Em 2021, Covid-19 levará o mundo à pior crise humanitária em décadas

Um relatório anual produzido pela Organização das Nações Unidas apontou que 235 milhões de pessoas dependerão de assistência em 2021, o que representa um aumento de 40%

  • Por Bárbara Ligero
  • 01/12/2020 17h44
EFE/EPA/YAHYA ARHAB Yemen Iêmen Segundo o levantamento da ONU, o Iêmen é o país com maior número de pessoas dependentes de ajuda humanitária do mundo

No próximo ano, uma a cada 33 pessoas do mundo dependerão de ajuda humanitária para sobreviver. A previsão é da Organização das Nações Unidas (ONU), que indica que décadas de progressos sociais estão sendo ameaçadas, quando já não foram impactadas, pela pandemia de coronavírus. As conclusões foram tiradas de um documento abrangente intitulado “Visão Humanitária Global”, divulgado pela entidade nesta terça-feira, 1. Apesar do relatório ser publicado todos os anos, como forma da ONU estabelecer e justificar as suas prioridades para os próximos 12 meses, a edição de 2020 tem um caráter quase inédito após anos seguidos de melhorias nos índices de fome e extrema pobreza, que vieram à baixo com a crise da Covid-19. O órgão estima que, em 2021, um total de 235 milhões de pessoas precisarão receber algum tipo de ajuda humanitária. No entanto, o seu objetivo para o próximo ano é atender 159,9 milhões desses indivíduos, que estão espalhados em 56 países pelo mundo, com um orçamento de US$ 35,1 bilhões. A meta é mais que o dobro dos US$ 17 bilhões que a entidade recebeu dos seus países-membro em 2020, quando houve um recorde na arrecadação.

O subsecretário-geral para assuntos humanitários da ONU, Mark Lowcook, defendeu em comunicado que o valor é “muito pequeno” quando comparado à quantidade de dinheiro que os países mais ricos do mundo estão injetando em suas próprias economias para recuperá-las. Ele ilustrou que, enquanto as nações mais poderosas já estão conseguindo ver “a luz no fim do túnel” após a pandemia de coronavírus, os países mais pobres enxergam apenas “luzes vermelhas” piscando em sinal de alerta. Nesse sentido, a nação com maior número de cidadãos necessitando de ajuda humanitária é o Iêmen, com 24,3 milhões de pessoas vivendo em situação precária. Em seguida vem a Etiópia (21,3 milhões), a República Democrática do Congo (19,6 milhões), o Afeganistão (18,4 milhões) e o Sudão (13,4 milhões). Apesar da Síria ocupar o sexto lugar, com 13 milhões de pessoas dependentes de auxílio, ela é o país que mais precisará dos recursos da ONU: a entidade prevê gastos de US$ 4,2 bilhões na nação.

Lowcook ilustra que a pandemia de coronavírus se espalhou de forma desigual pelo mundo: enquanto alguns países conseguiram conter as infecções, outros ainda enfrentam uma enorme emergência de saúde pública. À medida que as transmissões continuam, a Covid-19 está agravando as vulnerabilidades já existentes de algumas nações, criando assim novas necessidades humanitárias e exacerbando as atuais. “A expectativa de vida vai cair. O número anual de mortes por HIV, tuberculose e malária deve dobrar. Tememos quase o dobro do número de pessoas que enfrentam a fome. Muitas meninas fora da escola nunca mais voltarão”, enumerou o subsecretário-geral.

Pobreza Extrema

A Covid-19 levou o mundo à maior recessão econômica desde a década de 1930. Por esse motivo, a pobreza extrema cresceu pela primeira vez em 22 anos, ou seja, desde 1988. A ONU estima que entre 88 e 115 milhões de pessoas podem entrar nessa faixa só em 2020, sendo que entre 23 e 35 milhões em 2021 o farão até o final de 2021. No total, o número de indivíduos vivendo em extrema pobreza ficará entre 110 e 150 milhões. Parte disso se deve ao desemprego, que também se tornou um problema crônico durante a pandemia de coronavírus.  Segundo o relatório, 495 milhões de empregos de tempo integral foram perdidos em todo o mundo só no segundo trimestre de 2020.

Fome aguda

O relatório da ONU também aponta que, até o final desse ano, o número de pessoas com fome aguda pode chegar a 270 milhões. Isso representa um aumento de 82% em comparação com os índices pré-Covid-19. “Ao olharmos para o futuro, nos deparamos com a perspectiva de um retorno a um mundo no qual a fome – algo que pensávamos ter relegado sido à história – é mais uma vez lugar-comum”, afirmou Lowcook. “O ano de 2020 mostrou que a marcha do progresso humano não é uma força imparável que pode ser tomada como certa. No espaço de alguns meses, décadas de desenvolvimento foram desviados do curso por um vírus”, disse. Por esse motivo, a ONU estima que US$ 9 milhões sejam necessários para lidar com essa nova realidade – quase o dobro do que era necessário em 2015. “Podemos deixar que 2021 seja o ano da grande reversão – o desfecho de 40 anos de progresso – ou podemos trabalhar juntos para garantir que todos encontremos uma saída para essa pandemia”, concluiu o subsecretário-geral.

Refugiados

Seja por pobreza extrema, fome aguda, violência, desastres naturais ou conflitos em seus países de origem, 14,6 milhões de pessoas se tornaram refugiadas entre janeiro e junho de 2020. A maioria dos deslocamentos aconteceram na África, no Oriente Médio e na Ásia, mas o problema atinge 127 países em todo o mundo. Em países africanos como o Camarões, Moçambique, Níger e Somália, os números do primeiro semestre desse ano já são superiores ao de todo 2019. Na Síria, é esperado que o número total de refugiados em 2020 também seja superior ao ano anterior.

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