O mundo é muito pequeno para pessoas como Maradona

O mago foi embora e não é só o futebol que está de luto; estão de luto todos aqueles que se emocionam com as coisas maravilhosas que nos são apresentadas de vez em quando, só de vez em quando

  • Por Álvaro Alves de Faria
  • 25/11/2020 14h39 - Atualizado em 25/11/2020 14h41
Site Oficial de Diego Maradona / Reprodução Maradona em 1986 Maradona em 1986

A gente chega a pensar que não é verdade, embora a notícia seja inexorável. Maradona morreu. Só duas palavras: Maradona morreu. Não pode ser verdade, porque pessoas como Maradona não morrem. De acordo com João Guimarães Rosa, as pessoas não morrem, ficam encantadas. Pois no caso de Maradona isso é uma verdade. Maradona se encantou e saiu da vida. Será difícil esquecer esse mágico da bola. Esse homem que fez do campo de futebol o seu palco mais iluminado do mundo e fez da bola o que bem entendeu, tal sua intimidade com ela. Um mágico. O luto da Argentina não caberá no mundo. O mundo é muito pequeno para pessoas assim, como Maradona. De sua magia deslumbrante Maradona mergulhou em uma vida de tantos erros que não cabiam mais na sua vida. E aos poucos foi morrendo. Maradona não morreu hoje. Não. Maradona vem morrendo já há alguns anos. A cada dia deixava sair um pedaço de si. Cada dia engolia um sonho de sua vida. Chegou, sim, ao chão, de onde muitos nunca se levantam. E ele tentou, mas não conseguiu. Maradona nasceu para isso. Para encantar o mundo do futebol e desaparecer, deixando sua imagem nítida em todas as sombras do mundo, com um sol desconhecido.

Maradona brincava de viver. Brincou com uma bola a vida inteira. E nessa brincadeira de viver deixou-se morrer aos poucos. Num texto assim emocional, não é necessário colocar datas, lugares, jogos, campeonatos. Não é preciso nada, porque tudo se resumo em duas palavras: Maradona morreu! E com ele morre também o espetáculo do brilho e também o espetáculo da angústia, para onde a vida o levou e o destruiu para sempre. Nunca se recuperou dos males que as drogas lhe causaram. Não havia mais força para se recuperar de nada. Maradona foi um homem diferenciado. Pensava diferente de outros homens. Via o mundo à sua maneira e sempre se importou com a miséria de um mundo cada vez mais melancólico e violento. Sempre preferiu se unir a escritores e políticos da esquerda, em quem acreditava. Nunca pertenceu a sistema nenhum. O sistema de Maradona era o seu e nele vivia e viveu com toda a intensidade de sua vida. Maradona acabou. Não é o futebol que está de luto. Não. Estão de luto todos aqueles que se emocionam com as coisas maravilhosas que o mundo nos apresenta de vez em quando, só de vez em quando. Um mago. Foi um mago. Morreu triste, tenho certeza. Muito triste. Tenho certeza mas não sei porquê. Sinto assim. Morreu mergulhado numa angústia sem fim. Mergulhou ele mesmo na morte, talvez sua escolha num mundo que ele nunca aceitou. Fica um buraco no tempo, na vida argentina, na lágrima argentina, nesse tango que toca longe, cada vez mais longe, tão longe que é impossível ouvir. Maradona não existe mais. O mundo perdeu uma estrela, das maiores. O céu está mais escuro. O grito do gol genial não existe mais. Maradona encerrou sua vida do jeito, talvez, que ele sempre desejou.

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