O que nos espera em 2022: uma eleição presidencial ou uma guerra civil? 

Bolsonaro diz que eleições nos EUA foram fraudulentas e que o mesmo ocorrerá aqui no Brasil se não houver voto impresso, mas ninguém sabe qual é a base desse argumento

  • Por Álvaro Alves de Faria
  • 11/01/2021 12h42 - Atualizado em 11/01/2021 12h47
MATEUS BONOMI/AGIF - AGÊNCIA DE FOTOGRAFIA/ESTADÃO CONTEÚDO Bolsonaro afirma que foi vítima de fraude em 2018 e que deveria ter vencido as eleições nos primeiro turno

Começo logo confessando o meu crime. Não confio e nunca confiei na urna eletrônica usada nas eleições brasileiras. Nunca confiei e sempre escrevi a esse respeito. E isso se tornou mais irrefutável para mim há muitos anos, quando fui recebido no Rio de Janeiro para um almoço com o governador Leonel Brizola, por quem eu tinha e ainda tenho grande admiração. Fiz chegar a ele que gostaria de conhecê-lo pessoalmente. Imediatamente me convidou para um encontro e, logicamente, para conversar sobre as cenas brasileiras de então. Pois quase toda a conversa foi sobre as urnas eletrônicas e a TV Globo. Foi uma aula de mestre. Em relação às urnas eletrônicas, a lição foi definitiva. Eu já não confiava e passei a não confiar muito mais. Não confio mesmo. Agora, eu dizer que não confio na urna eletrônica é uma coisa. Essa palavra na voz do presidente da República é outra completamente diferente. E o presidente Bolsonaro voltou a esse assunto daquela maneira delicada com que costuma tratar determinados assuntos. O que tem dito Bolsonaro soa como uma espécie de ameaça.

O presidente, definitivamente, é uma pessoa que necessita viver em estado de tensão permanente, criando todo tipo de problema para o país que governa, especialmente discussões inúteis que não levam a nada, senão à intranquilidade num tempo cada vez mais difícil devido à pandemia que mata cada vez mais no Brasil. Nem vamos comentar as questões criadas com relação à vacinação contra o coronavírus, um assunto sem fim e incompreensível para os pobres mortais. Fiquemos só na área política. Depois de assistir àquele espetáculo de horrores promovido pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, Bolsonaro passou a comentar aqueles fatos lamentáveis como se estivesse lá ou vivesse nos Estados Unidos, não no Brasil. Bolsonaro tem declarado em todo lugar e aos amigos mais próximos que o sistema de votos por urna eletrônica no Brasil é fraudulento. Mesmo quando venceu a eleição em 2018, Bolsonaro reclamou de fraude, dizendo que vencera já no primeiro turno. E tem reclamado sempre, desde o primeiro dia de governo.

Pois agora Bolsonaro partiu para um novo viés nas suas acusações, muito mais graves, que soam como uma ameaça e, pelo que se saiba, mesmo sendo ele o presidente da República, não pode fazer declarações que criam um clima de intranquilidade ao país. Agora, o presidente assegura que se as eleições de 2022 não forem realizadas com votos impressos, acontecerá no Brasil o mesmo que ocorreu nos Estados Unidos que, sob as ordens de Trump, teve o Congresso invadido por uma turba disposta a tudo. O objetivo era inviabilizar a realização da sessão que certificaria a vitória de Joe Biden. A invasão do Congresso norte-americano resultou em cinco mortes, além da destruição completa de vários departamentos. Bolsonaro tem dito a quem quiser ouvir que o mesmo pode acontecer no Brasil em 2022. Essas afirmações graves são sempre feitas ao meio de apoiadores. E tem repetido que a eleição nos Estados Unidos, com a derrota de Trump, foi fraudada, sem prova nenhuma, sem qualquer argumento convincente. Não se compreende como o presidente do Brasil se meta num assunto desses quando, em seu país, muita coisa está caindo aos pedaços.

Trump, até hoje, não aceita os resultados da eleição que determinou sua derrota, mesmo com a confirmação das instituições norte-americanas. Bolsonaro diz ter informações que, por causa da pandemia, milhões de pessoas votaram pelo correio e que a fraude ocorreu aí. Segundo afirma, muita gente votou três, quatro vezes. Até morto votou mais de uma vez. “Foi uma festa lá. Ninguém pode negar isso aí”, disse Bolsonaro sobre o assunto recentemente, como se vivesse lá e acompanhasse o dia a dia da política dos Estados Unidos, especialmente tendo à frente alguém como Trump. O presidente brasileiro assegura que aquele espetáculo deprimente no Capitólio poderá se repetir muito pior no Brasil. Bolsonaro será candidato à reeleição em 2022 e agora acrescentou ao seu discurso essa ameaça difícil de acreditar que seja dita por um presidente da República. Se não for com voto impresso, os acontecimentos lamentáveis no Congresso dos Estados Unidos vão se repetir aqui. Diz que acusará o resultado de 2022 fraudulento, ninguém sabe baseado em quê. A imprensa, por seu lado, dirá que ele, Bolsonaro, faz acusações sem provas. E Bolsonaro dirá então que não responderá mais nada à imprensa canalha brasileira. É mesmo uma loucura. O presidente diz coisas assim como um ator num palco a viver o seu papel sem qualquer constrangimento.

O ministro do STF Edson Fachin, que também é vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral, divulgou nota na quinta-feira, 7, dizendo que os acontecimentos nos Estados Unidos promovidos por Donald Trump servem de alerta para o Brasil. Nessa nota, Fachin observou que quem desestabiliza a renovação de poder ou falsamente confronta a integridade das eleições deve ser responsabilizado em um processo público e transparente. Já o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, chama a fala de Bolsonaro de “delírio”. E diz que as declarações do presidente representam um ataque direto e gravíssimo ao TSE e seus juízes. Maia afirma que os partidos políticos deveriam acionar a Justiça para que Bolsonaro se explique, assinalando que o presidente consegue superar os delírios e devaneios de Donald Trump. Palavras assim ditas a Bolsonaro nada significam. Importa somente o que ele pensa. Cabe uma pergunta: afinal, o que nos espera em 2022? Uma eleição presidencial ou uma guerra civil? 

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