STF decide contra retroatividade da nova Lei de Improbidade para casos concluídos
Apesar do resultado, Supremo concluiu que mudanças na legislação podem ser aplicadas em processos pendentes, beneficiando condenados em ações que ainda cabem recursos
O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) se manifestou contrário à retroatividade das mudanças feitas pelo Congresso Nacional na Lei de Improbidade Administrativa. Com o placar de 6 votos a 5, fica impedido o efeito retroativo da nova legislação para beneficiar condenados pela lei antiga em processos já encerrados. Atualmente, a Lei de Improbidade Administrativa, aprovada em outubro de 2021, determina que seja comprovado dolo no ato irregular cometido. Ou seja, as condenações estão vinculadas com a comprovação de intenção do agente público ou político de cometer a irregularidade. Entretanto, anteriormente, não havia a exigência de materializar a intenção do ato, apenas sendo necessário confirmar a culpa, tipificando a improbidade culposa, que se refere ao cometimento de ato irregular, ainda que sem intenção.
Apesar do resultado, a Suprema Corte também decidiu, por 7 votos a 4, que as mudanças na legislação podem ser aplicadas em processos pendentes, beneficiando condenados por improbidade culposa em ações que ainda cabem recursos. Como a Jovem Pan mostrou, o processo analisado é o da ex-procuradora Rosemery Terezinha Cordova, contratada para defender em juízo os interesses do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), mas condenada a ressarcir os prejuízos, na ordem de R$ 391 mil, causados a autarquia por negligência em sua função. A procuradora atuou entre 1994 e 1999, e a ação foi proposta em 2006. Ela argumenta que a ação teria sido proposta após o prazo de prescrição de cinco anos, uma vez que a nova legislação também altera o tempo para prescrição, que diminuiu e fixou que a condenação por improbidade pode acontecer apenas se comprovado dano ao patrimônio público.
Saiba como os ministros votaram
Após manifestações de autoridades e entidades com posicionamentos favoráveis e contrários à retroatividade da Lei de Improbidade Administrativa, como o procurador-geral, Augusto Aras, que falou em retrocesso no combate à corrupção no Brasil, em caso de aprovação da retroatividade, o primeiro a se manifestar foi o relator do caso, ministro Alexandre de Moraes. Ele apresentou seu voto contrário à possibilidade de aplicação da nova legislação para beneficiar agentes condenados pela norma anterior, cujos processos estão concluídos, sem direito a recurso. Segundo ele, a improbidade administrativa culposa, até então aplicada no Brasil, nunca foi considerada inconstitucional pela Suprema Corte. Além disso, ele menciona que o texto aprovado pelo Congresso Nacional não inclui tempo de transição ou “previsão de anistia geral para todos aqueles que, nesses 30 anos, foram condenados pela forma culposa”. De acordo com ele, a nova legislação apenas estabeleceu “uma genérica aplicação ao sistema de improbidade administrativa”, ao concluir pela não retroatividade da legislação. “O princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica não tem aplicação automática para responsabilidade por atos civis por atos improbidade administrativa. Por ausência de expressa previsão legal e sob pena de desrespeito à constitucionalização. Ou seja, não há retroatividade da previsão benéfica, a revogação do ato de improbidade administrativa culposo, por ausência expressa dessa previsão legal e, repito, sob pena de desrespeito à constitucionalização de regras rígidas de regência da administração pública e responsabilização de agentes públicos corruptos, seria um flagrante desrespeito e enfraquecimento do direito administrativo”, mencionou. Apesar da decisão, Alexandre de Moraes defendeu que julgamentos em andamento devem considerar a nova legislação, uma vez que, sem a norma antiga “não é possível manter a sua aplicação”. O ministro ainda exalta que a decisão não significativa uma extinção automática de todas as ações envolvendo improbidade culposa, sendo necessária uma análise “caso a caso”. Ainda a respeito do caso julgado, Moraes também se posicionou contrário à aplicação dos novos prazos de prescrição para julgamentos antigos.
Adiante, o ministro André Mendonça, apresentou a primeira divergência quanto ao voto do relator. Na visão do ministro, é possível “o manejo rescisório para os casos exclusivamente culposos, até por questão de justiça”. Em outras palavras, ele considera válida a aplicação da nova lei em casos já transitados em julgado, sendo possível o princípio da retroatividade para casos de improbidade culposa, ou seja, sem comprovação de dolo ou intenção do agente público. Além disso, Mendonça também votou favorável à aplicação da nova lei para casos em andamento e aos que vierem a ser apresentados, posição que segue o relator. “As alterações promovidas pela nova lei em relação ao elemento subjetivo, apto a configurar o ato de improbidade administrativa, aplicam-se aos processos em curso e aos fatos ainda não processados. Porém, em adição, agrego um elemento. Diante da proteção constitucional a coisa julgada, a aplicação da referida tese quando cabível aos processos já transitados em julgados, dependerá do manejo da ação rescisória. Ou seja, se houver ainda uma ação transitada em julgado, há, no meu entendimento, a possibilidade de manejo em relação à questão de culpa, alguém responsabilizado em função de culpa”, defendeu. Com posição semelhante, o ministro Dias Toffoli votou nesta quarta-feira, 17, também pela retroatividade da lei, exaltando que o efeito de retroagir é válido sempre para beneficiar os agentes públicos. “A regra é de aplicação da norma mais benéfica sempre ao cidadão, ao particular, sobretudo quando se amplia um direito de um lado e se reduz o poder punitivo estatal do outro, legitimamente pelo Congresso Nacional, com autoridade para fazê-lo”, afirmou. O posicionamento do ministro também é favorável à aplicação da lei para processos futuros e julgamentos em tramitação. “Aos [processos] futuros, ainda em curso e execuções das penas, assim como aos demais incidentes dos atos de improbidade culposos, adotando a mesma premissa e a mesma lógica de benefício do réu. Inclusive, atingindo execuções de sanções já transitadas em julgado, em andamento, que poderá o responsável decretar absolvição e não punibilidade”, destacou.
Entre os contrários aos benefícios retroativos, também somam-se os ministros Nunes Marques, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber e Cármen Lúcia, apesar de existirem particularidades opostas nos votos proferidos. Kassio Nunes Marques, por exemplo, entende que a nova lei não deve retroagir para agentes públicos já condenados, embora seja ser considerada para julgamentos em tramitação e pendentes em 26 de outubro de 2021, data de entrada da lei em vigor, não existindo uma “anistia geral” dos processos de improbidade. Entretanto, o voto do ministro difere do relator a respeito da prescrição, uma vez que Nunes Marques defende que os novos prazos devem ser aplicados para casos em andamento. Por sua vez, o ministro Luís Edson Fachin recusou qualquer possibilidade de retroatividade da nova legislação, afirmando que sendo um ato civil, “não pode retroagir ante o risco de se violar o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e direito adquirido”. O entendimento também é defendido por Luís Roberto Barroso, que rechaçou qualquer exceção para o efeito retroativo, e Rosa Weber e Cármen Lúcia. “Não tem qualquer dúvida em que os casos de improbidade não são de direito penal, então não retroagirá”, disse a magistrada.
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