Governo Lula ‘ignora’ PEC que mira STF, e proposta deve ser engavetada na Câmara 

Parlamentares ouvidos pela Jovem Pan dizem que o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), vai evitar embate com o tribunal, enquanto Planalto quer foco na pauta econômica 

  • Por Caroline Hardt
  • 29/10/2023 12h14 - Atualizado em 08/03/2024 15h24
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Bruno Spada/Câmara dos Deputados Arthur Lira Parlamentares ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro devem pressionar por votação da PEC, mas texto deve ser engavetado

O Senado Federal se prepara para dar continuidade à ofensiva contra o STF (Supremo Tribunal Federal), com expectativa pelo avanço da da PEC 8/2021, de autoria do senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR). Incluída na pauta de votação da Casa Alta na semana passada, a votação deve acontecer após o feriado de Finados, entre os dias 8 e 9 de novembro. Seguindo o regimento da Casa Alta, o texto deve passar por cinco sessões de discussão antes de ser colocado à prova em plenário em duas votações. Parlamentares ouvidos pelo site da Jovem Pan apostam em aprovação com maioria absoluta na Casa presidida por Rodrigo Pacheco (PSD-MG), apoiador declarado do texto e principal líder à frente da ofensiva do Congresso. Contudo, ainda que o cenário seja auspicioso no Senado Federal, o momento na Câmara dos Deputados é outro, e a situação reforça mais um episódio de distanciamento entre as Casas Legislativas. Isso porque, entre os deputados, o tema é tratado com reservas e a previsão é que, se aprovada pelos senadores, o primeiro destino da matéria na Casa Baixa seja a gaveta.

Lira negociou ter o caso dos kits de robótica arquivados pelo Supremo, em consequência, ele precisa retribuir”, disse à Jovem Pan, sob reserva, um deputado do Centrão. A fala faz referência à decisão do ministro Gilmar Mendes, que anulou todas as provas relativas ao presidente da Câmara dos Deputados em investigação sobre a compra de kits de robótica para a rede de ensino de Alagoas. Ainda que não tenha relação com a tramitação atual, parlamentares ouvidos pela reportagem apontam que a postura do presidente da Câmara será de conciliação e de evitar o embate direto contra os ministros do Supremo, o que é visto como um obstáculo para a PEC prosperar. Há, ainda, outro elemento que joga contra a ideia da oposição de levar esta proposta adiante entre os deputados: o governo Lula quer distância desta matéria e trata como prioridade, neste momento, avançar com a pauta econômica capitaneada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em especial a reforma tributária. Isto não significa, porém, que não haverá pressão de alguns congressistas. “Medo de se indispor com o Supremo tem gente na Câmara e também no Senado. Agora, essa PEC sendo aprovada pelos senadores, a obrigação da Câmara é discuti-la, talvez fazendo algumas mudanças. A Câmara terá que colocar a matéria em pauta e nós, deputados, tomamos uma posição”, defendeu o deputado federal José Nelto (PP-GO), apoiador da matéria.

Outros congressistas endossam a defesa da PEC 8/2021 na Câmara e ponderam que, ainda que seja responsável por definir as prioridades da Casa Baixa, Arthur Lira não “constrói” a pauta sozinho e não está livre das cobranças da sociedade. O deputado federal Sanderson (PL-RS) entende que a pressão pela tramitação na Casa será “muito grande”, inclusive da população. “Arthur Lira é o administrador da pauta, mas não é ele sozinho quem confecciona a pauta, que é produto da concertação dos líderes partidários. O presidente Lira sempre prestigiou as construções do colégio de líderes, por isso a PEC vai entrar ou não na pauta da Câmara se a maioria dos líderes assim desejar”, ponderou o parlamentar à reportagem. Sanderson também não descarta que, se necessário, a oposição possa promover novas rodadas de obstrução da pauta, seguindo a mobilização adotada semanas atrás, quando os congressistas travaram as votações e fizeram frente ao que chamam de invasões do Supremo às prerrogativas do Congresso.

Entendido como um episódio de distanciamento entre Câmara e Senado, a ofensiva contra o STF não é único tema de discordância entre deputados e senadores. Como o site da Jovem Pan mostrou, ao longo do ano, por inúmeras vezes as Casas “bateram cabeça” ao caminhar em sentidos contrários, ora com deputados avançando sobre temas sensíveis, ora os senadores atuando pró-governo e freando pautas polêmicas e votações açodadas. Desta vez, no entanto, a avaliação é que a matéria deve receber atenção popular, o que também pode funcionar como ferramenta de pressão. “A sociedade cobra um freio no Supremo Tribunal Federal, o Supremo está extrapolando, cumprindo o papel que é do Poder Legislativo. Um exemplo é a questão do aborto e da descriminalização das drogas, isso irritou o povo brasileiro”, pondera José Nelto. O deputado cita ainda o papel constitucional da Câmara e diz que vai atuar para que a matéria seja apreciada em regime de urgência, o que pode garantir aprovação ainda neste ano: “A Câmara defende o povo, o Senado defende os Estados, a Federação. Então a PEC tem que ser discutida na Câmara, vamos trabalhar para que isso aconteça”, conclui.

Do ponto de vista do governo, a prioridade para o fim de 2023 no Legislativo é pela tramitação de agendas econômicas em detrimento das pautas de costumes. Entre os destaques estão matérias como a reforma tributária no Senado Federal, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que aguardam na fila da aprovação. Contudo, caso seja colocada em pauta, a Proposta de Emenda à Constituição anti-STF não deve ser tema, para bem ou para mal, de mobilização das lideranças do governo. “É claro que para o governo interessa muito mais a pauta econômica do que pauta de costumes. Mas não vejo problema na pauta seguir na Câmara, é mais problema com o STF”, comenta o deputado federal Jonas Donizette (PSB-SP). Apresentada em 2021, a PEC 8/2021 ganhou força e voltou a tramitar no Senado nas últimas semanas. Entre outras alterações, o texto estabelece mandato de oito anos a ministros da Corte e limita decisões monocráticas, sendo considerado um “freio” dos congressistas aos avanços e exageros do Poder Judiciário, em meio a polêmicas decisões recentes, como o marco temporal das terras indígenas, a descriminalização do porte de drogas e a possibilidade de descriminalização do aborto.

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