Mara Gabrili descarta posição de ‘vice figurante’ e promete governo inclusivo

Em entrevista exclusiva ao site da Jovem Pan, vice na chapa de Simone Tebet afirma que prioridades do governo serão tirar o Brasil do mapa da fome e aprovar reforma tributária

  • Por Caroline Hardt
  • 25/09/2022 19h00 - Atualizado em 25/09/2022 19h33
Marcos Oliveira/Agência Senado Mara Gabrilli (PSDB-SP) Senadora eleita em 2018, Mara Gabrili foi indicada para o posto de vice na chapa de Simone Tebet (MDB)

A senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) defende a reforma tributária como principal caminho econômico para “simplificar impostos e a fazer justiça social”. Candidata a vice-presidente na chapa com Simone Tebet (MDB), que chega à última semana de campanha com 5% das intenções de votos, atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do presidente Jair Bolsonaro e do ex-ministro Ciro Gomes (PDT), a parlamentar fala em candidatura inédita de duas mulheres à Presidência da República e enumera as principais propostas de governo: a continuidade de auxílios sociais, mas com “deveres e direitos” da população, o combate à fome como prioridade do mandato e a criação de um governo de inclusão e de conciliação. Na prática, se eleita, Gabrilli descarta a posição de “vice figurante” e se coloca como peça curinga para um novo modelo de governança. Tetraplégica desde os 26 anos após um acidente de carro, a senadora lembra ainda dos desafios e lutas para conseguir um Brasil mais plural e inclusivo. “Você pode imaginar o tamanho da minha emoção e responsabilidade por saber que a voz que um dia eu não tive, hoje pode ser a voz de milhões de brasileiros invisíveis”, resume. O site da Jovem Pan convidou, via assessoria de imprensa, os candidatos a vice-presidente das quatro chapas mais bem colocadas nas pesquisas de intenção de voto do Datafolha para falarem sobre as propostas dos presidenciáveis para os principais temas do país. O ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSB) e o general Walter Braga Netto (PL) não deram resposta dentro do prazo estabelecido pela reportagem. Confira abaixo os principais trechos da entrevista:

O ex-presidente Michel Temer disse, nos estertores do governo Dilma, que era um “vice decorativo”, já Hamilton Mourão foi escanteado em boa parte do governo Bolsonaro. Qual será o seu papel no governo Simone Tebet? No dia que eu entrei na chapa, entrei trazendo junto comigo um dos principais pilares do plano de governo, que é a inclusão. A gente tem uma chapa com duas mulheres, o que é inédito, sendo que uma delas é tetraplégica. Isso já mostra o que queremos para o Brasil. A Simone deixou claro que não terei um papel de coadjuvante e que governarei junto com ela. Eu também não acredito que fosse um perfil para ficar escondida em algum lugar. Comecei a fazer o meu trabalho com as pessoas com deficiência, que representam 45 milhões de brasileiros, 24% da população. Isso, sem contar aqueles que têm doenças raras e que ainda somam mais de 15 milhões de brasileiros. Quando falo de inclusão, também falo de população negra, LGBTQI+, dos idosos, indígenas, população originária. Então, essa visão de diversidade do Brasil tem que passar por todas as pastas e ministérios. A gente não consegue falar de sustentabilidade sem falar de acessibilidade, não conseguimos falar de inclusão sem educação, transporte, infraestrutura urbana, economia, planejamento. Por isso, a inclusão é uma política transversal. Entro tendo esse pilar importantíssimo. Não acredito em ter um papel de figurante, isso nem combina comigo. Senão, nem teria aceitado o desafio de trabalhar com a Simone em todas essas pautas e pilares.

Você seria então uma peça “curinga” do governo Tebet? Estou pronta. Sou como uma célula-tronco embrionária que consegue se diferenciar em qualquer tema. Quando você trabalha com inclusão, é inevitável que você tenha que conhecer a profundidade da assistência social, saúde, educação, trabalho, cultura, esporte. Porque só conhecendo os temas você poderá fazer uma observância naquilo que não está sendo contemplado. 

No Brasil, 33 milhões de pessoas não têm o que comer. Qual a sua proposta para acabar com a fome? Já está em nosso plano de governo uma reforma tributária, que vai ajudar a simplificar impostos e a fazer justiça social, diminuindo preço de medicamentos, de alimentação, e ajudando a gerar emprego e renda, organizando o ambiente de negócios brasileiros. Nós pretendemos continuar o auxílio [Auxílio Brasil, programa que substituiu o Bolsa Família] para os que estão em situação de miserabilidade, mas um auxílio com deveres e direitos. Não é um auxílio que vai ser dado de forma aleatória, apenas por questão de renda. As pessoas têm que ter a vara para poder ir pescar. Queremos que as pessoas se desenvolvam e possam ser contribuintes brasileiros.

O próximo presidente assumirá um país com consideráveis problemas, tanto do ponto de vista fiscal quanto do ponto de vista social. Qual a prioridade número um do governo Tebet? Matar a fome, tirar esses 33 milhões de brasileiros da insegurança alimentar.

Como o Brasil pode avançar em termos de inclusão e acessibilidade? Quais caminhos você enxerga como os mais urgentes para o Brasil? Primeiro, fazer com que a lei brasileira de inclusão, que eu tive a honra de relatar e ser autora do texto final, seja respeitada. Vindo no dia-a-dia do brasileiro com deficiência, o primeiro item é a saúde. Sem saúde, ele não vai ter a disposição para abrir a porta de casa e enfrentar o rali das calçadas. Para isso, a gente precisa escancarar as portas do Sistema Único de Saúde (SUS) para todos os brasileiros com deficiência, com doenças raras, não só a tratamentos e tecnologias, mas medicamentos também. Ultrapassado o primeiro item, a gente começa a pensar em infraestrutura urbana.

Uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo mostra que a senhora foi beneficiada com indicações que ultrapassam R$ 19 milhões em recursos das chamadas emendas de relator, base do orçamento secreto. Nas suas redes sociais, alguns seguidores questionam o uso desses recursos e falam em ‘atitude antiética’. A senhora defende a existência dessas emendas? Uma vez que seu plano de governo fala em tolerância zero à corrupção. Claro, corrupção zero no governo, não poderia ser diferente. Tebet já havia falado que, mesmo que sejam membros do partido dela, corrupção não terá nesse governo. Agora, em 2020, quando foi ofertado recursos de emenda do relator, que não chamava Orçamento Secreto, e foi dada essa possibilidade, no meio de uma pandemia, quando as Santas Casas estavam quebrando, os hospitais filantrópicos quebrando, cidades do interior sem dinheiro para insumos básicos, jamais deixaria de cumprir. Todos os meus recursos foram colocados só em saúde e não tinha esse nome de Orçamento Secreto. O que aconteceu foi que começaram a dar para alguns parlamentares e tem a necessidade de mostrar onde estavam colocando recursos. É muito diferente de colocar recursos totalmente abertos e oficializar. Tenho ofício de todos os prefeitos para os quais mandei os recursos. Totalmente transparente. Isso não foi orçamento secreto de forma alguma, nem sobrenome isso tinha. Mas é óbvio: quando chegou a época da eleição [para a Presidência] do Senado, só recebeu quem votou no presidente, quem votou em outro candidato não recebeu. Então, no nosso governo isso não vai acontecer e a emenda já é uma prática, você pode contemplar [cidades]. Recursos de emenda são importantíssimos, desde que seja feito de forma transparente, totalmente transparente, aberta e não pode privilegiar parlamentares que votam com o governo, porque daí começa a virar corrupção.

Mas, na prática, o que fazer para que emendas não sejam caminho da corrupção? Eu sou um ótimo exemplo. É só olhar como eu faço. Então, se você quer um exemplo de como fazer isso de forma bem feita, tenho a modéstia de sugerir que me use como exemplo.

Como você avalia o governo Bolsonaro? Muito ruim. É um governo que corta recursos, 95% da assistência social. Corta recursos de ciência e tecnologia, corta dinheiro da educação, que é a forma mais transformadora de inclusão social, corta recursos e ainda desdenha do povo brasileiro, não coloca vacina no braço do brasileiro, não tem compaixão, não tem empatia. Ele não foi visitar um morto brasileiro, não foi em um túmulo brasileiro ter um pouco de complacência com os familiares de luto. Não foi em nenhum, mas pegou avião e foi no velório da rainha, que ele nunca conheceu pessoalmente, para poder fazer campanha. Estamos com falta de bons exemplos, a começar pelo nosso presidente, que desdenhou da fome do brasileiro. Você imagina seu filho passando fome e o presidente falando: “Já viu alguém pedindo comida na rua”? Já, o dia inteiro na rua está cheio de famílias pedindo comida e esse homem não consegue enxergar isso. Ele só pensa em deixar a população armada. Mas a gente não quer também o passado, não queremos a volta da corrupção. Corrupção mata e tira a comida da mesa do brasileiro, foi isso que aconteceu durante todo o governo do Partido dos Trabalhadores. 

O cenário de estabilidade nas pesquisas está presente desde o início do ano e nessa reta final até o primeiro turno a situação parece consolidada entre Lula e Bolsonaro. O que a faz crer que pode haver uma virada da chapa nas duas últimas semanas? Acredito no povo brasileiro. O brasileiro não é esse povo cheio de ódio, o brasileiro é um povo acolhedor. Acredito que conforme as pessoas vão conhecendo a trajetória da Simone e a minha trajetória, elas veem que aqui tem profundidade técnica, tem trabalho, luta e muita vontade de mudar. [Temos] Trabalhos robustos que foram feitos, diferente da eleição de Bolsonaro, que ele não tinha nenhum projeto relevante em 20 anos de Congresso. Tenho certeza que o povo brasileiro vai ver que tem esperança, que não precisa votar no menos pior. Pode votar com amor, esperança e com o que ele acredita. Claro que pode acontecer uma grande virada.

Se confirmando um 2º turno de Lula x Bolsonaro, de que lado ela ficará? Não trabalho com essa hipótese. Trabalho com a hipótese de ir para o segundo turno, votar 15, votar com consciência e pelo Brasil. Na hora de colocar o dedo lá [nas urnas], o povo brasileiro vai ter a consciência do que ele quer para o futuro.

Nas redes sociais, a senhora se solidarizou com a jornalista Vera Magalhães, que foi alvo de ataques bolsonaristas recentemente. Como tem sido sua experiência na campanha e na vida pública como mulher? Sofro diariamente, estou vendo amigas candidatas sofrendo ameaças também. Falo isso porque aconteceu com a Cláudia Galeto, candidata a deputada federal, sofreu ameaça, mandaram tomar cuidado até quando ele está no comitê dela, pedindo que desistisse da campanha ou ela “ia ver o que ia acontecer com ela”. Isso é ameaça, é violência política. Estamos em um país que a cada duas horas mata uma mulher, país que é o quinto do mundo a matar mulheres. Vivemos uma onda de violência contra mulher, seja no âmbito político, familiar, seja na rua ou onde for, a mulher está sendo desrespeitada neste país.

A senhora foi indicada para o posto de vice depois de um processo traumático envolvendo o PSDB: Doria foi rifado e uma ala do partido tentou impor Eduardo Leite como candidato, apesar da derrota nas prévias. Aqui em São Paulo, o governador Rodrigo Garcia está na terceira colocação das pesquisas e pode encerrar uma dinastia de quase 30 anos da sigla no maior Estado do país. Por que o PSDB chegou a esse ponto? O que a senhora espera do futuro da sigla? O PSDB sempre esbarrou no problema de ter muitas cabeças muito boas e pensantes demais. E quadros de altíssima qualidade, que sempre se pronunciaram. Agora, todos os partidos têm crise. Embora seja a primeira vez sem cabeça de chapa concorrente às eleições, pela primeira vez colocou uma mulher tetraplégica na corrida presidencial. Temos quadros jovens, quadros aparecendo no partido. Às vezes a gente perde de um lado, mas ganha do outro.

A terceira via perdeu diversos candidatos ao longo da caminhada. Onde os partidos do “centro democrático” erraram? Não sei se chamaria de erro, mas a Simone para conseguir chegar a ser candidata à presidência teve que passar por vários obstáculos e a gente sabe que viver como mulher dá muito mais trabalho do que homem. Na política, culturalmente, esse trabalho é hercúleo para conseguir chegar, um processo para que a Simone fosse candidata, um processo para escolha da vice dela. E, hoje, temos um centro democrático que também é chamado de Centrão, um centro democrático deturpado, que parou de pensar em políticas públicas para fazer um projeto de poder pessoal. Então, se teve um erro, é a ganância do Centrão.

Você mencionou o Centrão ao falar sobre os partidos do chamado centro democrático. Hoje, o Centrão governa o país? E em um futuro governo Tebet-Gabrilli, como governar sem ceder a este bloco político? Governar com diálogo, isso é fundamental para conseguir governar. Se não tiver diálogo, não tem governo. Se não tiver diálogo, não tem que ouvir o outro. A gente fala de um governo de conciliação, um governo diferente. Quanto ao Centrão governar o Brasil, é o que tem acontecido. Quando vai construindo projetos pessoais de poder, não adianta, é o modelo do nosso presidente, ele tem um projeto pessoal de poder. O Centrão é um reflexo do presidente e o presidente é um reflexo do Centrão. Então, o Centrão está governando, sim, o que é uma pena. Precisamos mudar a conduta dos parlamentares e da governança. Um Centrão governando dessa forma que o novo presidente governa, a gente perde toda qualidade da gestão e dos investimentos de gastos públicos. 

Considerando isso, você diria que Arthur Lira é o homem mais poderoso do país? Não, nem um pouco. Não consigo enxergar todo esse poder, acredito que tem uma lacuna, um abismo entre poder e autoridade. E lhe falta um pouco de autoridade, não consigo vê-lo como o homem mais poderoso da República.

Comentários

Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.