Raúl Castro se aposenta e Partido Comunista discute futuro de Cuba em meio a forte crise
Após 62 anos sob influência dos irmãos Castro, a ilha caribenha se encontra em uma de suas piores crises econômicas e deve dar continuidade ao processo de abertura à iniciativa privada
As ações políticas que precederam a Revolução Cubana eram tão cheias de particularidades em relação a outras tendências comunistas que ficaram conhecidas simplesmente como “castrismo”. O vocábulo vem obviamente do sobrenome de Fidel e Raúl, que atuaram diretamente no movimento guerrilheiro que culminou na destituição do ditador Fulgencio Batista em 1959. Passados 62 anos, Cuba só deixará de ser diretamente influenciada pela família Castro este mês, quando Raúl se aposentará aos 89 anos e o Partido Comunista realizará um congresso para discutir o futuro da ilha caribenha: o evento teve início na última sexta-feira, 16, e deve terminar na segunda-feira, 19. A expectativa é que o encontro marque a continuidade do processo de abertura cubano à iniciativa privada em meio a uma de suas piores crises. O PIB do país despencou 11% em 2020, maior queda em 27 anos, depois que a pandemia do novo coronavírus paralisou o turismo, sua principal atividade econômica.
A última assembleia do Partido Comunista de Cuba aconteceu em 2011, dois anos depois de Raúl Castro assumir a presidência no lugar de Fidel, que já estava à frente do governo há 50 anos e vinha sofrendo problemas de saúde. A ocasião redefiniu os eixos políticos e econômicos do país. “Houve uma série de reformas em Cuba, incluindo vários setores públicos que se abriram para a privatização”, explicou Leonardo Paz, pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da Fundação Getúlio Vargas (FGV). O especialista defende que um marco nessas lentas mudanças foi a reaproximação dos Estados Unidos em 2014, quando o ex-presidente Barack Obama anunciou o restabelecimento total das relações diplomáticas entre os países e uma diminuição considerável no embargo econômico imposto à ilha.
Fidel faleceu em 2016 e Raúl deixou a presidência em 2018, dando lugar a Miguel Díaz-Canel, mas continuou muito influente politicamente porque ocupava os cargos de vice-presidente do Conselho de Ministros, vice-presidente do Conselho de Estado de Cuba, vice-secretário do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba e Supremo General das Forças Armadas. Com Raúl nos “bastidores”, Díaz-Canel lançou uma profunda reforma monetária através da unificação de suas duas moedas, o que resultou em uma inflação de pelo menos 160%. Em seguida, abriu quase todas as atividades econômicas à privatização: apenas 124 áreas continuam sendo estatais, enquanto 600 mil cubanos, equivalente a 13% da população, trabalham agora no setor privado. Também houve evolução no campo das liberdades sociais com a chegada dos telefones celulares e da internet móvel 3G, que permitiu o acesso a informações antes controladas pela mídia estatal. O próximo passo, que não tem prazo para acontecer, será a criação de pequenas e médias empresas e o aprimoramento das cooperativas não agrícolas.
Ao se aposentar esse mês, Raúl deixará um plano de desenvolvimento nacional com metas que vão até 2030, mas que não preveem o fim do socialismo, consolidado como “irreversível” na própria Constituição de Cuba. “Não deve haver mudança no regime como um todo, mas um conjunto de reformas necessárias para manter as coisas como elas estão. Uma bom exemplo disso é o Vietnã, que ainda é socialista politicamente, mas tem feito uma série de reformas econômicas para abrir o país”, explica Leonardo Paz. Ainda assim, o fato de Raúl estar saindo de cena não deixa de representar um marco na história do país, que deve se abrir a médio e longo prazo. “Essa mudança geracional dentro da política e o fim do apelo emocional causado pelo sobrenome Castro vai limitar a resistência de uma elite que se beneficia com a atual situação do país. A grande questão que se coloca nesse momento é o quanto o presidente Miguel Díaz-Canel está disposto a enfrentar a parcela da população a quem pouco interessa essa mudança. Por isso, acho que não haverá uma mudança drástica, mas gradual. Até porque não existe hoje, em Cuba, pessoas com experiência de condução de uma economia capitalista. Não há quem saiba regular pequenas e médias empresas”, defendeu o pesquisador.
Entretanto, as relações com os Estados Unidos, que são cruciais para o desenvolvimento econômico e social do país, devem continuar iguais. Depois da visita de Barack Obama à ilha em 2014, houve um período de retrocesso nas negociações durante o mandado de Donald Trump. Pelo menos em um primeiro momento, a situação não deve mudar com a chegada de Joe Biden à Casa Branca, que está mais concentrado em resolver a polarização dos Estados Unidos, combater a pandemia do novo coronavírus e lidar com a Rússia e a China. “Os democratas querem que Cuba mude mais do que ela está disposta a mudar. Por isso, Cuba está longe de ser prioridade, apesar de existirem chances da relação melhorar com o tempo”, analisa Paz. Enquanto isso, a população deve continuar sofrendo com a escassez de bens, visto que cerca de 80% do que se consome na ilha é importado.
Vacina contra a Covid-19
Desde o início da pandemia do novo coronavírus, Cuba registrou um pouco mais de 88 mil casos de Covid-19 e menos de 500 mortes causadas pela doença, sendo que a sua população possui 11,2 milhões de habitantes. Apesar de ainda não ter iniciado uma campanha de vacinação, a ilha caribenha conta com dois imunizantes – o Soberana 02 e o Abdala – que estão na fase 3 de testes clínicos, a última antes de solicitar a aprovação da Agência Nacional Reguladora de Cuba. Com isso, Cuba pode se tornar o primeiro país da América Latina a conceber e produzir a sua própria vacina contra a Covid-19.
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