Cachorro de estimação fica em coma após comer osso envenenado em Moema
O editor de uma das principais revistas de São Paulo, a Gol Air, manda um recado que Joseval Peixoto reproduz (Ouça no áudio acima).
Ele passeava com o cachorro em Moema e comeu um osso com veneno, possivelmente colocado por lojistas da região. O animal ficou em coma.
O amor pelo cachorro é muito grande.
Joseval só conhece na literatura um poema de alguém que detestava cachorro. Veja abaixo:
De Luis Guimarães:
Eu tive um cão. Chamava-se Veludo
Magro, asqueroso, revoltante, imundo,
Para dizer numa palavra tudo,
Foi o mais feio cão que houve no mundo.
Recebi-o das mãos de um camarada,
Na hora da partida. O cão gemendo
Enfim — mau grado seu — o vim trazendo.
O meu amigo cabisbaixo mudo
Olhava-o… o sol nas ondas se abismava…
“Adeus” — me disse — e ao afagar Veludo,
Nos olhos seus o pranto borbulhava.
“Trata-o bem. Verá que o rafeiro
Te indicará os mais sutis perigos;
Adeus! E que este amigo verdadeiro
Te console no mundo ermo de amigos.”
Veludo a custo habituou-se à vida
Sua rugosa pálpebra sentida
Que o destino de novo lhe escolhera;
Chorava o amigo que perdera.
Nas longas noites de luar brilhante
Febril, convulso, trêmulo, agitando
A sua cauda — caminhava errante
À luz da lua — tristemente uivando.
Toussenel Figuier e a lista imensa
Dos modernos zoológicos doutores
Dizem que o cão é um animal que pensa:
Talvez tenham razão estes senhores.
Lembro-me ainda trouxe o correio
Cinco meses depois do meu amigo
Um envelope fartamente cheio:
Era uma carta. Era uma artigo.
Contendo a narração miúda e exata
Da travessia. Dava-me importantes
Notícias do Brasil e de La Prata.
Falava em rios, árvores gigantes.
Gabava o steamer que o levou: dizia
Que ia tentar inúmeras empresas:
Contava-me também que a bordo havia
Toda sorte de risos e beleza.
Finalmente, por baixo disso tudo
Em nota bem do melhor cursivo
Recomendava o pobre cão Veludo
Pedindo que o conservasse vivo.
Enquanto eu lia, o cão tranquilo e atento
Me contemplou e — creia que é verdade.
Vi, comovido, vi nesse momento
Seus olhos gotejaram de saudade.
Depois lambeu-me as mãos humildemente
Estendeu-se aos meus pés atencioso
Movendo a cauda — e adormeceu contente
Farto dum puro e satisfeito gozo.
Passou-se o tempo. Finalmente um dia
Vi-me livre daquele companheiro;
Para nada, Veludo me servia
Dei-o à mulher dum velho carvoeiro.
E respirei: Graças a Deus já posso
Dizia eu “viver neste bom mundo
Sem ter que dar diariamente um osso
A um bicho vil a um feio cão imundo.”
Gosto dos animais, porém prefiro
A essa raça baixa e aduladora
Uma alazão inglês, de sela ou tiro.
Ou uma gata branca cinzadora.
Mas respirei porém: Quando dormia,
E a negra noite amortalhava tudo,
Senti que à minha porta alguém batia:
Fui ver que era. Abri. Era Veludo.
Saltou-me às mãos, lambeu-me os pés ganindo.
Farejou toda a casa satisfeito;
E — de cansado — foi rolar dormindo,
Como uma pedra junto do meu leito.
Praguejei furisco. Era execrável
Suportar esse hóspede importuno
Que me seguia como o miserável
Ladrão, ou como um pérfido gatuno.
E resolvi-me enfim. Certo é custoso
Dizê-lo em alta voz e confessá-lo
Para livrar-me desse cão leproso
Havia um meio só: era matá-lo.
Zunia a asa fúnebre dos ventos;
Ao longe o mar na solidão gemendo,
Arrebentava em uivos e lamentos…
De instante a instante o tufão crescendo.
Chamei veludo: ele seguiu-me. Entanto
A fremente borrasca me arrancava
Dos frios ombros o revolto manto.
E a chuva meus cabelos fustigava.
Despertei um barqueiro. Contra o vento,
Contra as ondas coléricas vagamos;
Dava-me força o torvo pensamento:
Peguei num remo — e com furor remamos.
Veludo à proa olhava-me choroso,
Como o cordeiro no final momento.
Embora! Era fatal! Era forçoso
Livrar-me enfim desse animal nojento.
No largo mar ergui o nos meus braços,
E arremessei-o às ondas de repente…
Ele moveu gemendo os membros lassos
Lutando contra a morte! Era pungente!
Voltei à terra — entrei em casa. O vento
Zunia sempre na amplidão profundo.
E pareceu-me ouvir o atroz lamento
De Veludo nas ondas moribundo.
Mas, ao despir dos ombros meus, o manto
Notei — oh grande dor! Haver perdido
Uma relíquia que eu rezava tanto!
Era um cordão de prata: eu tinha-o unido.
Contra o meu coração constantemente.
E o conservava no maior recato,
Pois minha mãe me dera essa corrente
E, suspenso à corrente, o seu retrato.
Certo caíra além do mar profundo
No eterno abismo que devora tudo;
E foi o cão, foi esse cão imundo
A causa do meu mal! Ah! se Veludo
Duas vidas tivera — duas vidas
Eu arrancara aquela besta morta,
E aquelas vis entranhas corrompidas!
Nisto senti uivar à minha porta.
Corri, abri… Era Veludo! Arfava:
Estendeu-se aos meus pés — e docemente
Deixou cair da boca que espumava,
A medalha suspensa da corrente.
Fora incrível, oh Deus! — Ajoelhado
Junto ao cão — estupefato absorto,
Palpei-lhe o corpo, estava enregelado
Sacudi-o, chamei-o! Estava morto.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
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