O preço que a guerra cobra nas infâncias destruídas em Gaza

  • Por Agencia EFE
  • 30/07/2014 10h43

Javier Martín.

Gaza, 30 jul (EFE).- Hamuda, de oito anos, vagueia pelas mesas do restaurante com uma caixa de papelão cheia de pacotes de tabaco e uma sacola de plástico transparente branca com alguns poucos shekels e um par de notas enrugadas.

O jejum diurno imposto pelo mês sagrado do Ramadã acabou e, embora os duros bombardeios israelenses continuem, os moradores de Gaza voltaram a encher os restaurantes do centro, transformado em um enorme campo de refugiados.

Entre eles, outras crianças mendigam ou tentam vender os mais variados produtos para levar um punhado de shekels para suas míseras casas.

Poucos são os que têm tempo para brincar ou estudar nesse período de conflito, em que não há escola, e os bombardeios tingem de sangue os olhares de quem teve a inocência roubada pela dor e pela miséria.

Para dezenas de milhares de crianças na Faixa, empobrecida após sete anos de ferrenho bloqueio econômico e cerco militar israelense, um brinquedo ou um livro são um objeto de luxo que poucas famílias podem ter.

“Com o dinheiro que o Hamas e Israel gastaram nestes anos para se prepararem para a guerra, poderiam ter desenvolvido a Faixa e a transformado em um importante centro econômico e comercial”, lamentou Salah al Batieh.

“A única solução possível é dar uma esperança e um futuro às crianças, uma razão para não terem de empunhar uma arma. Quanto mais tempo durar esta cruel fórmula de bloqueio, pobreza e guerra, mais poder de influência terão os radicais”, acrescentou este advogado.

Segundo dados do Unicef, em Gaza vivem cerca de um milhão de menores de 18 anos, mais da metade da população oficial, de 1,8 milhão, e 250 mil têm menos de cinco anos.

Deles, cerca de 90% vão à escola, número que cai dramaticamente até 59% dos meninos e 75% das meninas, quando começa o ensino médio.

Com uma taxa de desemprego que chega aos 60% na faixa dos jovens entre 20 e 25 anos, o futuro de meninos como Hamuda desponta como uma longa e negra foice que dia a dia cerceia ilusões e planta a semente do fanatismo.

“Aqui não há nada para fazer. Não há trabalho, e menos ainda desde que fecharam os túneis” no Egito, explicou Mohamad al Shalabati, um jovem estudante de Farmácia que bebe chá e fuma narguilé em um dos poucos bares abertos.

“Nem temos o direito de emigrar e buscar um futuro no exterior porque estamos fechados aqui, sem chance de escapar. Se o Hamas conseguir com isto suspender o bloqueio, terá valido a pena”, insiste.

Com uma extensão de 325 quilômetros quadrados, uma longa e selvagem linha litorânea, Gaza tinha um grande potencial antes de o movimento islamita tomar seu controle em 2007 e Israel impor o bloqueio.

A isso se unia um excepcional clima mediterrâneo propício para o cultivo de oliveiras, videiras e árvores frutíferas, além de uma posição estratégica como porto de união e entrada para o resto dos países árabes do Golfo e o resto do Oriente Médio.

Um potencial que minguou nos últimos sete anos devido, em grande parte, ao bloqueio, mas também à carência de infraestrutura e a má gestão da água, que fará com que em 2020 seja um lugar hiperpovoado e inabitável.

“Israel gastou bilhões de euros para asfixiar o Hamas e não só não conseguiu, mas fez com que ganhasse muitos apoios. Quando não se tem nada que perder e te oferecem caridade, você aceita. E disso o Hamas entende”, disse uma fonte diplomática ocidental que prefere não ser identificada.

Segundo analistas israelenses, a atual ofensiva bélica, que já deixou mais de 1.100 mortos, um quarto de crianças, em apenas 21 dias, custará aos cofres públicos cerca de 12 bilhões de shekels (R$ 1,479 bilhão).

Outros 500 milhões de shekels (R$ 324 milhões) diários são gastos em munição, pelo desgaste ou perda de equipamento militar e o pagamento de mais de 65 mil reservistas convocados.

O Hamas, por sua vez, investiu dezenas de milhões de euros na construção de uma rede de túneis de ataque e defesa e na compra e desenvolvimento de foguetes que foram ineficazes diante da tecnologia israelense de escudo antimísseis.

Hamuda provavelmente não sabe que cada vez que sai na rua com sua caixa de pacotes de cigarros e se assusta com o som de uma explosão, a cega ambição política jogou fora milhares de dólares que, em vez de servir para matar, poderiam cultivar futuros, ilusões e vidas. EFE

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