Festa de Neymar mostra que o Brasil tem duas caras: a da ostentação e a da miséria

Prefeitura do Rio de Janeiro aumentou as restrições para o Réveillon após número de mortes por Covid-19 aumentar; enquanto Neymar faz festa em outra cidade do Estado

  • Por Álvaro Alves de Faria
  • 29/12/2020 15h40
David Ramos/EFE neymar chorando Jogador do PSG está passando período de férias no Brasil

Tive alguma dúvida para escrever este texto. Mas resolvi escrever para mostrar que o Brasil tem duas caras. Uma delas voltada para a ostentação e a outra para a miséria. Para alguns indivíduos, a cidadania é algo distante. Na verdade, é algo impossível. Não é fácil ser cidadão. Antes de tudo, ser cidadão requer respeitar o outro, respeitar o país, acatar decisões que se façam necessárias, mesmo que circunstancialmente. Não é fácil ser um cidadão. E sendo assim, a megafesta de fim de ano do jogador de futebol brasileiro Neymar já começou. Mas o que é que tenho a ver com a festa do Neymar? Nada. Nada mesmo. Mas essa festa mostra as duas caras do Brasil. A festa atravessou este final de semana e prosseguirá até a passagem do ano. No fundo, uma afronta. E isso ocorre quando a Prefeitura do Rio de Janeiro decidiu fechar toda a orla para evitar aglomeração de pessoas. O bairro de Copacabana será simplesmente fechado e a medida se estenderá a toda a zona sul, até o bairro Recreio. Está tudo proibido, desde estacionamento de carros até queima de fogos. A prefeitura tomou essa medida ao constatar o aumento assustador de mortes por Covid-19 nos últimos dias. A situação se agravou tanto que até as 31 linhas do metrô do Rio deixarão de funcionar às 20h. E diante desse quadro desolador, a festa do Neymar pode ser realizada. E isso mostra bem o que é o Brasil. Aquele velho ditado popular: “Quem pode, pode, quem não pode, se sacode”. É assim mesmo. E mais: quem estiver insatisfeito que vá reclamar com o bispo. 

Essa festa de Neymar representa uma afronta diante dos problemas que a população está vivendo, e também ignora completamente os apelos feitos pelos profissionais da saúde para que se evite aglomerações. Uma festa debochada que reúne 500 pessoas. Quinhentas pessoas. Mas, prudentemente, a empresa que organiza a festa fala em 150 pessoas. E os jornais dão a notícia em grande estilo. Por motivos assim, Neymar se transformou no que é hoje. Quase um ex-jogador de futebol, sempre contundido, ausente nas partidas mais decisivas, que nem sabe quanto dinheiro possui e por isso pode gastar à vontade. A questão, no entanto, não é gastar. Gaste quanto quiser. Ganhou e ganha muito dinheiro para isso. Compre iates, helicópteros, aviões, navios, mansões, castelos, faça do dinheiro o que bem entender. Ninguém tem nada com isso. O problema, o grande problema, é o momento em que o jogador decidiu fazer a sua festinha de fim de ano, em plena pandemia que já conta mais de 190 mil mortos no Brasil. Neymar está preocupado com isso? Não me façam rir. Mas a verdade seja dita, Neymar sempre revelou seu caráter. Já no o início da carreira, aos 16 anos, desacatou o então técnico do Santos, Dorival Júnior. O técnico teve de sair. Outro conhecido técnico brasileiro e estudioso do futebol, Renê Simões, disse naquela ocasião: “Estamos criando um monstro”. E pediu que Neymar fosse educado por alguém, para acabar com uma arrogância tantas vezes travestida de simpatia. Renê Simões tinha razão, o monstro foi criado.

Para realizar o seu Réveillon, Neymar comprou um hangar desativado na Fazenda Bom Jardim, em Mangaratiba, na Costa Verde, Rio de Janeiro. A festa deverá custar mais de R$ 4 milhões o que, na conta do jogador, não significa absolutamente nada. É mesmo uma falta de apreço a um país com quase 15 milhões de desempregados e 50 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza. Mas ele não tem nada com isso. O que conta, aqui, é o nível de cidadania de uma figura brasileira conhecida no mundo inteiro.  Está certo, eu não tenho nada com isso. Que Neymar acabe com sua carreira, faça o que quiser da vida. Mas o que não pode é afrontar o país que conta seus mortos que foram vítimas do coronavírus. Qual é a preocupação de Neymar diante desse quadro cada vez mais sombrio? Sua maior preocupação é fazer uma festa para 500 pessoas que já começou e só vai terminar no dia 1º de janeiro de 2021. Afinal, as medidas sanitárias para enfrentar o vírus valem para todos? Tudo indica que sim, menos para Neymar.

Quem pode dizer, em sã consciência, o que vai rolar nessa festinha do Neymar? É muito descaso para com o Brasil. É a lei do dinheiro fácil. A lei daqueles que fazem questão de ostentar a riqueza de maneira acintosa na cara de um país cada vez mais pobre. Por que não proibiram a festa do Neymar, como ocorreu praticamente com todas as praias do Rio de Janeiro, São Paulo e demais estados do Brasil? Parece que Neymar tem carta branca para fazer o que quiser por aqui. Não tem, não. Por isso tudo, ficou com 9º lugar na disputa da Bola de Ouro da Fifa para o melhor jogador do mundo na temporada. Qual foi a última vez que você viu Neymar jogar bola? Eu não me lembro, porque está sempre fora da equipe por algum motivo. Fora os escândalos em que se envolve, vergonhosos, com acusações graves que ficam por isso mesmo. Então está aí a grande festa de Réveillon de Neymar para 500 pessoas, ou 150, como dizem os organizadores. Bandas tocando ininterruptamente dia e noite e coisas afins. Temos que aplaudir, não é mesmo? Afinal, as determinações que estão proibindo aglomeração valem para todos os brasileiros, menos para Neymar, que pode fazer o que quiser. No fundo, o que falta mesmo é vergonha na cara.

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