Enquanto políticos vão prosseguir com a CPI da Covid-19, a pandemia continuará matando

Comissão será debatida durante um longo período e terá turbulências e discussões raivosas no país polarizado politicamente

  • Por Álvaro Alves de Faria
  • 27/04/2021 10h56
MATEUS BONOMI/AGIF - AGÊNCIA DE FOTOGRAFIA/ESTADÃO CONTEÚDO -22/03/2021 O presidente da república, Jair Bolsonaro, durante cerimônia no Palácio do Planalto O presidente Jair Bolsonaro afirma que a CPI da Covid-19 foi criada para prejudicar seu governo

O Brasil é mesmo um circo, com espetáculos diários cada vez mais mambembes. Mas fiquemos somente no dia de hoje, com a instalação da CPI da Covid-19. Tudo confuso. E, por incrível que pareça, a luz dos holofotes é para Renan Calheiros, ele, Renan Calheiros. Como pode? Bolsonaro continua a dizer que a CPI foi criada unicamente para prejudicar seu governo. Deve ter suas razões para fazer essa afirmação. Uma liminar da Justiça nesta segunda-feira, 26, impediu que Renan Calheiros assuma a relatoria da CPI. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, assegura que a decisão da Justiça não tem embasamento jurídico. Criticando a decisão, o presidente do Senado afirma que a liminar representa uma interferência e que cabe ao presidente da CPI indicar quem ele quiser para ser o relator. Por esse motivo, Pacheco afirma que vai ignorar a liminar. Simplesmente ignorar. Já os assessores de Renan entraram com recursos contra a decisão nesta madrugada, na tentativa de cassar a liminar da Justiça do Distrito Federal.

Muita coisa está em jogo na instalação da comissão. Na verdade, a CPI já está funcionando há vários dias com muitos rancores e ressentimentos. No final, o relator deverá ser mesmo o senador Renan Calheiros, notório campeão de processos acumulados nas costas que, por encanto, não caminham. A CPI nem começou ainda e já mostra o seu palco confuso. Renan ainda depende da Justiça para ser o indicado. Como pode ser relator alguém que já declarou que nada fará em relação a Alagoas, estado governado por seu filho? O presidente Bolsonaro sempre disse que essa CPI foi criada única e exclusivamente para prejudica-lo. A CPI passou a ferver em todas as rodas políticas na sexta-feira, 23, quando se tomou conhecimento da entrevista que o ex-secretário de Comunicação do Planalto, Fábio Wajngarten, concedeu à revista Veja, provocando todo tipo de reação. Fala-se que essa entrevista veio de encomenda, exatamente às vésperas da instalação da Comissão. Nas palavras de Wajngarten, Bolsonaro não teve nenhuma participação do que ocorreu de errado no enfrentamento da Covid-19. E os erros foram inúmeros. Como afirmou, tudo de ruim que aconteceu no combate à Covid-19 deveu-se à incompetência do ex-secretário da Saúde, general Eduardo Pazuello, demitido pelo presidente. Wajngarten assegura que, na gestão de Pazuello, houve incompetência e ineficiência em tudo. Além da omissão diante de vários problemas.

Já em relação a Bolsonaro, afirma que o presidente está “totalmente eximido de qualquer responsabilidade sobre isso”, acentuando que, se as coisas não aconteceram, não foi por culpa do Planalto. Por essa entrevista, Wajngarten já se considera convocado para depor na CPI da Covid-19 e deixa claro que tem muitas coisas a dizer, jogando todos os escombros do combate à pandemia nas costas do general Eduardo Pazuello que, conforme informou, estava para ser preso pela conduta à frente do Ministério da Saúde. O problema que vai render muito na CPI será a negação da compra da vacina da Pfizer, quando oferecida pelo laboratório em setembro de 2020. O contrato não foi fechado por incompetência e até descaso de Pazuello, conforme disse Wajngarten. Wajngarten não explica porque ele, secretário de Comunicação do governo, se meteu na negociação da vacina da Pfizer que o levou até a pedir uma ajuda nervosa ao ministro do STF Gilmar Mendes. Isso ele não explica.

O governo preparou um documento com 23 itens que apontariam suas falhas no combate à Covid-19. A Casa Civil está colhendo informações de todos os ministérios capazes de responder a essas possíveis acusações. São denúncias consideradas graves, difíceis de explicar, segundo alguns senadores integrantes da CPI. O governo deu mais munição para os adversários, que nem sabiam da existência de tantas questões para discutir na CPI. Os trabalhos da Comissão serão semipresenciais. A eleição do presidente e do vice será secreta. A ideia da CPI foi do senador Randolfe Rodrigues (Rede), depois do colapso no atendimento médico em Manaus, onde faltou todo tipo de medicamento e especialmente oxigênio. Por esse motivo, também será investigada a remessa de recursos do governo federal aos estados e municípios para enfrentar a pandemia. Para o governo, houve desvio de verbas. A verdade é que o alvo da CPI é mesmo o Planalto, especialmente o presidente Bolsonaro. Será mais um longo período de turbulências e discussões raivosas no país polarizado politicamente. E enquanto eles vão discutir, a pandemia continuará matando. Vai ser o salve-se quem puder.

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