Nem tudo está perdido: existe lado bom até numa crise de asma às vésperas do Natal
Perdi o casamento de um amigo, o aniversário de outro, não exibi o quanto minha vida é animada, mas ganhei momentos de conexão valiosa com as pessoas ao meu redor
Eu não sei vocês, mas eu passo a vida tentando controlar a vida. “To do’s”, cadernos, agenda, planilhas, bloco de notas; bic 4 pontas, grifa textos, post its, clips, pastinhas de elástico; murais, diários, alarmes; cestinha de remédios, tabela da dieta, lista de supermercado, da farmácia, do shopping, recadinhos no espelho do banheiro… O fim do ano é meu maior desafio e também meu momento de brilhar. Muitos eventos, muitos afazeres (a começar por providenciar o presente da secretária da terapeuta do professor de piano). Esse ano, experiente, comecei cedo. Eu estava especialmente organizada. Já tinha um cronograma impresso em 4 vias: um preso na geladeira, outro no meu mural, um na porta do quarto do meu filho e outro na testa do meu marido. E confesso, um pouco envergonhada, que também dei uma cópia para minha mãe e para minha irmã, caso quisessem saber onde eu estaria dia 14/12 às 16hs da tarde. Isso me deu uma enorme sensação de paz. Só que a vida, essa bandida, não gosta de ser controlada. Então, sem mais nem menos, me deu uma lambada. Uma crise de asma daquelas. Dez dias no hospital. Em seguida, repouso. Caramba, que azar! Azar? Se formos pensar bem, muitas vezes é assim, só a gente que não prevê a imprevisibilidade das coisas.
Olha como é: depois dos fatídicos últimos dois anos, eu tinha o casamento de um amigão. Eu já tinha pegado emprestado um vestido vermelho loucura, que faltava 1,5kg para me acomodar na perfeição. Já havia separado uma sandália dourada de tiras transparentes amarrada no tornozelo. Um sonho de uma noite de verão. Tinha começado a dieta e estava de parabéns. Também já havia conversado longamente com uma maquiadora e cabeleireira, que iria usar 5 tons de sombra no meu olho e fazer a onda perfeita no meu cabelo. Já estava me imaginando com o ombrinho despretensiosamente de fora, sombras tropicais, deslizando pela festa com minha sandália de cristal e falando com pessoas que eu não via há séculos e que, por acaso, me achariam ótima. Enfim, sucesso total. Corta. O casamento foi sábado. Eu não fui. Taquei corretivo no quadradinho do dia 11/12. Eu ainda não posso pegar nem vento, quem dirá uma virose; também não posso me cansar muito, o que inclui falar ou andar. E ainda tem um requinte de crueldade, estou inchada e engordei, pois, além dos efeitos colaterais dos remédios, perdi a mão na compulsão alimentar. Ter uma Brunella no hospital não ajudou muito. Junto com a gelatina já mandava subir uma bomba de caramelo (ainda não conhece? Corre lá antes que aconteça um imprevisto e você perca essa). E, para ferrar de vez, descobri que o Frevinho entregava no internato. Bom, o vestido obviamente não serve mais e a sandália… a sandália não vai ficar bonita, acredite.
E aí, o que aconteceu? Meu cronograma foi ‘pra maracangalha’. Foram 15 eventos em 15 dias. Desde o aniversário de 5 anos de um menino fofo conhecido por Bê Capucho, até o evento Semear com mulheres excepcionais, passando pelo aniversário do meu melhor amigo – que vi pela última vez na era pré-máscara -, o encontro da ‘Nata do Crime’, das ‘Só dá bica’, das ‘Amadas’, um amigo secreto sob o tema autocuidado, a chegada do Papai Noel no meu condomínio e, para fechar, a apresentação de piano do meu filho. Inúmeros momentos de conexões valiosas e oportunidade de posts incríveis mostrando que minha vida é animada, que tenho muitos amigos e que eles me adoram. Legendas bem sacadas e já prontas para serem usadas como quem não quer nada. Passado o ódio, comecei a me dar conta que essa chacoalhada me trouxe oportunidades que eu não teria na vida planilhada. Descobri, por exemplo, o quanto posso contar com a Selma, brava cuidadora lá de casa, com seu amor e sua dedicação muito além do seu “job description”. Depois de tudo que passamos juntas nesse momento de crise, ela ainda me escreveu: “obrigada por ser essa pessoa que você é”. O que dizer para essa pessoa que ela é?
Por uma coincidência, ironia ou destino, minha irmã também precisou fazer um longo repouso em sua casa, ao mesmo tempo que eu fiquei no hospital. Descobrimos o prazer de deixar uma ligação de vídeo rolando por quase 4 horas, como se estivéssemos deitadas no mesmo sofá de papo pro ar. Meu marido, assim como eu, ficou sobrecarregado e estressado com toda a situação. E, claro, brigamos. Mas depois, já exaustos, nos perdoamos e selamos a paz com uma massagem nos meus pés com luvas hospitalares, já que ele morre de nojo (do creme, não da Cinderela). Amargamente, entendi o quanto dói a saudade de uma mãe e de um filho, o que me fez dar outro valor para, por exemplo, conversar com ele enquanto ensaboa incessantemente a barriga no chuveiro. Sofri ao deixar de ver bons amigos, mas tive a feliz surpresa de ganhar novos: enfermeiros carinhosos, fisioterapeutas gente fina, copeiras que garantiam um Toddy gelado no mundo do café com leite quente, meus pneumologistas que não largaram um segundo do meu pé e do meu pulmão.
E os seriados. Ah, o refúgio dos convalescentes. Assisti todos aqueles que eu tinha parado no meio: Billions, Greys, Morning Show. Assisti os heavy: Narcos, La Casa de Papel, Succession. E também os lights: Luís Miguel, Virgin River (tem sua graça) e Chesapeake Shores (uma bos** mesmo). Fiz duas playlists no Spotify: Marília definitivo e Marília e convidados. Descobri o emoji do pulmão e suas possíveis combinações: pulmão + gratidão (meu pulmão agradece), pulmão + soquinho (bora lá, pulmãozinho), pulmão + vento (em breve tô voando) e por aí vai. E, por fim, fiz da Black Friday online um dia de altas emoções. Se desperdicei legendas espertas em fotos eufóricas, ganhei assunto para textos profundos e verdadeiros. Se deixei de fazer conexões cara a cara, fiz conexões muito próximas à distância. Não exibi o quanto minha vida é animada, mas mostrei que parada ela também não é, não. E sim, comprovei que tenho muitos amigos, tanto secretos quanto escancaradamente preocupados comigo. Mas, no final das contas, a lição que aprendi foi a de dar menos valor para cronogramas nas cores do arco íris, penteados desestruturados e posts vaidosos. Passei a valorizar mais o presente e os presentes e deixar rolar. E, principalmente, aprendi que todo dia é dia de ser feliz.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
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