O que o ‘G7’ pensa sobre o primeiro mês da CPI da Covid-19
Para o grupo majoritário da comissão, depoimentos realizados até o momento comprovam omissão do governo na compra de vacinas, existência do ‘Ministério da Doença’ e insistência na tese da imunidade de rebanho
O depoimento do diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, encerrou o primeiro mês de trabalhos da CPI da Covid-19. Nas últimas quatro semanas, a comissão ouviu dez depoentes, de ministros e ex-ministros de Estado a dirigentes de empresas multinacionais, como a Pfizer, por exemplo. Dos 11 membros titulares, sete são independentes e de oposição – com quatro integrantes, os governistas estão em minoria. O G7, como ficou conhecido este grupo majoritário, passou a realizar reuniões na casa do presidente, Omar Aziz (PSD-AM), para traçar estratégias de ação e garantir que as investigações não percam o foco, a fim de responsabilizar os agentes públicos que contribuíram para que o país chegasse a quase 500 mil mortes em mais de um ano de pandemia. Para estes parlamentares, até o momento, as oitivas serviram para comprovar que o governo do presidente Jair Bolsonaro incentivou a tese de imunidade de rebanho, foi omisso no processo de compra de vacinas e foi orientado por um gabinete paralelo que defendia medidas de enfrentamento à crise sanitária que não são respaldadas pela ciência.
Para o senador Otto Alencar (PSB-BA), decano da CPI e membro titular da comissão, o primeiro mês de trabalho evidencia que o governo federal apostou na imunidade de rebanho como política pública. “A coisa mais grave foi a confissão da doutora Mayra Pinheiro [secretária da Gestão do Trabalho e Educação na Saúde do Ministério da Saúde] de que ela estimulava a imunidade de rebanho para as pessoas. Ela disse que não era para todas as pessoas, mas para as crianças. Mesmo que fosse apenas para as crianças, nas escolas não têm professores? Merendeiras? Profissionais do transporte escolar? Isso nos confirmou a tese de Bolsonaro, induzido por Osmar Terra [deputado federal e ex-ministro da Cidadania] e por outros que falavam nisso. Imagina imunidade de rebanho de uma hora para outra em um país com mais de 210 milhões de habitantes. Isso é um fato consolidado para nós. Vão responder por ação e omissão, não tenha dúvida”, disse à Jovem Pan.
A existência de um suposto grupo que atuava “nas sombras”, como definiu outro titular da comissão ouvido pela reportagem, entrou no radar dos integrantes da CPI depois dos depoimentos dos ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich. Os dois sofreram pressão para recomendar a cloroquina como medicamento para o tratamento da Covid-19: o primeiro afirmou que foi chamado para uma reunião no Palácio do Planalto, na qual havia uma minuta de decreto presidencial que alteraria a bula do fármaco; o segundo, por sua vez, disse que pediu demissão do cargo antes de completar um mês à frente da pasta em razão do “desejo de ampliação do uso” do remédio. Na semana seguinte, o diretor-presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, afirmou que partiu da médica Nise Yamaguchi a proposta para que o bulário da cloroquina fosse alterado. Outros depoimentos, como o de Fábio Wajngarten, ex-chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom), e de Carlos Murillo, ex-presidente da Pfizer no Brasil, apontaram o envolvimento do vereador Carlos Bolsonaro e do assessor da Presidência para assuntos internacionais, Filipe Martins, com assuntos que não eram de suas atribuições, como a aquisição de vacinas, por exemplo.
Na avaliação de Otto Alencar, o gabinete paralelo, apelidado de “Ministério da Doença” pelo relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), induziu o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello a tomar decisões que contribuíram para disseminar o vírus pelo país. “O gabinete paralelo também está confirmado. Arthur Weintraub, Nise Yamaguchi, Carlos Bolsonaro, uma série de pessoas que opinavam. Esse gabinete induzia Pazuello a fazer o que eles queriam. Na oitiva dele, Pazuello mostrou que não sabia nada sobre saúde. Perguntei a ele qual era o grupo da Covid-19, como ela se manifestava nas pessoas, mas não sabia de nada. Ele era um instrumento do gabinete paralelo”, diz. Em terceiro lugar, o senador destaca que houve omissão na compra de vacinas, postura consolidada pelos depoimentos de Carlos Murillo, dirigente da Pfizer, e Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan, responsável pela produção da CoronaVac. “São pelo menos 12 declarações anti-vacina do presidente, 12 vídeos que foram exibidos na comissão. Bolsonaro é réu confesso. Agora, veja, ele recuou. Não fala mais em cloroquina. Diz apenas que é aquele remédio, o remédio que ofereceu à ema. Ele perdeu completamente o controle”, acrescenta Alencar.
Nesta quinta-feira, 27, o senador Omar Aziz definiu o calendário de reuniões do próximo mês. Na terça-feira, 1º, será ouvida a médica Nise Yamaguchi. A convocação atende os pedidos feitos pelos senadores Eduardo Girão (Podemos-CE) e Marcos Rogério (DEM-RO), integrantes da tropa de choque governista na CPI. No requerimento apresentado, Rogério diz que a oitiva “será de importância singular para que [a pesquisadora] exponha sua atuação e conhecimentos, com o objetivo único de restabelecer a verdade, oferendo informações transparentes e esclarecedoras” sobre o uso da cloroquina. O G7, porém, pretende comprovar que Nise era uma das vozes mais proeminentes do “Ministério da Doença”. As informações apresentadas pela médica à CPI também serão utilizadas como subsídios para outros depoimentos marcados para o mês de junho (veja aqui o calendário de audiências). Na quarta-feira, 26, a comissão aprovou as convocações de Arthur Weintraub, ex-assessor da Presidência da República e irmão do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, Carlos Wizard Martins, o empresário que atuou como consultor do Ministério da Saúde na gestão de Eduardo Pazuello, e Filipe Martins, assessor da Presidência da República para assuntos internacionais. Os três são apontados como integrantes deste grupo de assessoramento paralelo.
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