Minhas sete vidas: sinal de saúde é rir das minhas mazelas

‘Nasci de novo’ tantas vezes, que devo ter sete vidas; meia dúzia é garantido

  • Por Bia Garbato
  • 16/08/2023 10h00
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Freepik Mulher sorridente na cama de hospital recebe injeção Sorridente, mulher recebe injeção

Fui internada uma porção de vezes. Já chego no hospital cumprimentando o porteiro pelo nome. Só falta ele dizer: “Seja bem-vinda novamente, Bia. Demorou dessa vez. Sentimos sua falta.” Muitas vezes, fui para o tratamento intensivo. Pra você que nunca foi, é assim: luzes coloridas piscando, desafiando a minha labirintite; barulhinhos em tons agudos tipo Tetê Espíndola (40+ entenderão); bracinho esmagado de tempos em tempos (para verificar a pressão), muito similar aos apertos da minha mãe, depois que eu fazia algo errado; e, por fim, acessos nômades pelos braços (tubinho de silicone inserido na veia da vez, para utilidades diversas). Pulseirinha amarela é default, mas, nessas vezes, eu ganhei a laranja. Não sei exatamente para o que é, mas, certamente, é VIP.

Uma vez, quebrei muitas costelas num acidente de carro. Num táxi. Em Porto Seguro. Dia primeiro de janeiro. Ano novo, vida nova? Ao chegar no hospital, levada por uma maca — que desconfio que era uma prancha —, fui atendida por um rapaz que parecia muito o vocalista do Araketu. Será? Sistema digestivo é o meu preferido. Já rolou nefrite (rim), hepatite (fígado), peritonite (cansei de ir por partes e zoei o abdômen todo). Sem falar no pretinho básico, apendicite. Suporada, claro, não gosto de nada mais ou menos. Bronquite, asma? A gosto.

Em uma dessas internações, fiquei um mês morando no hospital. Trinta dias vendo o sol nascer retangular, o formato da janela vedada. Num dos posts em que falei da minha bipolaridade, uma das enfermeiras que cuidou de mim escreveu: “Querida Bia, estive com você num momento difícil. No entanto, sua alegria deixava tudo mais leve.” E seu carinho também. Uma coisa que acontece muito é dizerem: “Mas você está com a cara ótima!”. Em primeira mão, vou revelar meu segredo: bochechas generosas.

Toda vez que eu recebo alta, ao me despedir das enfermeiras e enfermeiros, eu choro. Na maioria das vezes dei sorte. Outras, não. Já rolaram furadas raivosas, remédios para dor regulados até o médico vir no dia seguinte, termômetros enfiados sem cerimônia. Mas eu entendo. Não deve ser fácil trabalhar longas jornadas, muitas vezes de madrugada e fins de semana. Além disso, imagina perder um paciente. Então, sei que não é comigo e aguento firme. A melhor de todas foi uma vez que fiquei um bom tempo com dieta restrita, leia-se caldo sabor marrom. Até que uma médica teve piedade e liberou minha dieta. Quando a enfermeira que vinha acompanhando o meu calvário me deu a notícia, parou um instante e disse (possivelmente arriscando seu emprego): “Pode pedir o que quiser”. Eu disse: “Oi? Como assim?”. E ela respondeu com um sorriso maroto: “Pode pedir que eu tenho contatos na copa.” Minha resposta foi óbvia: cheesburguer e milk shake. Sim, meus caros. Essa foi a minha “comida de hospital” naquela noite.

Com tanta experiência, eu tenho manhas que os novatos não têm. Consigo trocar o chá por leite gelado — leia-se temperatura ambiente — com Nescau genérico; troco frango desmaiado e quiabo preguiçoso por queijo quente. Geleinha já peço de morango (de abacaxi não dá). Gelatina de uva (de abacaxi não dá). Suquinho de maçã (de abacaxi não dá). Mas abacaxi cortadinho não dispenso. Muitas vezes se admiraram perante a minha serenidade em situações extremas. O que não sabiam é que a dor de uma costela rachada não chega aos pés da dor de uma depressão. Quantas vezes ouvi: “Você nasceu de novo.” Mas a verdade é que, além das gelatinas de limão que já engoli na vida, meu maior renascimento é estar aqui, podendo contar a minha história, com saúde física e mental.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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