Forças Armadas não vão fazer milagre na vacinação contra a Covid-19

Flávio Bolsonaro participou da decisão de colocar o Exército, a Marinha e a Aeronáutica na operação e afirmou que isso ajudará a aumentar a capilaridade na aplicação do imunizante

  • Por Álvaro Alves de Faria
  • 05/04/2021 11h40
JOSÉ MARCOS/ENQUADRAR/ESTADÃO CONTEÚDO - 06/03/2021 Enfermeira colocando dose da vacina da AstraZeneca/Oxford na seringa Meta do governo federal é vacinar um milhão de pessoas por dia

Ao entrar em contato com este texto, o leitor haverá de pensar que a Covid-19 é levada a sério no Brasil. O leitor se engana. Aliás, desde o início de tudo, com o aparecimento do novo coronavírus, o país vem colecionando equívocos no enfrentamento à pandemia. Na verdade, equívocos propositais, o que torna tudo mais lastimável. No último sábado, 3, o governo decidiu que as Forças Armadas participarão da campanha de vacinação no país. O assunto foi discutido entre os ministros da Defesa, Braga Netto, e o da Saúde, Marcelo Queiroga, que vem falando só o que Bolsonaro não quer ouvir. Os dois estão em rota de colisão, mas ainda guardam certa cordialidade. Bolsonaro, na verdade, queria um ministro da Saúde que fizesse o que ele mandasse. Mas não é bem assim. Queiroga é diferente do general Eduardo Pazuello, que saiu humilhado do governo. Ficou acertado que as Forças Armadas participarão da guerra do Brasil contra a Covid-19, mas quem entende desse assunto de vacinação afirma que isso não significa nada, porque o problema da vacinação no Brasil é a falta de vacina.

O Brasil possui um sistema de vacinação dos mais eficientes do mundo. No entanto, não existe vacinação sem vacina. Esses especialistas afirmam que qualquer apoio é bem-vindo, desde que não seja uma medida moralizadora. Parece, não se sabe ao certo, que o novo ministro da Saúde ficou satisfeito. Queiroga chegou a dizer em seu entusiasmo que o “nosso presidente” está pessoalmente empenhado em aumentar a cobertura vacinal no país. As Forças Armadas darão apoio logístico na distribuição das vacinas e no corpo técnico na área da saúde, ajudando Estados e municípios a vacinar a população. Há alguns dias, Bolsonaro disse a apoiadores que estudava acionar batalhões para participar da operação. E no sábado, 3, visitando uma comunidade em Brasília ao lado do ministro da Defesa, o presidente repetiu que deseja ter as Forças Armadas na vacinação. Queiroga, por seu lado, afirma que o objetivo é vacinar um milhão de pessoas por dia. Mas o principal é garantir que as vacinas cheguem nas datas previstas. Se o cronograma for cumprido, em abril o Brasil terá um estoque de vacinas suficiente para seguir essa meta. E mais: se tudo der certo, em outubro o país terá vacinas suficientes para vacinar a população inteira. Com um milhão de vacinados por dia, no final do ano o Brasil já terá vacinado 75% de sua população.

O problema é que as datas de entrega das doses sempre estão mudando. Nada é garantido. Basta ver o que ocorreu com a promessa de vacinas para o mês de abril: inicialmente, seriam entregues 57 milhões de doses, número que caiu para 47 milhões e agora está em 38 milhões. E na semana passada, o ministro falou em 25,5 milhões, uma informação que não ficou bem explicada. O filho do presidente, senador Flávio Bolsonaro, participou da decisão de colocar as Forças Armadas na vacinação. Disse que a entrada do Exército, da Marinha e da Aeronáutica na operação ajudará a aumentar a capilaridade na aplicação das doses. O senador filho do presidente afirma que agora a campanha receberá todo o esforço, até porque o fluxo de vacinas vai aumentar a partir deste mês de abril. Afirmou, ainda, que isso evitará qualquer tipo de fraude, observando que há muitas vacinas falsas sendo utilizadas no país. Por isso, os imunizantes serão aplicados pelas Forças Armadas. O presidente Bolsonaro está empenhado nisso, segundo afirmou o filho dele. Mas há casos de Estados que interromperam as aplicações porque grandes lotes de vacinas estão sendo guardados para a segunda dose. Os especialistas dizem que o Exército, por exemplo, pode ser útil como parceiro, para levar as vacinas às populações ribeirinhas, transportar doses de helicópteros para lugares afastados e até mesmo em centros urbanos. Tudo bem, mas que ninguém do governo venha falar em moralização, até porque a grande maioria dos vacinadores são sérios e têm compromisso com a saúde. 

Os profissionais da saúde envolvidos na pandemia dizem que a participação das Forças Armadas na vacinação tem que ser técnica e não política. O ex-ministro da Saúde, sanitarista José Gomes Temporão, entrou nessa história para dizer que o governo está apenas inventando um factoide para desviar a atenção do verdadeiro problema, que é a falta de vacinas. A questão é essa e o governo fica criando cortinas de fumaça. Temporão observa que a questão verdadeira foi a omissão e o crime de não ter comprado a vacina lá atrás, quando foi oferecida ao Brasil por vários laboratórios produtores. Se o governo fosse sério – diz o ex-ministro – poderíamos ter hoje mais de 90 milhões de vacinados. Não temos esse total por falta de um governo que usou de soberba, em vez de se curvar como fez o mundo à orientação científica. Atitudes arrogantes sempre terminam assim. Temos um país com a rede hospitalar pública e privada já em colapso, além dos profissionais que não suportam mais a carga de um trabalho incessante e tantas mortes ignoradas por muitos. O que as Forças Armadas poderão fazer diante desse caos? Algum milagre? Como se disse no início deste texto, até parece que a Covid-19 é levada a sério no Brasil. Está na hora de parar de nos enganar. 

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