Como Karol Conká, militantes se aproveitam de belas causas para endossar seus narcisismos

Isso de alguém se utilizar de bons princípios para escudar sua própria crueldade e narcisismo, de querer massacrar os outros, ocorre o tempo todo, mas sem câmeras

  • Por Adrilles Jorge
  • 27/02/2021 11h40
Reprodução/Globo Karol Conká foi eliminada do Big Brother Brasil na última terça-feira com o maior índice de rejeição da história do programa

Há certo vícios que podem servir a certas virtudes. Um neurótico confesso pode transformar sua obsessão e compulsão em trabalho sobre a natureza humana e sobre um sentido arbitrário e imposto de vida. Pelo contrário, certas virtudes se prestam a pessoas viciosas. O identitarismo é exemplo crasso disso hoje. Militantes feministas, racialistas, gayzistas esmagam qualquer pessoa que se interponha à causa. Muitos aproveitam para criar um escudo de proteção que endossa seu narcisismo. É o caso de Karol Conká, participante do ‘BBB21’, eliminada com o maior índice de rejeição da história. Empoderada, feminista, racialista, narcisista, Karol fez fama com músicas que falam sobretudo de autoestima. A vítima preferencial que tomba uma sociedade preconceituosa. Muitas pessoas se escondem nas palavras e exercem uma existência dissonante de seu discurso. Karol massacrou, humilhou, perseguiu, manipulou e mentiu para pessoas dentro da casa. Justificou tudo pelos traumas passados. Justificou sua falta de empatia por ter total controle de sua vida aqui fora. E, neste contexto, não mentiu. Toda megalomania nasce de um extremo controle. Controle total da vida é o não conflito, o não contraste, o não conflito e embate que nos permite amadurecer no diálogo com outras pessoas. O discurso radical identitário de Karol a blindou de qualquer crítica aqui fora. Controlando pessoas e circunstâncias, o megalômano cria sua mitomania: o megalômano mitômano passa a crer nas próprias mentiras; passa a possuir uma realidade que se coaduna a seu narcisismo. E quando faz isso, dispõe de pessoas a seu bel-prazer, para seu afeto ou para eliminação de quem se interpõe em seu caminho.

O identitarismo blindou Karol Conká aqui fora e em alguma medida lá dentro também. Quando a moça humilhava outras pessoas, quase ninguém a contestava. Uma mulher empoderada, forte, negra, artista consagrada não poderia não ser vista em seu critério rígido de justiça, deviam pensar os omissos ao seu redor. Enquanto isto, aqui fora, o pasmo geral de ver alguém se colocando como justiceira e carrasca baseada numa mentira absoluta sobre a realidade. As pessoas viram a hipocrisia gritante da falsa heroína narcisista. Isso de alguém se utilizar de belas causas e bons princípios para escudar sua própria crueldade e narcisismo, de querer massacrar os outros, ocorre o tempo todo, mas sem câmeras. Ocorre o tempo todo em redes sociais, onde heróis narcísicos massacram pessoas por uma palavra que seja que não se coaduna a seu narcisismo identitário e vitimista.

E este narcisismo histérico muitas vezes é recompensado. No ‘BBB’ mesmo, tempos atrás, houve uma personagem narcísica que ganhou fama por se colocar como justiceira mesmo fora da casa, se projetando como sincera, autêntica, vingadora. Ora, a sinceridade não é uma virtude pura. Ela depende do conteúdo do sincero. Uma pessoa pode usar da prerrogativa da sinceridade para humilhar e mascarar alguém. A sinceridade absoluta é uma egolatria. Ninguém se conhece tão a fundo a ponto de estabelecer julgamento sumário a respeito de outra pessoa a ponto de destruí-la. O narcisista sincero é sempre o carrasco sincero. Muitas vezes aplaudido pelo público que confunde autenticidade com crueldade. Karol Conká sabe disto quando aqui fora se projeta e se vende como vilã carismática. Em comunicação de massas, tudo pode ser ganho; a vilania, o vitimismo, a redenção. Não sei se Karol vai ou quer se redimir algum dia ou quer apenas alicerçar seu narcisismo com pena ou misericórdia coletiva. O fundamental é perdoá-la. Perdoar é a melhor vingança a quem nos massacra. O perdão é uma virtude que também escamoteia um vício. Mas um vício benéfico: a vingança quando para melhoria do outro é a premissa da justiça. Perdoar é a tentativa de melhoria misericordiosa do perdoado. Mas perdoar não é esquecer o que o vilão fez, sobretudo não endossar a vilania como um sinal de carisma.

Uma pessoa perdoada pode usar do perdão para transformar sua má ação em remorso continuado, um malfeitor que segue fazendo maus feitos, sempre se remoendo – por dentro ou por fora – como fazem os narcisistas. E remorso é diferente de arrependimento, em que o arrependido tenta reconstruir seu caráter com base em uma observação distanciada e crítica de si mesmo. Já o narcisista nunca consegue se afastar de si mesmo. O mundo é ele e sua vontade. Uma má pessoa pode mudar, transformar seu caráter. Grandes santos foram grandes pecadores. Mas uma pessoa narcisista pode enganar a todos projetando uma falsa mudança apenas para a percepção que o mundo faz dela. Cuidado. Ocorre isto o tempo todo na mídia, este paraíso de boas intenções e egos inflados. E ocorre isto o tempo todo – ao seu lado.

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