Inflação, desemprego, alta dos combustíveis e mais: Reflexos da tensão na Ucrânia para o Brasil
Escalada da pressão russa na fronteira com o país europeu persiste, e conflito militar ainda não pode ser descartado; especialistas avaliam consequências diplomáticas e econômicas
Nos últimos dias, os movimentos de deslocamento de equipamentos e posicionamento de tropas têm evidenciado as tensões na fronteira entre Rússia e Ucrânia, que vivem na iminência de um conflito militar. O principal motivo para as tensões entre os países vizinhos é o posicionamento contrário dos russos à entrada dos ucranianos na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), que tem como membros países da Europa Ocidental e os Estados Unidos. A avaliação é que a adesão da Ucrânia ao grupo pode prejudicar a influência da Rússia na região e ser uma ameaça ao país. Com esse cenário de mal-estar diplomático, líderes mundiais protagonizaram, ao longo da semana, diversas negociações. Na terça-feira, 15, o Ministério da Defesa russo chegou a anunciar a retirada de tropas que ocupavam a região fronteiriça, o que foi visto como um recuo frente a escalada com os países-membros da Otan. No entanto, no dia seguinte, cerca de sete mil soldados foram realocados na fronteira, em um movimento que busca evidenciar a irredutível posição do país.
“Faz parte da estratégia de manutenção de pressão, porque o objeto é ter o poder em toda a região. A Rússia quer manter sua influência seja por razões econômicas, porque a Ucrânia está entre a Rússia e o restante da Europa, ou porque o país fora da Otan ajuda a proteger territorialmente os russos de eventuais problemas militares que possam ter com a Europa”, explica o professor de relações internacionais Manuel Furriela, que pontua: as tensões devem persistir e um possível conflito militar ainda não pode ser descartado. Nesse cenário, especialistas começam a desenhar os possíveis reflexos das tensões para a economia mundial e as possíveis consequências do impasse diplomático para a Rússia, os membros da Otan, e até mesmo para o Brasil.
Inflação, desemprego e alta da Selic: Reflexos no Brasil
Manuel Furriela explica que não há, neste momento, repercussões da tensão internacional que refletem diretamente no Brasil. Porém, essa situação tende a mudar drasticamente caso a invasão da Ucrânia pela Rússia seja confirmada nos próximos dias, o que causaria uma desorganização na economia internacional com a possível aplicação de sanções mútuas entre as nações. “Caso a questão fique mais complicada, o Brasil vai ser convidado a se posicionar e os Estados Unidos vão pressionar para que o governo seja crítico à Rússia, ficando entre dois lados: alia-se aos Estados Unidos e sofre problemas com a Rússia ou alinha-se à Rússia e sofre com os americanos. Em qualquer lado que escolha, vamos ter impactos diplomáticos, econômicos e de relacionamentos internacionais. Então, o Brasil vai ser impactado caso a situação se agrave.”
Se efetivado o início do conflito militar, entre os problemas que seriam causados ao Brasil está a quebra de acordos com as nações e a suspensão de exportações e importações, trazendo impactos para as empresas e para os consumidores finais. De um lado, a Rússia poderia, por exemplo, suspender as negociações de fertilizantes, prejudicando a produção de alimentos brasileira. Por outro lado, uma manifestação contrária aos Estados Unidos traria quebras de negociações bilaterais e prejudicaria diretamente a economia. “As fábricas vão diminuir seu ritmo, vamos ter uma queda na balança comercial. Isso deve levar ao aumento do dólar e pressionar a inflação. Então, a expectativa do Banco Central de controlar a inflação até o final do ano iria por água abaixo”, pontua Igor Macedo Lucena, economista e doutorando em relações internacionais na Universidade de Lisboa. “Também faria com que a taxa de juros subisse a 16%. O efeito seria muito negativo e colocaria um crescimento zero ou negativo no Brasil, mais inflação, mais juros e queda dos empregos. Tudo isso porque o Brasil seria impactado nas cadeias produtivas”, completa o economista.
Igor Lucena menciona que para o brasileiro médio, a situação seria traduzida, principalmente, no aumento dos preços dos alimentos e itens de consumo e queda na oferta de empregos. “Fica muito caro comprar imóvel, comprar carro novo. A economia fica estagnada”, acrescenta. Ainda pensando sobre o reflexo das tensões na fronteira Rússia-Ucrânia, os especialistas admitem que o cenário pode pressionar e refletir no preço dos combustíveis no Brasil, levando a uma escalada na gasolina, que somou alta de 46% desde 2021. “O barril de Brent está em US$ 92, a previsão é que vá a US$ 100. Se tiver uma invasão, isso vai para US$ 100 em uma semana. Então, se isso acontecer, não há dúvida nenhuma que será repassado ao cidadão [brasileiro], considerando a política de preços da Petrobras”, diz Lucena. “O preço do petróleo impactaria no combustível porque a Rússia é um dos principais produtores e exportadores do mundo. Então, sim, podemos ter problemas”, corrobora Manuel Furriela.
O que esperar?
Para os próximos dias, as estimativas são de contínua tensão entre os países-membros da Otan e a Rússia, mas também de novos diálogos. Manuel Furriela avalia que os países da Europa buscam uma rápida solução diplomática, enquanto os Estados Unidos adotam uma postura mais crítica. A diferença nos posicionamentos se justifica pela dependência do gasoduto russo pelos europeus, enquanto os norte-americanos veem a entrada da Ucrânia ao grupo como uma oportunidade para diminuir a influência russa no leste europeu. Mesmo assim, a probabilidade de um confronto a nível mundial é minimizada.
“Não acredito que, mesmo que a Rússia invada a Ucrânia, levaria a uma guerra mundial. A Rússia vai evitar a invasão e, caso chegue nesse ponto, a reação dos Estados Unidos e Europa não será de confronto militar, serão sanções econômicas”, afirma o professor, citando congelamento de contas russas, bloqueio de importações e exportações e também a exclusão dos russos de organizações internacionais como possíveis ações. “O confronto virá dessa forma, mas se forem tropas americanas contra a Rússia, não sabemos para onde vai, porque eles têm armamentos extremamente sofisticados e de destruição em massa. Mas duvido que um conflito com a Ucrânia leve a isso”, finaliza.
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