Rússia x Ucrânia: quem está vencendo a guerra e quanto tempo ela ainda vai durar?
Kiev lança contraofensiva certeira, recupera territórios e obriga Moscou a conviver com pressão interna, mas vantagem ucraniana pode fazer o conflito escalar para uso de armas nucleares
Prestes a completar oito meses do conflito entre Rússia e Ucrânia, o mundo todo questiona: quem está vencendo a guerra? A resposta divide a opinião dos especialistas devido aos últimos acontecimentos. Desde setembro, Volodymyr Zelensky, presidente ucraniano, tem conseguidos vitórias após lançar uma contraofensiva certeira. Ele conseguiu expulsar tropas russas e recuperar territórios anexados por Vladimir Putin — um dia após o líder russo assinar o documento que transferia o poder da região para a Rússia —, libertar áreas que estavam sob controle das tropas inimigas (foram 2.500 km² recuperado) e, recentemente, em ato considerado simbólico pelos especialistas, atacar a Crimeia, região anexada por Putin em 2014. Esse ataque suscitou uma resposta imediata de Moscou, com uma semana de bombardeios às cidades ucranianas, incluindo a capital Kiev, que não era alvo desde março, quando os russos retiraram suas tropas.
Para Gunther Rudzit, professor de relações internacionais da ESPM, “a Ucrânia está ganhando e não tem como não enxergar isso”. Ele argumenta que Zelenksy conseguiu retomar, em pouco tempo, territórios que a Rússia levou meses para conquistar. O professor observa que, de fevereiro para cá, houve uma mudança na fase da guerra, que está associada ao armamento ocidental, em especial o himars. “Os lança-foguetes chegaram em grande quantidade e estão sendo empregados de forma muito bem planejada”, explica Rudzit, acrescentando a ajuda no corte de suprimento para os soldados russos que estão na linha de frente. Angelo de Oliveira Segrillo, historiador brasileiro especializado em Rússia e União Soviética, acredita que a guerra está em um impasse. “Os dois lados têm vitórias e derrotas.” Ele pontua que Putin se deparou com a derrota logo no primeiro mês do conflito, quando não conseguiu tomar a capital e derrubar o regime de Zelensky. Precisou retirar suas tropas da região e focar em outros pontos, sobretudo os territórios nos quais conseguiu marcar presença e aumentar a quantidade de espaços ocupados.
A Ucrânia, por sua vez, ao fazer Putin alterar seus planos e, recentemente, obrigá-lo a convocar reservistas — uma decisão extremamente impopular —, consagrou sua estratégia. Segrillo alerta que o impasse ao qual se refere não diz respeito apenas à Rússia e à Ucrânia. “Estamos em um impasse de nível mundial, porque não é só um conflito entre Rússia e Ucrânia. Isso pode se generalizar para um conflito mundial envolvendo a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan)”, explica. O historiador fala que as ajudas ocidentais têm fortalecido Zelensky. Porém, há o risco de Putin classificá-los como coparticipantes. Os ataques recentes da Rússia são vistos pela Otan como sinais de fraqueza. “A realidade é que não conseguem avançar, a Rússia está realmente perdendo o campo de batalha”, disse o secretário-geral da aliança ocidental, Jens Stoltenberg. Em sua visão, as tropas russas estão cedendo território porque não têm capacidade de deter o avanço das forças ucranianas. “O jeito que podem responder é por meio de ataques desordenados contra cidades ucranianas, atingindo civis e infraestrutura crítica.”
Os especialistas concordam. Rudzit associa essas fraquezas ao fato de a Rússia não conseguir estancar as perdas e virar a guerra. “Querendo ou não, foi uma humilhação a explosão da ponte na Crimeia”, atenta o especialista. Ele afirma que agora Putin apela para a força bruta. Inclusive, recentemente, nomeou um novo general para o Exército. Serguei Surovikin, de 55 anos, é um veterano da guerra civil no Tadjiquistão (anos 1990), da segunda guerra da Chechênia (anos 2000) e da intervenção russa na Síria, lançada em 2015. Rudzit não acredita que essas decisões vão ter alguma efetividade. “Por mais que seja um contra-ataque violento russo, isso não vai mudar o curso da guerra”, diz. Segrillo caminha no mesmo pensamento. “Putin está cometendo atos de desespero. A partir do momento que ele teve que fazer a mobilização de reservistas, tremendamente impopular, e começou a tentar fazer anexações, mostra que quer acabar com essa guerra o mais cedo possível.”
Para ele, o russo está em busca de um cessar-fogo semelhante ao que aconteceu entre as Coreias nos anos 50, onde a guerra nunca acabou, só está estabilizada. Isso porque a Rússia já sente os efeitos das sanções impostos pelo Ocidente. “A economia russa vai ter crescimento negativo neste ano e está funcionando quase como uma economia de guerra, com intervenção do Estado, preços regulados, confiscos cambiais. É ineficiente”, diz Segrillo. Para ele, com as anexações, Putin fez um “pulo para a frente” para ver se a Ucrânia se assustaria e aceitaria um acordo de cessar-fogo. Um cenário longe da realidade, visto que o Zelensky assinou um decreto anunciando formalmente a perspectiva “impossível” de negociações de paz entre a Ucrânia e o atual presidente russo. Esse cenário mostra que a Kiev vai lutar até o fim. Rudzit diz que, para haver uma negociação, será preciso “uma forte pressão dos Estados Undos para conseguir fazer com que o governo ucraniano sente à mesa de negociação”. Ele não vê isso acontecendo facilmente.
A escalada do conflito vem em um momento em que o inverno se aproxima do hemisfério norte. Nesta semana, o premiê da Ucrânia sugeriu um racionamento energético para evitar situação mais drástica. “Pedimos a vocês para limitarem o consumo nos horários de pico”, suplicou no Telegram o primeiro-ministro ucraniano Denys Shmyhal. “Não liguem equipamentos de alto consumo neste momento em que o Estado terrorista continua a realizar ataques maciços contra infraestrutura de nosso país”, pediu. O inverno é uma das esperanças para Putin. Para Rudzit, o russo aposta em uma crise humanitária forte que faça com que Zelensky ou o Ocidente busque uma saída negociável. O especialista acredita que isso não vai acontecer, mesmo com a possibilidade de o novo general atacar a infraestrutura energética da Ucrânia. “Para fazer com que eles sofram”, ressalta.
Porém, diferentemente de franceses e alemães, os ucranianos estão acostumados com inverno rigoroso, pontua Rudzit, referindo-se a Hitler e Napoleão, que tentaram invadir a Rússia no inverno. Para Segrillo a questão do frio pode mudar o curso da guerra. Geralmente o inverno atrapalha os atacantes, porque é difícil fazer operações militares. Mas ele alerta que as baixas temperaturas podem pesar na Europa Ocidental devido à questão da energia. “As próprias populações podem começar a se questionar: ‘Por que estamos passando necessidade aqui, por que estão ajudando a Ucrânia?’ Esse cenário pode ser favorável à Rússia.” Rudzit acredita que o cenário mais provável é uma “paralisia da frente durante o inverno, e o cenário mais temeroso é um colapso da frente russa”. Da mesma forma que Putin aposta na estação como arma, os ucranianos podem fazer com que a logística russa não consiga fornecer aquilo que seus soldados precisam no mínimo para se manterem aquecidos. “Não seria a primeira vez que um exército colapsaria na frente de batalha.”
Os especialistas acreditam que a Ucrânia tem tudo para sair como vencedora, mas isso não significa paz. Pelo contrário. “Me preocupa a Ucrânia como vencedora, porque é realmente um cenário em que Putin pode começar a perceber que pode escalar a guerra”, diz Rudzit. Por escalada, entenda o uso de armas nucleares. Segrillo concorda: “A Ucrânia retomou muito daqueles territórios que ele controla desde que a guerra começou, principalmente os que foram anexados recentemente.” O líder russo, pontua o professor da ESPM, ainda não começou a usar armamento nuclear porque não sente que está perdendo. “O problema é que, com esses avanços, as críticas internas já cresceram e podem significar ele cair do poder. Putin pode realmente escalar com o pensamento de: ‘Eu vou, mas levo junto muita gente’. Já há manifestações internas contra ele, tanto de pessoas mais moderadas como daqueles que são extremistas e criticam o Exército por não usar armas nucleares.” Rudzit tem esperança de que não seja necessário apelar para a destruição em massa. “O governo americano está buscando uma saída honrosa para o Putin, porque existe um perigo das forças russas colapsaram e deixarem de funcionar como um Exército, a Ucrânia, inclusive, recuperar Crimeia.”
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