Brasil soma novo fracasso na vacinação contra a Covid-19 e fica cada vez mais para trás

No país surrealista em que vivemos, corremos o risco de ter vacina e não ter a seringa para aplicar

  • Por Álvaro Alves de Faria
  • 31/12/2020 15h35
EFE/Javier Cebollada/Archivo No primeiro pregão no Ministério da Saúde, empresas informaram que poderiam produzir 7,9 milhões de seringas; governo precisa de 331 milhões

Às vezes não sabemos se é para rir ou para chorar. Mas acabamos sempre chorando. As cenas brasileiras são antológicas. Estamos em plena guerra das vacinas e eis que agora estamos diante de outra: a guerra das seringas. Essa nova guerra promete ser emocionante e lastimável ao mesmo tempo. No país surrealista que é o Brasil, corremos o risco de ter vacina e não ter a seringa para aplicar. Isso mesmo. Pela incompetência e descaso de um governo sem rumo, é quase certo que faltarão seringas e agulhas na hora da vacinação. Se é que teremos mesmo vacinação. Ninguém sabe ao certo, tal o desmando com que o assunto é tratado. Nem dá para comentar essa insanidade. Todos os países do mundo se prepararam para esse momento, menos o Brasil, onde tudo corre ao vai da valsa. 

As empresas que participaram do primeiro pregão no Ministério da Saúde, na terça-feira, 29, não garantiram entregar as seringas a tempo. Foi um vexame. O governo comunicou que queria comprar 331 milhões de seringas, mas as empresas informaram que poderiam produzir somente 7,9 milhões. Quer dizer: se as vacinas estivessem à disposição hoje, o Brasil não teria seringas e agulhas em número suficiente para atender a população. É incompetência demais. O Brasil não merece esse desleixo. Antes de tudo, é uma falta de respeito para com o próprio país. As empresas não esconderam suas críticas ao Ministério da Saúde. E nisso tudo há, ainda, um erro que qualquer país mais ou menos sério não cometeria: o governo encomendou seringas e agulhas como um só produto, e não é assim. Fora isso, quis fixar um preço completamente fora da realidade, que os fabricantes não aceitaram.

Dezenas de países já começaram a campanha de vacinação, entre eles Estados Unidos, China, Canadá e Rússia, para citar apenas estes. E o Brasil ficou esperando, esperando, esperando. O Brasil só fica na espera e vai ficando cada vez mais para trás. Basta lembrar o novo problema que revela bem o descaso: ao meio da discussão da vacinação, surge a questão da seringa e da agulha. Talvez o Ministério da Saúde tenha esquecido ou não sabia que para vacinar precisa de seringa. Na verdade, ainda não existe vacina nenhuma para o Brasil. A incompetência reina à vontade num governo distante do próprio país. O secretário-executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco, tem dito por aí que a vacinação no Brasil será iniciada entre 20 de janeiro e 10 de fevereiro de 2021. Mas precisa ter vacina, claro. E vacina aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa. Resumindo toda a história: o Brasil soma um novo fracasso nessa questão da vacinação contra a Covid-19 e ainda conseguiu sequer fechar um contrato para compra de seringas e agulhas. 

O Ministério da Saúde vai realizar um novo pregão para tratar do assunto, mas sem data marcada ainda. Não precisa marcar data para nada. O problema vem lá de trás, de meses de descaso. A Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos, Odontológicos, Hospitalares e de Laboratórios informou que desde o mês de julho de 2020 vem alertando o governo sobre o problema, pedindo um planejamento para a aquisição das seringas e das agulhas. Desde julho. Mas ninguém “deu bola para isso aí”. E o tempo foi passando até que se chegou a este verdadeiro ridículo. Sim, isso é ridículo. Em um país que se deseja sério isso não pode ocorrer. Não há tempo para mais nada. Os fabricantes estão produzindo seringas e agulhas para vários países do mundo que se adiantaram ao problema, com um planejamento sério diante do que estaria por acontecer. Esses países se anteciparam. O Brasil ficou adormecido no seu berço esplêndido, como sempre costuma fazer. E agora deu nisso. Em outras palavras: os empresários temem não ter condições de atender o governo, porque 331 milhões de seringas e agulhas não se produzem da noite para o dia. E há ainda o problema da falta do insumo para a produção, já que o mundo inteiro está fabricando as seringas, obedecendo a um calendário estabelecido há meses, o que não aconteceu com o Brasil, que sempre deixa para depois. País que não tem planejamento, com a participação direta do governo, pode mesmo ficar sem o produto que necessita.

Então estamos assim no país do faz de conta. Repetindo: no pregão realizado pelo Ministério da Saúde, o Brasil informou que precisava de 331 milhões de seringas para a vacinação. Os produtores garantiram somente 2,4% desse total, o que soma 7,9 milhões. É pouco. Não dá para nada. Já São Paulo dispõe de 71 milhões de seringas e agulhas, que comprou durante a pandemia. Então, além da guerra das vacinas, temos agora também a guerra das seringas. O governador João Doria está ganhando a guerra que trava com o presidente Jair Bolsonaro. Para cumprir o que prometeu, de começar a vacinação no dia 25 de janeiro em São Paulo, Doria tem que ter a aprovação da CoronaVac pela Anvisa. É jogo bruto mesmo. É a sina brasileira de sempre estar atrás, sempre distante. Neste caso, por incompetência e descaso. De repente, poderemos ter a vacina, mas não teremos a seringa e a agulha para aplicar. É o fim da linha.

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