Esquerda surpreende e chega ao 2º turno das eleições presidenciais da Guatemala
Pesquisas indicavam que o candidato Bernardo Arévalo de León, do partido Semilla, ficaria com o sétimo ou oitavo lugar no primeiro turno, mas o apoio nas áreas urbanas foi crucial para contradizerem as expectativas
Surpreendendo as expectativas, o candidato de esquerda Bernardo Arévalo de León conseguiu nesta segunda-feira, 26, a um segundo lugar inesperado nas eleições presidenciais da Guatemala. Ele enfrentara a vencedora, a ex-primeira-dama Sandra Torres Casanova, em um segundo turno marcado para agosto. Os dois são velhos conhecidos da política guatemalteca. Com 89% das urnas apuradas, Torres Casanova soma até agora 15,12% do total de votos, seguida por Arévalo de León, com 12,19%. As pesquisas indicavam que Arévalo de León e seu grupo, o Semilla, saíram da luta anticorrupção na Guatemala em 2015, obteriam o sétimo ou oitavo lugar, mas o apoio nas áreas urbanas foi crucial para sua chegada ao segundo turno. Nenhuma das pesquisas divulgadas no processo eleitoral dava que Arévalo de León, cujo pai, Juan José Arévalo Bermejo, governou o país entre 1945 e 1951, poderia continuar na disputa caso não houvesse uma vitória logo de cara. A época em que seu pai foi presidente é período considerada uma primavera para a história política da nação centro-americana. Nesse momento, a diferença de Arévalo de León em relação ao terceiro lugar é de quase 210 mil votos, razão pela qual, segundo os especialistas, é difícil mudar a tendência com os votos restantes. Com 7,84% dos votos, o terceiro colocado é justamente o candidato do governo, o advogado Manuel Conde, do grupo político Vamos, que levou ao poder o atual presidente, Alejandro Giammattei. O nível de abstenção até agora é de cerca de 41%, segundo o Tribunal Superior Eleitoral.
Um dos grandes protagonistas das eleições que aconteceram no domingo, 25, foi o voto nulo, já que 17,41% da população não optou por nenhum dos candidatos, ou seja, uma cifra superior às cédulas somadas para Torres Casanova. Segundo especialistas, o alto número de votos nulos é reflexo da apatia da população guatemalteca em relação à classe política, embora sem atingir os 50% dos votos nulos necessários que forçaram a repetição da eleição, conforme estabelecido pela lei guatemalteca. As pesquisas foram divulgadas nas últimas semanas e dias anteriores a uma disputa pelo segundo lugar entre o ex-diplomata Edmond Mulet e a filha do ditador golpista Efraín Ríos Montt, Zury Ríos Sosa. No entanto, nenhum deles ultrapassou 7% do total de votos. A eleição de domingo tinha como objetivo definir quase 5.000 cargos públicos para o período 2024-2028, incluindo presidente e vice-presidente, 160 deputados para o Congresso e 20 para o Parlamento Centro-Americano, além de 340 urbanos.
Quem são os candidatos?
Sandra Torres é a ex-esposa do falecido presidente social-democrata Álvaro Colom (2008-2012), que apoiou a Comissão Internacional contra a Impunidade na Guatemala (CICIG), um organismo endossado pela ONU que funcionou como uma Procuradoria paralela e desvendou casos notórios de corrupção, entre 2007 e 2019. Nascida em 5 de outubro de 1955 no município de Melchor de Mencos, no norte, Sandra é formada em Comunicação e empresária do setor têxtil. Em 2002, divorciou-se de seu primeiro marido, com quem teve quatro filhos, antes de se envolver na política. Juntou-se à Unidade Nacional de Esperança (UNE), um partido de centro-esquerda que levou Colom ao poder e que ela agora lidera. “Lembrem-se que as mulheres são boas administradoras. Esticamos o dinheiro em casa e eu vou esticar no governo”, diz a ex-primeira-dama, de 67 anos. Em 2003, ela se casou com Colom. Em 2011, divorciou-se dele para poder disputar a Presidência e não infringir a norma constitucional que impede que familiares próximos dos presidentes em exercício sejam candidatos. A Justiça rejeitou sua candidatura. Ela foi detida em 2019 por suposto financiamento irregular na UNE, mas o caso foi arquivado em 2022. Torres foi derrotada por Jimmy Morales na eleição de 2015 e pelo atual presidente, Alejandro Giammattei, em 2019. Neste ano, porém, mostrou-se certa de conseguir derrotar qualquer rival neste segundo turno. “Com quem for (o segundo turno) vamos ganhar”, declarou a ex-primeira-dama na noite de domingo. Um grande desafio para ela é a rejeição, que atinge 41,4% dos eleitores, segundo pesquisa do jornal Prensa Libre.
Bernardo Arévalo, de 64 anos, que concorre a presidência pela primeira vez, é um sociólogo e deputado federa que surpreendeu no primeiro turno. Ele é filho do presidente Juan José Arévalo (1945-1951), que deixou sua marca no país. Sobre seus ombros recai o legado de seu pai, que se tornou o primeiro presidente democrático após décadas de ditadura e acabou com os 13 anos de regime do caudilho Jorge Ubico, um admirador de Hitler que submeteu indígenas maias a trabalhos forçados. Ele nasceu em Montevidéu, no Uruguai, em 1958, devido ao exílio de seu pai na América do Sul e na França, depois que Jacobo Árbenz foi deposto em 1954 por uma invasão arquitetada pelos Estados Unidos. Árbenz foi o herdeiro do governo progressista de Arévalo, uma década na qual foi criado o Instituto Guatemalteco de Seguridade Social, deu-se autonomia à Universidade Pública de San Carlos e aos municípios e foi permitido o voto de mulheres e analfabetos. Também nesse período foi construído um porto no Caribe, e outro, no Pacífico; uma rodovia para ligar a capital ao Atlântico e competir com a ferrovia da poderosa United Fruit Company. O candidato de esquerda morou principalmente na França e no México e chegou à Guatemala aos 15 anos. Foi vice-chanceler em 1994-1995 e embaixador na Espanha entre 1995 e 1996, durante o governo do falecido presidente Ramiro de León Carpio. Durante a campanha eleitoral, como candidato do movimento Semilla, prometeu seguir os passos do pai para melhorar a educação, reduzir a violência e a pobreza que atinge 59% dos 17,6 milhões de guatemaltecos. Contudo, já disse que não vai legalizar o aborto — a legislação atual permite a prática apenas quando a vida da mulher estiver em perigo — nem o casamento igualitário. Ao mesmo tempo, afirma que não permitirá a discriminação, ou a estigmatização por gênero, ou religião. Como não aparecia entre os favoritos, as pesquisas não mediram a rejeição a Arévalo.
*Com informações das agências internacionais
Comentários
Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.