Com risco de virar nanico, PSDB vive crise inédita e futuro da sigla é incerto
Tucanos elegeram apenas 13 deputados e perderam o comando do governo de SP pela primeira vez em quase 30 anos; para integrantes da sigla, partido se desconectou dos eleitores
Tido como um dos principais legendas políticas do país nos últimos 40 anos, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) vive uma crise única em sua história. Para as eleições deste ano, a sigla não lançou um nome para disputar a Presidência da República pela primeira vez desde sua fundação – o processo foi marcado por brigas internas a respeito da viabilidade da candidatura do ex-governador João Doria (PSDB) –, não elegeu nenhum governador em primeiro turno, não conquistou nenhuma cadeira ao Senado Federal e elegeu uma das menores bancadas da Câmara dos Deputados. Os eleitores também impuseram aos tucanos uma dura derrota: a derrota do governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, representou o fim de uma dinastia de quase 30 anos do PSDB no maior Estado do país. Mais do que isso, com apenas 13 deputados eleitos, a legenda corre o risco de não ultrapassar a cláusula de barreira na próxima legislatura e se juntar ao Partido da Causa Operária (PCO), ao Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) e outras como partidos nanicos.
Rachas e disputas internas
Com as sucessivas derrotas nas eleições presidenciais entre 2002 e 2010 com as candidaturas de José Serra e Geraldo Alckmin, o PSDB lançou em 2014 o nome do ex-governador de Minas Gerais Aécio Neves à Presidência da República. De maneira concomitante, o partido conseguiu eleger a quarta maior bancada de deputados da Câmara e perdeu as eleições presidenciais por menos de dois pontos percentuais. Quatro dias após o segundo turno, os tucanos tomaram uma série de decisões que podem ter deslocado a legenda de seu prumo. No dia 30 de outubro de 2014, o PSDB ingressou no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com um pedido de auditoria especial para que a Corte apurasse o resultado das eleições para o comando do Planalto. Mesmo sem pedir uma recontagem de maneira oficial, a sigla solicitou a “disponibilização de cópia dos arquivos eletrônicos que compõem a memória de resultados, obtidas a partir de dados fornecidos por cada seção eleitoral” baseada na “descrença quanto à confiabilidade da apuração dos votos e à infalibilidade da urna eletrônica, baseando-se em denúncias das mais variadas ordens, que se multiplicaram após o encerramento do processo de votação”. Em outras palavras, o tucanato contestou a higidez do sistema eletrônico de votação e a lisura do processo eleitoral.
Em meio aos desdobramentos das investigações dos escândalos de corrupção envolvendo o Partido dos Trabalhadores, pedidos de impeachment e manifestações civis foram realizadas exigindo que a presidente Dilma Rousseff fosse destituída do comando do Executivo federal. De início, o partido não endossou os protestos organizados por movimentos populares que pediam a saída da então presidente. Ao passo que o número de pessoas na rua aumentou, de maneira gradativa, os principais nomes do PSDB também foram às ruas, no que parecia ser tarde demais. Em 13 de março de 2016, o senador e ex-presidenciável Aécio Neves e o então governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, chegaram na Avenida Paulista para manifestar o seu descontentamento com a condução do governo federal. Lá, foram hostilizados e recebidos com xingamentos pelos manifestantes que os classificaram como “oportunistas”, “vagabundos” e “lixos”. Em nota, os tucanos ressaltaram que ficaram “extremamente satisfeitos com a recepção da população” nos atos em prol do impeachment.
Em paralelo aos acontecimentos no âmbito nacional, o empresário João Doria Júnior passou a se aproximar de Geraldo Alckmin e sondava a possibilidade de disputar algum cargo eletivo como candidato tucano. Em julho de 2015, o filiado apresentou-se pela primeira vez como pré-candidato à prefeitura de São Paulo pelo PSDB e defendeu sua possível candidatura como um “estímulo à renovação” tucana. Em um feito histórico, Doria obteve sucesso em sua disputa nas prévias da legenda, venceu o então prefeito da capital paulista Fernando Haddad (PT) ainda no primeiro turno e despontou como uma liderança do partido entre brigas e conflitos. No ano seguinte, porém, Doria se desentendeu com o ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social do governo Fernando Henrique Cardoso, Andrea Matarazzo, em um embate que culminou na saída do tucano da sigla. Durante a sua gestão à frente da prefeitura, o empresário chamou o vice-presidente nacional de seu partido, Alberto Goldman, de “fracassado” e “improdutivo”.
Na sequência, a próxima liderança que entrou em rota de colisão com Doria foi Aécio Neves. No período, o então presidente do PSDB era alvo de acusações de corrupção e de nove inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF). Entre as investigações que corriam no entorno do senador afastado envolviam o pedido de R$ 2 milhões a Joesley Batista, dono da rede JBS. Em entrevista à Jovem Pan em maio de 2017, Doria criticou o mineiro e iniciou uma articulação para tirar o tucano do comando do PSDB. “Estarrecedor um senador da República usar esse tipo de linguagem. Quem usa esse tipo de linguagem não têm condição de proceder com equilíbrio as suas funções”, disse. No mês seguinte, Doria voltou à ofensiva em fala à Rádio Jornal de Pernambuco e subiu o tom. “Tenho respeito por Aécio, mas ele tem de concentrar o tempo dele na própria defesa e deixar que o partido seja conduzido por outro nome, eleito”, afirmou.
Em 2018, Doria seguiu sua ascensão meteórica no ninho tucano e foi eleito governador de São Paulo. À época, o então prefeito lançou mão do “BolsoDoria”, traiu Geraldo Alckmin, seu padrinho político e presidenciável naquele ano, e surfou a onda que levou Jair Bolsonaroà Presidência da República. No mesmo ano, Aécio, ainda no comando da sigla, foi eleito para a Câmara dos Deputados. A vingança de Aécio veio no processo de escolha do nome do PSDB para as eleições de 2022. Escolhido pelo partido como candidato ao Planalto, Doria encontrou no parlamentar a principal fonte de resistência à sua candidatura. O grupo de Neves atuou para emplacar o ex-governador do Rio Grande do Sul Eduardo Leite como candidato à sucessão de Bolsonaro. Sem conseguir o apoio da cúpula do partido, Doria desistiu de sua postulação. O empresário, no entanto, não foi o único a sofrer avarias nesse processo: Leite voltou à disputa pelo Palácio Piratini, mas sofreu para superar Edegar Pretto (PT) e chegar ao segundo turno contra o ex-ministro Onyx Lorenzoni (PL). Se Aécio conquistou mais um mandato como deputado, o PSDB obteve seu pior desempenho em toda sua trajetória política.
Avaliação interna
O presidente do diretório municipal do PSDB em São Paulo, Fernando Alfredo, considerou que o momento atual vivido pelos tucanos não é diferente de outras épocas. O problema, na visão do dirigente, é a “polarização nacional” que se apropriou da política e “abraçou” o Estado paulista. “Em 2018, o eleitor não enxergou no Geraldo condição de ganhar a eleição e migrou para o Bolsonaro porque não queria o PT. Hoje, há um fenômeno ao contrário, as pessoas não querem o Bolsonaro e tendem a migrar. Como o PSDB não conseguiu se apresentar como opção competitiva, que no nosso caso, era o João Doria, abriu-se esse vácuo”, disse em entrevista ao site da Jovem Pan. O tucano também considera um erro o apoio do partido à candidatura de Simone Tebet (MDB), em um processo que envolveu também o endosse do Cidadania e do Podemos. “Não é que o PSDB perdeu eleitorado; na verdade, ele migrou para uma opção capaz de acabar com essa polarização”, disse. A Executiva Nacional do partido liberou os Estados a decidirem quem vão apoiar no segundo turno das eleições presidenciais, mas, como a Jovem Pan mostrou, o diretório da capital paulista irá se reunir, na segunda-feira, 10, para decidir o caminho a ser seguido. “Vamos nos posicionar, o PSDB na cidade não ficará neutro nesse processo”, resumiu. Alfredo ratificou seu compromisso em se posicionar e “escolher um lado”. Apesar da crise no tucanato, Alfredo se diz otimista em relação ao futuro do partido e descarta um novo fracasso nas urnas em 2026, que poderia tornar a sigla impedida de utilizar verbas públicas e propaganda de televisão, unindo-se a partidos como PCB, PCO, PMB, PMN, PRTB, PSTU, PTB, Pros, PSC, Patriota, Solidariedade e Novo. Nas eleições deste ano, os tucanos elegerem 13 deputados federais, nove a menos do que na última candidatura e apenas duas a mais do que o limite da cláusula.
“Daremos uma enxugada, as pessoas que estão no PSDB por fisiologismo tendem a sair do partido. O PSDB vai conseguir separar o joio do trigo, o que para nós é muito bom”, ressaltou. Por fim, o presidente do diretório paulistano tucano revelou que o partido trabalha para ter um candidato para as eleições à prefeitura de São Paulo em 2024, além da preparação para retomar o Palácio dos Bandeirantes. “Óbvio que vamos disputar com Tarcísio [Gomes de Freitas] ou [Fernando] Haddad no cargo, mas para nós isso não é problema porque a população vai conseguir reconhecer tudo o que o PSDB fez e quanta falta fará nesse período em que não irá governar o Estado”, finalizou. Para o deputado federal Carlos Sampaio (PSDB-SP), os tucanos perderam a conexão com a sociedade e, por isso, viram o tamanho da bancada na Câmara diminuir, em oito anos, de 54 eleitos, em 2014, para 13, em 2022. “Não somos mais protagonistas de mais nada, os fatos falam por si só. Do jeito que está, não podemos ficar”, considerou. A Jovem Pan também procurou o ex-senador Aloysio Nunes, que declarou apoio ao ex-presidente Lula no segundo turno da eleição presidencial, o ex-governador João Doria, o ex-presidente do PSDB José Aníbal e o presidente do PSDB em São Paulo, Marco Vinholi. Nunes preferiu não se manifestar. Doria disse que não concederá entrevistas até o final do segundo turno. Aníbal e Vinholi não se manifestaram até a publicação desta reportagem.
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