China firma maior pacto comercial do mundo com 14 países não-ocidentais

O acordo indica que os países da Ásia e do Pacífico estão apostando no multilateralismo como forma de se recuperar do impacto econômico causado pelo coronavírus

  • Por Bárbara Ligero
  • 16/11/2020 16h35 - Atualizado em 16/11/2020 16h39
EFE/EPA/VNA HANDOUT Devido à pandemia de coronavírus, o tratado foi oficializado durante uma videoconferência com representantes dos 15 países

No domingo, 15, algumas das principais economias da Ásia e do Pacífico firmaram o maior pacto comercial do mundo. O bloco regional, que está sendo chamado de Parceria Econômica Regional Abrangente (RCEP, na sigla em inglês), corresponde a cerca de 30% do PIB e da população mundial, superando a União Europeia em termos de importância econômica. O tratado, oficializado durante uma videoconferência devido à pandemia de coronavírus, inclui não só os asiáticos Brunei, Camboja, China, Coréia do Sul, Filipinas, Indonésia, Japão, Laos, Malásia, Singapura, Myanmar, Tailândia e Vietnã, como também a Austrália e a Nova Zelândia. Segundo o vice coordenador do curso de Relações Internacionais da FGV, Pedro Brites, o RCEP representa uma importante conquista para o governo chinês, que vem trabalhando nesse acordo desde 2012 como uma “estratégia de consolidar uma articulação regional sobre a sua liderança”.

O especialista em relações internacionais da Ásia e economia política internacional defende que a crise do coronavírus serviu para impulsionar os países a assinaram o RCEP, que vinha sendo negociado há cerca de oito anos. Espera-se que, com o novo acordo, os membros tenham um ganho de 0,2% em seus PIBs, um cenário importante na recuperação econômica pós-pandemia. O Japão e a Coréia do Sul, que estão entre as maiores potências presentes do tratado, também percebem no multilateralismo uma forma de crescer através do ganho de mercados próximos. Com vinte capítulos, o RCEP cobre comércio de bens, investimentos, e-commerce, propriedade intelectual e compras governamentais, eliminando tarifas sobre 91% das mercadorias comercializadas entre os seus países-membro.

Brites aponta que o RCEP também envia um importante recado para o Brasil, que terá que reformular a sua política externa e rever suas estratégias comerciais para se tornar competitivo diante do novo cenário. “É claro que há uma limitação geográfica, mas o Brasil abandonou a Ásia como uma de suas prioridades. Temos uma relação com a China no setor agropecuário e de mineração, mas não há procura por parcerias sólidas com outros países asiáticos”, afirma. Para o vice coordenador do curso de Relações Internacionais da FGV, o Brasil deveria aprender com esses outros países, que estão apostando no multilateralismo, e não no isolacionismo, como forma de se recuperar do impacto econômico causado pela pandemia de coronavírus.

China x Estados Unidos

Até pouco tempo, o RCEP idealizado pela China concorria com a Parceria Transpacífica (TTP, na sigla em inglês), que tinha a participação dos Estados Unidos e era vista como uma resposta ao crescimento do poder chinês na região. Com a eleição do presidente Donald Trump, cujo governo evitou se envolver em grandes acordos multilaterais, os Estados Unidos deixaram o acordo, que inclui o México, o Peru, o Chile, o Canadá e outros quatro países asiáticos, além da Austrália e da Nova Zelândia. Esse vácuo criado por Trump permitiu que a China lançasse sua imagem como um país que respeita e não deseja mudar as normas internacionais e os acordos multilaterais que o presidente norte-americano, em contrapartida, considera “ultrapassadas”. Ainda não foi confirmado se o presidente eleito Joe Biden terá interesse em retomar a presença dos Estados Unidos na TTP. No entanto, o especialista Pedro Brites acredita que o democrata já dá sinais de que deseja fazer com que o seu país volte a atuar como um líder da ordem mundial.

Índia

A ausência que chama mais atenção no RCEP é a da Índia. A nação emergente participou das negociações iniciais, mas acabou deixando as tratativas do acordo em novembro de 2019. Segundo o jornal local The Times of India, isso aconteceu porque a indústria indiana temia que a redução das taxas alfandegárias resultasse em uma inundação de importações da China, com a qual tem um enorme déficit comercial. Pedro Brites analisa também que, historicamente, a Índia possui uma forte preocupação com os seus produtores locais, que ainda não conseguem competir com as indústrias chinesas, japonesas e sul-coreanas. No entanto, o especialista também vê motivações políticas por trás da decisão. O governo indiano tem se tornado muito mais conservador no plano internacional e busca se afastar da China, “não como um rival, mas como alguém que busca um caminho próprio”, explica.

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