E se? O perigo de acreditarmos em todos os nossos pensamentos

O Waze te diz: ‘Amiga, pega essa ruazinha escura aqui à direita’; só que, de repente, o GPS enlouquece, começa a recalcular o tempo e você fica se martirizando por não seguir a intuição

  • Por Bia Garbato
  • 24/11/2021 11h00
pressfoto - br.freepik.com Mulher sentada no banco de motorista de um carro, com cabelo curto e raspado nas laterais, usando regata, segura celular na mão direita e olha trajeto Uma simples sugestão do Waze pode fazer martelar na cabeça a velha pergunta: e se eu tivesse feito outra escolha?

Já sabemos que a vida é um mundo de possibilidades. E que somos obrigados a fazer escolhas o tempo todo. Mas ficar pensando no que poderíamos ter feito diferente é, no mínimo, perigoso. E se eu tivesse casado com aquele namorado da faculdade? E se eu tivesse ido morar fora? E se eu tivesse feito medicina? Um exemplo prático: você está enfrentando um temporal na Faria Lima, às 18h de sexta feira. O Waze te diz: “Amiga, pega essa ruazinha escura aqui à direita, que você vai chegar 14 minutos antes no seu sofá”. Obviamente que você não está a fim de ficar ouvindo aquela voz repetir com meio sorrisinho no rosto: “Acidente reportado à frente”. Jura?

Enquanto isso, você está com cara de ódio e meia roda num maldito bueiro alagando. Então, muito obediente e medrosa, pega a viela. Só que, de repente, o Waze enlouquece. Começa a pintar tudo de vermelho, recalcular o tempo, que vai aumentando vertiginosamente. Te dá um calor no rosto e logo vem à cabeça: “E se eu tivesse seguido na Faria Lima, aquela avenida larga e familiar”? Então, você fica se martirizando ao pensar que, se tivesse seguido sua intuição (inventou isso agora, mas tudo bem), muito em breve estaria colocando o pijama e assistindo ao Amazon Prime. Você jura que está ouvindo a fofa do Waze rir da sua cara.

Amor, pensa comigo, a gente sabe que se minha avó tivesse rodas, ela seria uma bicicleta. E se você tivesse asas, seria um avião. E, se fosse um avião, teria que pousar lá em Guarulhos (porque Congonhas está fechado) e pegar um Uber para sua casa, que ia cair na Bandeirantes e depois sair numa ruela travada, mais um presente do Waze… Que iria recalcular, e você ia se lascar de qualquer jeito. E o “e se?” só te deixou mais nervosa. Resumo: liga o Spotify numa playlist tipo “Beatles obra completa” e fica se imaginando em uma praia, casando com o Christian Grey. Quando ele for te beijar, chegou! Ficar de olho nas curvas que não fizemos na vida só nos faz esquecer as coisas boas que temos hoje. E, para isso, não tem Waze que nos coloque de volta no caminho.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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