Hamilton Mourão, o Solitário do Planalto, diz sempre o que o presidente não gosta de ouvir

Com trocas de ministros e a palavra golpe repetida em todos os cantos, vice observa a turbulência do país com serenidade e segue mandando os recados necessários, para raiva de muita gente

  • Por Álvaro Alves de Faria
  • 31/03/2021 12h35 - Atualizado em 31/03/2021 13h09
Wallace Martins/Futura Press/Estadão Conteúdo - 10/02/2021 Imagem mostra o vice-presidente Hamilton Mourão de paletó, gravata e máscara do Flamengo O vice-presidente Hamilton Mourão usa máscara de proteção com o símbolo do Flamengo, seu time de coração

Dá para escrever um romance. É muita coisa. O Brasil não tem jeito. Um longo romance, com começo, meio e fim. O final nem o autor pode imaginar como será. Mas será agradável para muitos personagens que estão soltos por aí. Há uma figura em Brasília conhecida com o Solitário do Planalto. É uma figura distinta. Como está alijado de tudo, o Solitário do Planalto observa as coisas de longe e depois fala com os jornalistas. Ele gosta de conversar com jornalistas. É sua maneira de mandar os recados necessários, para raiva de muita gente. Nesta terça-feira, 30, o Solitário acompanhou o dia de turbulência no governo. Desta vez foi demais. Parece que se via gente sendo jogada pela janela do Palácio do Planalto. O presidente Bolsonaro resolveu fazer uma limpa. Fazia muito tempo que o país não ouvia tantas vezes a palavra “golpe”. Houve golpe de tudo quanto é lado. Golpe para cá, golpe para lá. Os comandantes das Forças Armadas deixaram seus cargos depois da demissão do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, que antes de sair afirmou que cumpriu sua missão. Seguindo o ministro, saíram os comandantes do Exército, da Aeronáutica e Marinha. O que significa tudo isso? Se alguém quer enlouquecer, ouçam as versões dos especialistas do assunto.  

Para piorar, o líder do PSL na Câmara, deputado Vitor Hugo, defendeu nesta terça-feira sombria, 30, em reunião com líderes partidários, a votação de projeto de lei que, se fosse aprovado, daria ao presidente Bolsonaro, durante a pandemia, o poder ilimitado de acionar a chamada “mobilização nacional”. Simplificando, o tal projeto tornava Bolsonaro dono do país, para não usar a palavra “ditador”. Os parlamentares rejeitaram o projeto do líder do PSL com veemência, dizendo tratar-se de uma proposta de golpe. O projeto de Vitor Hugo nasceu morto. Pelo menos não se viu ninguém defender uma proposta de golpe no país, fazendo de Bolsonaro um ditador. Não se viu ninguém defendo o projeto porque ficaram calados. Muitos desejam o golpe. Os deputados chegaram a dizer que a proposta representava, sim, uma escalada autoritária que tenta mobilizar os militares em torno do presidente, e isso não pode ser tolerado em um Estado democrático. 

Esse foi o segundo assunto pelo qual a palavra “golpe” foi repetida 5 mil vezes, nesta terça-feira, 30, do entardecer até o início desta madrugada. Golpe em todo lugar. O presidente está atacado. Por isso agiu para mostrar que não está a fim de ceder a muitas pressões. Então fez uma revolução no governo em setores sensíveis. Como se dissesse, usando suas próprias palavras de sempre: “Quem manda sou eu”! E está certo. Manda mesmo. Mas é preciso saber mandar. Na porra-louquice não dá certo. E lá no canto, o Solitário do Planalto alijado do governo, dá sempre o seu recadinho de leve, só para provocar. Está alijado. Não manda nada. É até ignorado. Mas é vice-presidente da República Federativa do Brasil, senhor general Hamilton Mourão. O general fala sempre o que Bolsonaro não gosta. Com 67 anos, decidiu se vacinar e, de leve, disse rapidamente tudo o que o presidente não gostou de ouvir.

Mourão afirmou que ao se vacinar, cumpriu o seu papel de cidadão consciente. O vice fez questão de usar a palavra “consciente”. Mourão é o Solitário do Planalto. Chega todas as manhãs, dá os recados que tem que dar e desaparece o dia inteiro. Não tem nada para fazer. Enxotado do governo e ignorado pelo presidente, o vice gosta mesmo é de conversar com jornalistas. Aparentemente inofensivo, troca umas ideias que quase sempre representam um recado e vai levando sua vida. Aliás, o general Mourão sempre demonstrou ser uma pessoa pelo menos educada. Quando fala, vai logo na veia, para não ficar nenhuma dúvida sobre que pensa. Quando o número de mortos pelo coronavírus no Brasil passou de 300 mil, ele aproveitou a oportunidade e mostrou que estava inconformado com o rumo das coisas no país. Por isso vale a pena prestar atenção no que diz. Afinal, é o vice-presidente da República. Na quinta-feira, 25, afirmou que o número de mortes por Covid-19 no Brasil ultrapassou o limite do bom senso. Some-se a isso a falta de leitos de UTI e de medicamentos para intubação de pacientes. O Solitário do Planalto deu o seu recado.

Nesta terça-feira, 30, o Solitário acompanhou a turbulência no governo. Golpe para cá, golpe para lá. O ministro da Defesa não é mais ministro da Defesa. Os comandantes das Forças Armadas entregaram seus cargos. E o Solitário do Planalto de olho em tudo. Talvez seja uma das vozes mais lúcidas nessa loucura que se vê todos os dias no Brasil. Como o presidente não fala mais com ele e ele não fala com o presidente, Mourão vai seguindo carregando sua pasta, elegante como um inglês, com sua máscara do Flamengo. No final da tarde, estava calmo como um passarinho feliz. De cara, disse a frase certeira: “Podem botar quem quiser, não tem ruptura institucional”, observando que as Forças Armadas sempre estarão ao lado da legalidade. O Solitário do Planalto disse ainda que o único problema grave do Brasil atualmente é a pandemia. Está correto. Este é um país que gosta de emoções fortes. Cada dia alguém inventa alguma coisa para perturbar os ânimos. Como esse projeto estúpido e indecente do deputado Vitor Hugo, transformado Bolsonaro num ditador, mas só até terminar a pandemia. Pode uma coisa assim? Não pode.

Um dia de intensa turbulência. Eles estão medindo forças. Afinal, que governo é esse que se coloca contra tudo? É só ver seu comportamento na pandemia. E nessa questão política do troca-troca, quem manda agora é o Centrão, aquela porção de deputados do baixo clero que só pensam em cargos. Notou-se, durante todos os embates e discussões nada amistosos, que o novo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, é uma figura opaca, de falinha mansa, pausada, o que revela um grande vaselina. Nesse novo capítulo brasileiro, o Vaselina do Senado não deseja ser figurante. Já o Solitário do Planalto continuará a caminhar pelas beiras e a falar com jornalistas para dar seus recados a quem possa interessar. O que nos empobrece mais é que, com mais de 315 mil mortos enterrados com uma cruzinha azul em cima da sepultura, o Brasil continua a gastar sua energia com esse jogo político de fanáticos, que, no fundo, não tem responsabilidade nenhuma com nada. Gente sem caráter.

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