Planalto aposta em agenda econômica para driblar obstrução no Congresso, mas esbarra em ‘mobilização permanente’ da oposição

Governo quer votar Desenrola Brasil e taxação das offshores, mas parlamentares ouvidos pela Jovem Pan descartam retomada dos trabalhos e falam em resposta a ‘atropelos’ do STF

  • Por Caroline Hardt
  • 01/10/2023 16h15
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Bruno Spada / Câmara dos Deputados Câmara dos Deputados Plenário da Câmara dos Deputados durante Homenagem ao Centenário da Escola de Samba Portela

Em meio aos esforços do governo federal para aprovar pautas prioritárias, como a Medida Provisória (MP) 1176/2023, que cria o Desenrola Brasil e garante a continuidade do programa de renegociação de dívidas, lideranças do Palácio do Planalto esbarram na mobilização da oposição para manter a obstrução integral dos trabalhos na Câmara dos Deputados e no Senado Federal por “tempo indeterminado”. O movimento é coordenado pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) com apoio de outras bancadas, como as da bala e da Bíblia, em resposta a recentes decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre o marco temporal de terras indígenas e a descriminalização das drogas e do aborto, entre outros. Apoiadores da obstrução alegam que os julgamentos na Corte representam uma “invasão” a competências do Legislativo e afirmam que a resposta dos congressistas chega já atrasada. “Há tempos o STF age com ativismo judicial, ‘legislando’ em nosso lugar”, disse o deputado Marco Feliciano (PL-SP) ao site da Jovem Pan.

O movimento de obstrução no Parlamento foi anunciado pelo presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP-PR) na semana passada, minutos após o Supremo formar maioria contra a tese do marco temporal, que fixaria a data de 5 de outubro de 1988 como parâmetro para a reinvindicação de terras indígenas. Como a reportagem mostrou, na ocasião, Lupion descartou qualquer possibilidade da bancada ruralista aceitar a decisão da Corte calada. “O que não podemos aceitar é que o STF ultrapasse os limites dos Poderes”, afirmou, prometendo inclusive a apresentação de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) para frear o poder das decisões do STF – proposta que, de fato, foi protocolada no dia seguinte, em iniciativa capitaneada pelo senador Hiran Gonçalves (PP-RR). Assim, desde o início da última semana, deputados e senadores esvaziaram sessões. Na terça-feira, 26, por exemplo, as duas Casas sequer abriram votações em plenário. Para a próxima semana, a previsão é que a mobilização ganhe mais força e apoio nas redes sociais. “Estamos em obstrução até que haja uma resposta clara e firme do Congresso Nacional para que possamos restabelecer o equilíbrio e independência entre os Poderes e a normalidade democrática. Pedimos seu apoio e compreensão, é pelo futuro da nação”, escreveu nas redes sociais o líder da oposição na Câmara, deputado Carlos Jordy (PL-RJ).

Neste cenário, a possibilidade de mais uma semana com obstrução preocupa o Planalto, uma vez que pode colocar em risco o programa Desenrola Brasil, bem como outras pautas de interesse do Executivo. Para evitar a continuidade do movimento, o governo planeja uma “força-tarefa” para destravar votações em tempo recorde. Por um lado, uma das possibilidades é a construção de um acordo entre líderes da oposição e do governo para que sejam votadas matérias de “interesse comum”. Se a ideia não prosperar, o Planalto tem um trunfo para pressionar os congressistas: a inclusão de temas da agenda econômica, que esbaram em interesses dos opositores, na pauta de votação. O assunto foi abordado em reunião do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT). Entre os temas elencados está o projeto do marco legal das garantias e o texto que estabelece a taxação das offshores e dos fundos exclusivos. Para Haddad, a expectativa é que ao menos três propostas sejam apreciadas na Câmara dos Deputados, além da MP do Desenrola Brasil no Senado Federal antes de 3 de outubro, data em que a proposta vai caducar, isto é, perder a validade.

Ainda que sejam temas de interesse dos opositores, há parlamentares que querem a continuidade a mobilização. A deputada Bia Kicis (PL-DF) defende que os parlamentares sigam “firmes”, ainda que exista o risco da obstrução prejudicar a votação de pautas de interesse do próprio Parlamento. A única exceção seria a aprovação de temas que deem uma resposta ao STF, como a autointitulada “PEC do Equilíbrio”, apresentada nesta semana pelo deputado Domingos Sávio (PL-MG). “Vamos seguir firme em nosso propósito; o Senado conseguiu derrubar a sessão e no dia seguinte aprovou o marco temporal. É uma resposta que quem tem que legislar esses temas é o Congresso. Vamos continuar a obstrução”, afirmou ao site da Jovem Pan. Vice-líder da oposição na Câmara, o deputado Maurício Marcon (Podemos-RS) defende que a desidratação da pauta ocorra até que a “usurpação de poder promovida pelo STF” seja cessada. “Essa manifestação exige que Lira e Pacheco coloquem em pauta projetos que garanta a volta das prerrogativas do Congresso Nacional. Não queremos viver em uma ditadura do judiciário”, argumentou.

À reportagem, outros parlamentares também adotam defenderam posicionamentos semelhantes. A deputada Júlia Zanatta (PL-SC) entende que a obstrução deve continuar “enquanto o STF permanecer invadindo competências” do Legislativo. Segundo ela, o Congresso não pode ficar inerte diante de tamanho desrespeito, ainda que traga impactos nas votações. “A minirreforma eleitoral pode esperar, não é urgente. A usurpação das nossas competências é urgente”, afirmou. Para o deputado José Nelto (PP-GO), correligionário de Lira, o movimento promovido pela posição e pela minoria deve continuar, sem possibilidade de acordos e brechas para votações durante a obstrução. “Temos que colocar o STF no seu devido lugar, que é julgar e não legislar e executar”, disse o parlamentar. Assim como ele, o deputado Pastor Eurico (PL-PE) argumenta que o Parlamento respeita o STF, mas não está “ajoelhado diante das suas decisões”. “Há casos que todos já sabem que comprovadamente está caracterizado como usurpação do poder, então nós não podemos permitir que o STF venha legislar em nosso lugar”, concluiu.

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