Adesão acelerada de novos integrantes deixa Brics ‘à mercê do desequilíbrio’, diz Paulo Nogueira Batista Jr.
Em entrevista à Jovem Pan, o ex-vice-presidente do Banco dos Brics expõe sua preocupação sobre expansão do bloco e fica com o pé atrás com a entrada da Argentina: ‘Se for a do Milei, mais atrapalha do que ajuda’
Em uma cúpula apontada inicialmente como audaciosa devido suas propostas (expansão do grupo, adoção de uma moeda comum e maior influência da China), os países do Brics decidiram acolher mais seis nações, que ingressarão em janeiro de 2024. Arábia Saudita, Argentina, Egito, Emirados Árabes, Etiópia e Irã são os mais novos integrantes deste grupo que começou em 2008, quando se tinha um cenário político bem diferente do atual, sem a enorme deterioração na relação da Rússia com o Ocidente, e o laço Estados Unidos-China menos debilitado. Em entrevista ao portal da Jovem Pan, o economista Paulo Nogueira Batista Jr., que foi vice-presidente do Banco dos Brics, diz que o resultado da 15ª Cúpula poderia ter sido melhor. Contudo, o saldo para o Brasil e para o grupo, foi “ok”. Sua preocupação é que o rápido ingresso dos novos países cause um desequilíbrio que dificulte a coordenação.
Das nações escolhidas, ele tem o pé atrás com duas. A Etiópia, que pode ser excessivamente influenciada pela China, e a Argentina, pois está em ano eleitoral e não sabemos quem será o próximo a assumir a Casa Rosada. Vale lembrar que na quinta-feira, 24, após o anúncio da aprovação da Argentina, os dois principais candidatos presidenciais da oposição, Javier Milei (que se define como ultraliberal) e Patricia Bullrich (direita), rejeitaram o ingresso. Bullrich antecipou que deixará sem efeito a entrada no bloco se assumir o poder em 10 de dezembro. Milei disse que não quer lidar com nações governadas pela esquerda. O único que concordou foi o ministro da Economia e candidato presidencial do governo peronista, Sergio Massa, terceiro colocado nas primárias.
Os Brics representam quase 25% do PIB e 42% da população mundial. A expansão do bloco de economias emergentes, paladino dos países do Sul Global, gera expectativas internacionais e pode levar a mudanças significativas na atual ordem mundial. Para Nogueira, o grupo já tinha peso para influenciar antes mesmo da expansão. No começo, o Brasil estava relutante quanto à ampliação do grupo. Contudo, o economista destaca que seu apoio fez com que ele ganhasse ainda mais força para passar a fazer parte do Conselho de Segurança na ONU.
Qual a sua visão sobre expansão dos Brics? É uma questão controversa, mas, na minha avaliação, há algumas desvantagens em ampliar o número de países, sobretudo se for feito de forma rápida e sem critérios claros. Primeiro porque, quando aumentar, as dificuldades de coordenação do grupo vão ser muito maiores. Tenho experiência no processo do grupo, trabalhei durante muito tempo como delegado brasileiro nos Brics, de 2008 a 2017, e posso te dizer que, mesmo com apenas cinco países, era muito difícil avançar. Por isso a minha preocupação. Outro aspecto é que, para o Brasil, especificamente, não é tão atrativo porque pode diluir o peso do nosso país dentro do grupo. Além disso, é possível que isso desequilibre o grupo. Então, por essas e outras razões, não me parece uma boa ideia.
O que o senhor acha da escolha dos países que foram selecionados para fazer parte dos Brics e o quanto eles têm a agregar? A Arábia Saudita é um país importante, de porte, e assim como o Irã, são países de peso, especialmente na sua região. O Egito é um dos países mais importantes do norte da África. Os Emirados Árabes Unidos são um país muito rico, mas é um muito pequeno em termos de área geográfica e população, então, não me parece que sejam um país compatível com a concepção original dos Brics, que é reunir países emergentes e de peso. A Etiópia é um país importante da África Subsariana, mas a minha dúvida é se não seria um país muito influenciado pela China, e a entrada dela não vai aumentar o peso relativo dos chineses dentro do grupo. Por último, a Argentina é um país de porte, com importância suficiente para entrar nos Brics, mas ainda não sabemos qual Argentina será essa que entrará para o grupo em 2024, porque a eleição é agora, no final do ano. Se entrar a Argentina do Javier Milei, vai atrapalhar mais do que ajudar.
Dentro desse cenário que a gente tem agora, com esses países selecionados, o Brasil ainda consegue ter uma influência ou ele acaba perdendo espaço? O Brasil continua sendo influente, porque é um dos países fundadores do grupo. Se a Argentina tiver um resultado eleitoral razoável, ou seja, ganhar o candidato do governo ou o candidato da centro-direita, é provável que a cooperação Argentina-Brasil prevaleça a partir de 2024. Então, a entrada da Argentina se somaria à influência do Brasil nessa hipótese, mas dependemos do resultado.
Outra pauta debatida na cúpula foi a criação de uma moeda comum para as transações entre os países. Esse é um cenário possível e benéfico? E é possível parar de depender do dólar? Eu acho que é possível e benéfico. Eu tenho até escrito a respeito. Estive em Joanesburgo há poucos dias e fiz um discurso sobre isso, creio que é uma ideia viável. Não é fácil, é uma ideia complexa, mas é viável e pode ser implementada pelos cinco países. Com a entrada de novos integrantes, pode ficar mais difícil. Mas, se for possível conduzir o processo de maneira organizada, de preferência restringindo a discussão inicialmente aos cinco membros atuais, creio que sim, creio que pode haver progresso. E até já há ideias interessantes. Por exemplo, os russos notaram que há uma coincidência, que as cinco moedas dos países começam todas com a letra R. Então, propuseram que uma possível nova moeda dos Brics seja chamada de R5, e a ideia começa a avançar e ganhar corpo. Eu mesmo já escrevi um roteiro para a discussão dessa eventual nova moeda. Acho que mostra que, embora difícil, o processo é viável. O Brics está discutindo isso porque há uma preocupação geral no mundo de caminhar por um sistema monetário mais diversificado, que não dependa tanto do dólar. Isso sempre foi uma preocupação. Por que um sistema monetário mundial tem que funcionar a partir de uma moeda nacional, a dos Estados Unidos? Isso sempre foi uma questão. Agora, mais recentemente, com o uso do dólar como instrumento para atingir países considerados hostis pelos Estados Unidos, a confiança na moeda diminuiu, e muitos estão inseguros sobre a confiança que se pode depositar no dólar.
Qual o balanço que o senhor faz do saldo para o Brasil e para o Brics da 15ª Cúpula? Foi importante o parágrafo sobre o Conselho de Segurança das Nações Unidas. China e Rússia são membros permanentes do Conselho e apoiam a entrada do Brasil e de outros países importantes. Isso é um ganho muito significativo para nós. Na parte que diz respeito à expansão, a minha opinião é que está sendo rápida demais. Foram convidados seis países para serem membros plenos a partir de janeiro de 2024, e isso pode dificultar a coordenação do grupo. E quanto à questão da moeda, há um parágrafo no comunicado dos líderes dos Brics que fala sobre o tema monetário. Isso é suficiente para que os países possam continuar trabalhando na direção de criar alguma moeda comum que não substitua as moedas dos países Brics e que não requeira a criação de um Banco Central. Então, de uma maneira geral, acredito que o saldo foi positivo. Poderia ter sido melhor? Poderia, mas teve pontos positivos. O resultado para os Brics e para o Brasil foi ok.
O que faz com que os Brics sejam atrativos para esses países que não fazem parte? A razão da atratividade dos Brics é que se trata de um grupo muito influente. Os cinco países que atualmente são membros, principalmente os quatro membros originais, Brasil, Rússia, Índia e China, são países que estão entre os maiores do mundo em termos de população, economia, território. São grandes mercados. O mais significativo, o maior, é a China, mas os outros três que mencionei são de muita importância. Só para você ter uma ideia, os quatro países originais estão entre um grupo de apenas cinco no mundo inteiro que fazem parte das listas de dez maiores territórios, de dez maiores populações e dez maiores economias. O outro país que faz parte das três listas são os Estados Unidos. Só por aí você vê a importância do agrupamento. A África do Sul não é tão grande, mas é um dos países principais da África Subsaariana. Então, é um grupo que exerce naturalmente uma influência. Além do mais, os países em desenvolvimento, do chamado Sul Global, estão insatisfeitos com o comportamento dos Estados Unidos e da Europa e querem buscar outras opções de relacionamento. Por isso, olham naturalmente para o grupo dos Brics.
Os Brics têm força para chegar em pé de igualdade com a União Europeia e os Estados Unidos e concorrer com o G7? O senhor acredita que o grupo tem peso suficiente para provocar mudanças significativas na ordem mundial? O peso dos Brics para influenciar em questões mundiais já existia antes da expansão do grupo com novos membros. Então, mesmo sem qualquer ampliação, os Brics já teriam condições de influir sobre temas globais. A entrada de novos integrantes pode ajudar. Em termos de tamanho econômico, o grupo tem um PIB maior do que o PIB do G7, o que é um dado muito significativo. Mas tamanho econômico não é tudo. Os países da Europa e dos Estados Unidos são muito mais desenvolvidos como sociedades, como economias, e os Brics são todos países de economia emergente. Então, diria que haverá uma competição, talvez saudável, mas é importante notar, e eu posso testemunhar esse fato, porque participei da formação original dos Brics em 2008, que nunca foi a nossa intenção formar um grupo anti-Ocidente, anti-Estados Unidos ou anti-Europa. É um grupo pró-Brics e pró-país em desenvolvimento. O Brasil deve continuar atuando para que esse grupo continue assim. Desde que fundamos os Brics, tivemos mudanças muito importantes no cenário geopolítico. O grupo começou em 2008 e, de lá para cá, houve uma deterioração enorme na relação da Rússia com o Ocidente, culminando com a invasão da Ucrânia em 2022, com sanções extraordinárias do Ocidente sobre a Rússia. A relação Estados Unidos-China piorou muito, com os americanos cada vez mais nervosos com a ascensão chinesa. Então, para o Brasil, que não tem um conflito desse tipo com os Estados Unidos e com a Europa, não interessa que os Brics sejam caracterizados de maneira diferente, de maneira anti-Ocidente. Essa nunca foi a nossa intenção.
Por você falar nesses novos países, a gente sabe que nem a China, nem a Rússia são exemplos de democracia. E há países que entraram(ou querem entrar) que não são nada democráticos. Isso pode impactar o grupo? O grupo é, sobretudo, um bloco de coordenação para assuntos econômicos, financeiros. Não creio que isso tenha uma importância maior. Há países com maior democracia, há países com outros tipos de regime. Não me parece que isso seja o central. O importante é que entrem no grupo países de peso, grandes, importantes, que sejam independentes em relação ao Ocidente. Essa é a minha preocupação principal. Se entrarem países muito frágeis, pequenos, o grupo pode acabar sofrendo influência dos EUA e Europa. Creio que isso não vai acontecer, mas é sempre um risco.
De todos os países pioneiro do grupo, o Brasil foi o único que votou contra a guerra. Isso pode afastá-lo dos Brics ou fragilizar a sua importância no grupo? Não acredito. O Brasil, assim como os demais Brics (China, África do Sul e Índia), tem adotado em relação à guerra na Ucrânia uma posição neutra. Com a China muito mais próxima da Rússia. Por quê? Porque nós entendemos que, embora seja condenável a invasão, essa foi a opinião expressa pelo Brasil já no governo Bolsonaro e agora no governo Lula. Embora o Brasil condene a invasão, ele entende as razões que levaram a Rússia a esse passo extremo. Essa posição é uma das que o governo Lula não diverge do governo Bolsonaro. É uma das poucas posições em que atual governante dá continuidade à posição anterior. É uma posição correta para o Brasil ter, e isso até colocaria o nosso país numa posição, eventualmente, de participar de um esforço de paz, que não está no horizonte no curto prazo, mas que pode surgir mais adiante.
A África tem sido o centro de disputa, tanto do Ocidente quanto da Rússia. E a gente vê o Brasil querendo retomar o laço com a África. Qual é a importância dessa reaproximação e o que o Brasil ganha com isso? O Brasil tem um laço potencialmente muito importante com a África. Primeiro porque o Brasil é, em grande parte, uma nação africana. Aqui existe a maior diáspora africana no mundo. Então, nós temos ligações históricas, culturais e populacionais. A África é um continente imenso, está em expansão, está com um crescimento bastante razoável nos anos recentes, de modo geral, dependendo, claro, de cada país. Ela tem uma abertura e simpatia muito grande em relação ao Brasil, em especial em relação ao presidente Lula, que sempre foi visto na região como um presidente brasileiro muito interessado nas relações com o continente africano. Então, como você disse muito bem, há uma disputa por influência na África. Estados Unidos, Europa, Rússia, China, todos eles estão procurando aumentar a sua influência no continente. E o Brasil, sem querer entrar em choque com ninguém, deve também ter uma participação positiva nesse continente. Não para levar vantagem, e sim para cooperar no desenvolvimento conjunto do Brasil com a África. Lembro também que vários países da África são de língua portuguesa. O presidente Lula, depois da cúpula dos Brics, foi à cúpula dos países de língua portuguesa. Então, o Brasil tem um papel, também, como o maior país de língua portuguesa no mundo. Só isso já nos dá uma vantagem importante. Mas não é apenas com os países de língua portuguesa que podemos aprofundar nossas relações. Nos outros países da África, o Brasil pode ter também relações muito estreitas e benéficas para nós e para eles.
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