STF deve decidir se federações partidárias poderão funcionar como coligações nas eleições

Segundo cientista político, alguns pontos que não ficaram claros no texto da lei promulgada deverão ser debatidos pelo Judiciário

  • Por Pedro Jordão
  • 03/10/2021 10h00 - Atualizado em 02/05/2022 11h18
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Marcos Corrêa/PR - 29/09/2021 Presidente Jair Bolsonaro (PL) Presidente Jair Bolsonaro discursou no lançamento do evento Marcha para Jesus

Na última quarta-feira, 29, foi promulgado e publicado no Diário Oficial da União (DOU) a Lei das Federações Partidárias, que permite que dois ou mais partidos políticos se unam para atuar como uma única agremiação, devendo permanecer na estrutura por pelo menos quatro anos. O projeto, sugerido pela Comissão da Reforma Política do Senado Federal, já havia sido aprovado pela casa em agosto e foi vetado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sob o argumento de que contrariava o interesse público. Segundo Bolsonaro, as federações iriam inaugurar “um novo formato com características análogas a das coligações partidárias”. Proibidas desde 2017 para eleições proporcionais, de cargos legislativos, as coligações ficaram de fora da PEC da Reforma Eleitoral, promulgada um dia antes, na terça-feira, 28. Segundo o cientista político e professor de Direito Constitucional da Universidade de São Paulo (USP), Roger Leal, a decisão sobre o uso das federações para contornar o fim das coligações proporcionais caberá ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Leal explica que as características que definem os dois instrumentos são diferentes, sendo a coligação algo momentâneo e com objetivo eleitoral e a federação mais duradoura. “Durante o período eleitoral, tínhamos as coligações de vários partidos, por vezes, muito diferentes entre si. O eleitor votava em um candidato e, às vezes, até na legenda, e o voto acabava valendo para eleger um candidato de outro partido, que muitas vezes não tinha uma afinidade ideológica com aquele em quem o eleitor tinha votado. Isso gerava uma confusão e foi usado para extinguir as coligações em eleições proporcionais. Já a federação de partidos tem uma característica um pouco diferente. Ela não é uma aliança episódica para eleição, ela durará no mínimo quatro anos, segundo a lei. É como se fosse um casamento. Os partidos de uma federação vão funcionar, no âmbito parlamentar, como se fossem um só”, explica o professor.

Entretanto, ainda segundo Leal, o texto da lei promulgada não deixa claro se as federações vão funcionar também como coligações nas eleições, ao permitir que os partidos se beneficiem do quociente eleitoral uns dos outros para eleger seus candidatos. “Ainda que se possa presumir isso, a Constituição Federal veda as coligações nas eleições proporcionais. Então, quem vai definir essa questão é o Judiciário, em última instância, o Supremo Tribunal Federal. Ou o Judiciário vai conseguir caracterizar que uma coligação é uma aliança episódica e que uma federação se projeta no tempo, que é uma aliança partidária, e não meramente eleitoral, e assim permitir uma relação mais próxima, inclusive para as eleições proporcionais, como se coligação fosse, ou vai dizer que a federação pode existir, mas que ela não permite o efeito de coligação proporcionais”, afirma. Outro ponto que não fica claro no projeto é se os partidos unidos em uma federação poderão se beneficiar uns dos outros para atingir a cláusula de desempenho, que estabelece limites mínimos de desempenho eleitoral para que uma legenda possa ter acesso ao fundo partidário e à propaganda gratuita de rádio e TV. “O texto [da cláusula de desempenho] fala em partidos políticos e, em tese, federação não é partido. Ainda assim, isso também seguirá para avaliação do poder Judiciário”, explica Leal. Para ele, caso a federação não possa beneficiar os partidos em nenhum dos dois pontos, ela deverá ser muito menos usada que o esperado, já que apresentará possibilidades de vantagens minimizadas.

Na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, a parlamentar Simone Tebet (MDB-MS), relatora da PEC da Reforma Eleitoral, se posicionou fortemente contra as coligações partidárias, afirmando que, atualmente, elas podem ser entendidas como inconstitucionais por agredir o voto direto e o poder de escolha nas eleições. Para Tebet, com as coligações, o eleitor nunca poderia saber quem o seu voto ajudaria a eleger. A parlamentar, no entanto, defende a Lei das Federações Partidárias e afirma que são dois mecanismos diferentes. “A federação partidária, que já é aplicada em democracias modernas do mundo, vem se somar ao esforço que o Congresso Nacional tem e quer, primeiro, de acabar com os partidos de aluguel, e, segundo, fazer com que nós tenhamos menos partidos, mas partidos ideológicos, que pensam igual, caminhando juntos nos quatro anos pós-eleição”, comentou a senadora. “Nós queremos uma democracia forte e consolidada na qual o presidente da República — seja ele qual for, de esquerda, de direita, o atual, o ex-presidente, o futuro presidente, uma terceira via, não importa — tenha condições de governar o país sem o chamado presidencialismo de coalizão, do toma lá-dá-cá. Daí a importância das federações partidárias, de nós estarmos unindo partidos que pensam o projeto de país de forma igualitária, com um mesmo viés ideológico, para que se unam não só no período da eleição, isso é que é importante, mas para, nos próximos quatro anos, serem liderados por um único líder, conduzidos na mesma corrente ideológica”, afirmou Tebet.

Em discordância do argumento da senadora, o professor Roger Leal acredita que as federações não deverão contribuir para uma melhor governabilidade. “Temos cerca de 30 partidos no parlamento e isso torna a governabilidade algo muito difícil, porque construir maioria com todos eles é muito complicado. Talvez a emenda 97 de 2017 à Constituição, que impede as coligações proporcionais e institui a cláusula de desempenho, tenha sido uma primeira medida para a redução desse quadro, não a ideal, mas a possível. Quando se cria a federação de partidos, ela poderá ser um elemento que vai abalar esses dois primeiros pontos, caso a Justiça entenda que a federação poderá se apresentar como um único partido ou coligação e que pode ser usada como base para cumprir a cláusula de desempenho. Nesse cenário, as federações vão atuar contra o processo de racionar o quadro partidário e, portanto, contra uma ideia de melhor governabilidade, dificultando o funcionamento de qualquer governo que se eleja”, afirma o cientista político. “Temos que ver o que o Judiciário vai dizer, mas a criação da federação de partidos aparenta tentar construir uma solução para contornar a vedação da coligação proporcional e os limites da cláusula de desempenho. Se for isso, se essa aparência se verificar na prática, teremos de volta algo que já havia sido eliminado do sistema”, finaliza Leal.

O que determina a Lei das Federações Partidárias

O texto da lei promulgada por Bolsonaro na última quarta-feira, 29, diz que dois ou mais partidos políticos podem se unir em uma federação, que passa a atuar como se fosse uma única sigla durante pelo menos quatro anos e com abrangência nacional. Apesar das legendas manterem identidade e autonomia, os parlamentares eleitos deverão respeitar a fidelidade ao estatuto da federação. Por sua vez, o novo grupo deve cumprir todas as normas que regem as atividades dos partidos políticos: escolha e registro de candidatos, arrecadação e aplicação de recursos em campanhas, propaganda eleitoral, contagem de votos e convocação de suplentes, por exemplo. O parlamentar que se desfiliar sem justa causa de um partido de federação perde o mandato. Caso um partido deixe a federação antes do tempo mínimo ele ficará impedido de ingressar em outro grupo nas duas eleições seguintes. A legenda também é penalizada ao perder o direito de utilizar o dinheiro do fundo partidário até que complete o prazo inicial de quatro anos.

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