dos R$ 5,30 nas últimas semanas não terão fôlego para continuar influenciando a queda até o fim deste ano

  • Por Gabriel Bosa
  • 16/05/2021 09h13 - Atualizado em 16/05/2021 09h13
Vladimir Solomyani/Unsplash Cédulas de dólar amontoadas Dólar mantém trajetória de alta pelo terceiro dia seguido

O trajeto de forte valorização do real entre o fim de março e o início deste mês chamou a atenção do mercado financeiro. Em seis semanas, o dólar despencou 8,5%, passando da faixa de R$ 5,41 para a de R$ 5,22, patamar semelhante ao visto no início de janeiro. Entretanto, o ritmo acentuado, pressionado principalmente pela disparada dos preços das commodities, queda da taxa de juros nos Estados Unidos e o alívio fiscal pela resolução do Orçamento de 2021, não gerou otimismo suficiente para projetar a volta do câmbio para abaixo de R$ 5 neste ano ou em 2022. Na opinião dos analistas, as forças que trouxeram o dólar ao menor nível em cinco meses não terão fôlego para continuar influenciando a moeda para baixo. Ao mesmo tempo, o Brasil continua com graves problemas políticos e fiscais, e não há perspectiva de que esse cenário de risco se dissipe brevemente. Pelo contrário: as incertezas dos desdobramentos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 ao governo e a aproximação das eleições presidenciais de 2022 devem trazer mais estresse ao mercado e alimentar a volatilidade do câmbio.

A recente reação do real ante o dólar vem mais de fatores externos do que domésticos. O movimento foi puxado pelo crescimento recorde do minério de ferro no mercado internacional em meio ao crescimento da China após a pandemia do novo coronavírus. O ritmo, porém, não é visto como sustentável para continuar levando o dólar para baixo por muito mais tempo, e entre quinta, 13, e sexta-feira, 14, a commodity já registrou queda de aproximadamente 10% após autoridades chinesas ameaçarem suspender o contrato de usinas suspeitas de terem manipulado o mercado. Já os Estados Unidos contribuíram com a manutenção dos juros em valor mínimo, injetando dólares nos mercados globais e favorecendo toda a cesta de moedas emergentes, incluindo o real brasileiro. Mas esta fonte também não se mostra duradoura. Bastou os investidores cogitarem que o Banco Central norte-americano (Fed, na sigla em inglês) poderia elevar a taxa de juros após a inflação em abril vir maior do que o esperado, que o dólar teve novo repique e fechou a semana com alta de 0,82%, a R$ 5,27. Desde o início do ano, o câmbio acumula alta de 1,5%. Em 2020, o real fechou com desvalorização de 29% ante o dólar.

No cenário doméstico, a disparada da dívida pública do governo federal, que em março atingiu 89% do Produto Interno Bruto (PIB) e segue tendência de alta, é o principal vetor do campo fiscal que impede o dólar de descer. Apesar das perspectivas da saúde econômica pública terem sido atenuadas com a resolução do Orçamento de 2021, mesmo que de uma forma aquém da esperada pelo mercado, o endividamento do governo seguirá barrando a valorização do real. “O cenário fiscal tende a piorar. A dívida vai continuar elevada por causa dos gastos do governo com o novo coronavírus, e para o Orçamento do ano que vem teremos uma nova discussão pelo teto de gastos”, afirma Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados. Apesar da alta recente da moeda brasileira, as circunstâncias indicam o câmbio na faixa de R$ 5,40 na virada de 2022, mesmo que, em algum momento, a moeda norte-americana possa experimentar um patamar mais reduzido. “Há muitas dificuldades, e o cenário aponta para pressões mais para cima do que para baixo.”

A moeda norte-americana ultrapassou a marca dos R$ 5 pela primeira vez em 16 de março de 2020 e subiu a ponto de bater em R$ 5,90 — o maior valor desde a criação do plano Real, em 1994 — em 13 de maio do mesmo ano. O câmbio chegou a arrefecer semanas depois e retornar a casa dos R$ 4, porém, a partir do dia 12 de junho de 2020, ao cruzar novamente a linha, a moeda nunca mais voltou a ceder para menos de R$ 5. “Neste momento, estamos na beira do caminho. Não vemos o risco fiscal indo embora, mas também não há sinais de que ele vá se tornar um problema maior e que trará mais desconfiança da dívida pública”, afirma Victor Scalet, estrategista de macroeconomia da XP Investimentos. O avanço da agenda de reformas no Congresso, mesmo que de uma forma menos robusta do que o projetado pelo mercado, é um dos principais meios para sinalizar aos investidores o compromisso do governo em atenuar o risco fiscal, e assim trazer o dólar para patamares mais reduzidos. Na avaliação da XP, no entanto, o dólar deve seguir este patamar de R$ 5,30 até o fim do ano. “Os avanços são possíveis, mas, se ocorrerem, serão pequenos. Na prática, não deve ser entregue muito neste ano, logo o risco fiscal continuará pairando”, diz o economista.

A turbulência com as notícias de Brasília é outro fator que tende a impedir que o câmbio arrefece para a casa dos R$ 4 no médio prazo. A investigação das ações do governo federal no combate à pandemia do novo coronavírus, além do repasse das verbas da União aos Estados e municípios, pela CPI da Covid-19 é a nova fonte de ruído na pauta política E este barulho tende a crescer a partir da aproximação das eleições de 2022 e a definição dos candidatos à Presidência da República. “Apesar de vermos a economia brasileira se recuperando como um todo, o cenário político pesa muito. E, historicamente, em anos de eleição há uma depreciação da taxa de câmbio”, afirma Fernanda Consorte, economista-chefe do Banco Ourinvest. Mesmo que o dólar tenha perdido fôlego ante o real, a analista diz que o valor ainda está acima do esperado para a realidade brasileira, mas que ainda deve passar por altos e baixos antes de cruzar o novo ano na casa de R$ 5,10. “Embora o dólar tenha caído, ainda está em um patamar muito elevado, e isso sugere que tem muito a ver com questões conjunturais que estão longe de acabar.”

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