Paciente relata pressão da Prevent por cuidados paliativos: ‘Aparelhos seriam desligados’ 

Em depoimento emocionado à CPI da Covid-19, Tadeu Andrade afirmou que operadora de saúde queria retirá-lo da UTI para reduzir custos; comissão também ouviu médico que denunciou empresa

  • Por Jovem Pan
  • 07/10/2021 17h41 - Atualizado em 07/10/2021 19h09
Pedro França/Agência Senado Homem grisalho depõe aos senadores Tadeu Andrade, advogado de 65 anos, ficou internado em uma unidade da Prevent Senior e relatou 'trama macabra' vivida em hospital

Com a voz embargada, Tadeu Frederico Andrade, de 65 anos, deu detalhes do que chamou de “trama macabra”, o período em que permaneceu internado com coronavírus em uma unidade da Prevent Senior. Aos senadores da CPI da Covid-19, o advogado relatou uma pressão de médicos da operadora de saúde para que ele fosse retirado da UTI e transferido para os cuidados paliativos, a fim de reduzir custos. De acordo com o depoimento, havia, inclusive, a orientação para que ele não fosse reanimado em caso de parada cardíaca. “Seria ministrado em mim uma bomba de morfina e todos os meus equipamentos de sobrevivência, na UTI, seriam desligados. Se eu tivesse parada cardíaca, havia a recomendação para não haver reanimação”, disse Andrade.

Em sua exposição inicial, Tadeu disse que se vê como uma “testemunha viva de uma política criminosa dessa corporação” e que falaria “em nome de muitas vítimas que hoje não têm mais voz”. “Minha família lutou contra a Prevent Senior. Lutaram para que eu não viesse a óbito”, resumiu. O advogado contou que recebeu medicamentos do “kit-Covid” após uma teleconsulta que durou dez minutos. Ele não duvidou da eficácia dos fármacos porque acreditou na prescrição de uma médica. “Não tinha do que reclamar, eu estava sendo tratado por uma médica”, seguiu. Com a piora do quadro de saúde, uma profissional da rede tentou convencer uma de suas filhas a submetê-lo aos tratamentos paliativos, com o que ela não concordou. Mesmo assim, a prática foi adotada.

“Uma das minhas filhas recebe um telefone comunicando que eu passaria a ter os cuidados paliativos. Ou seja: eu sairia da UTI, iria para um chamado leito híbrido e lá teria, segundo as palavras da doutura Daniela, maior dignidade e conforto, e meu óbito ocorreria em poucos dias. Seria ministrado em mim uma bomba de morfina e todos os meus equipamentos de sobrevivência, na UTI, seriam desligados. Inclusive, se eu tivesse parada cardíaca, havia a recomendação para não haver reanimação. Felizmente, minha filha não concordou por telefone. Isso se deu por volta do meio-dia, mas às 14h54 essa mesma doutora, Daniela, insere no meu prontuário o início dos tratamentos paliativos. Sem a autorização da família e recomenda que não se faça mais a hemodiálise, nao se ministre antibióticos e também não faça a manobra de ressuscitação”, relatou.

Diante da postura irredutível dos familiares do advogado, as duas filhas de Tadeu Andrade foram chamadas para uma reunião com três médicos da Prevent Senior. “Nessa reunião, eles tentam convencer minha família de que, pelo prontuário na mão, eu tinha marcapasso, eu tinha sérias comorbidades arteriais e que eu tinha uma idade muito avançada. Esse prontuário não era meu, era de uma senhora de 75 anos. Eu não tenho marcapasso. A única coisa que tenho é pressão alta. Sempre tive”, disse. Segundo o seu relato, a operadora de saúde só recuou porque sua família se insurgiu e ameaçou levar o caso à imprensa. Ao relembrar que quase morreu, Tadeu chorou. “Mas hoje estou aqui, vivo”. “Sua presença nessa comissão é emblemática. Não poderíamos terminar nossos trabalhos sem termos esse depoimento histórico que revela um momento macabro do enfrentamento à pandemia no Brasil”, disse o relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL).

Nesta quinta, a CPI também ouviu o médico Walter Correa Souza Neto, que trabalhou na Prevent Senior e é um dos signatários do dossiê enviado aos senadores. Ele disse que não havia autonomia médica, relatou uma rotina de coação e assédio moral, e citou o fato de ter sido obrigado a trabalhar sem máscara para comprovar sua versão. “Já tinha um surto de Covid em uma das unidades e alguns colegas estavam em intubação. Coloquei máscara e a coordenadora me mandou tirar. Tive que tirar a máscara. Não tive o direito nem de me proteger. Isso é o cúmulo da não autonomia [médica]”, afirmou. “A gota d’água para minha demissão diz respeito a algo que virou uma produção em série de distribuição de kits. O paciente só ia passando pelos enfermeiros, que já estavam com o kit pronto e iam entregando. Não havia mais uma avaliação adequada do paciente. Chegou com sintoma gripal, ‘toma o kit e vai embora'”, acrescentou.

O vice-presidente da comissão, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), comparou a dinâmica da Prevent Senior com uma tática nazista. “Há coisas na vida que não possuem dois lados. Torcer para um time pode ter dois lados. Defender a vida não pode ter dois lados. Com o depoimento de vocês dois, senhor Walter e senhor Tadeu, descobrimos um esquema. Ao olharmos para o juramento de lealdade e obediência e o hino da empresa, não tem como não chamar essa prática nazista”, disse.

‘Efeito Bolsonaro’

Ao longo da sessão, os senadores também exploraram a atuação do presidente Jair Bolsonaro na defesa de medicamentos comprovadamente ineficazes contra a Covid-19. Os parlamentares exibiram um tuíte do mandatário do país no qual ele fala sobre “benefícios” da cloroquina e a redução do número de óbitos – a informação foi desmentida por Walter Neto. O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), também citou o colapso da rede hospitalar de Manaus, capital do Amazonas, no início do ano. À época, pessoas morreram sem oxigênio, mas Mayra Pinheiro, a “capitã cloroquina”, secretária do Ministério da Saúde, viajou até a cidade para lançar o aplicativo TrateCov, que receitava o “kit-Covid” indiscriminadamente. “Se tratamento precoce prestasse, não precisaria de oxigênio. Tem prova maior que isso não presta?”, questionou Aziz. “Até hoje a Mayra, que levou morte a Manaus, continua no cargo”, disparou. “Os testemunhos de hoje completam uma engrenagem que descobrimos nessa CPI. Uma engrenagem que tinha a Prevent Senior como laboratório de testes, tinha o presidente Bolsonaro falando dos testes [com cloroquina feitos pela operadora], o deputado Eduardo Bolsonaro, o senador Flávio, nosso colega, a deputada Carla Zambelli, todos fazendo propaganda. O que assistimos aqui hoje é a narrativa de um senhor salvo pela sua família, que está conosco graças à coragem de sua filha”, acrescentou Randolfe.

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