Os sentimentos na era digital: #inveja
A gente destrava o celular e dá de cara com a amiga deslumbrante, com uma vista linda atrás e o namorado novo que lembra vagamente o Cauã Reymond
Inveja é um sentimento difícil de se falar a respeito. A inveja é feia, a inveja é má, a inveja é para os outros. Invejosa eu? Jamais. Ocorre que invejar é humano. Se comparar é coisa que não dá para evitar. Por exemplo: aquela amiga que você adora está indo pra Disney enquanto você desenvolve tendinite no cotovelo, de tanto usar o mouse. Vai com Deus, amiga querida, tomara que você tome um picolé com orelhinhas e vomite na Space Mountain. #invejapesada. Por outro ângulo: aquela mesma amiga que você adora está indo pra Disney, enquanto você está tomando anti-inflamatório para lesão por esforço repetitivo. Você adoraria estar na situação dela, mas deseja que ela aproveite bastante, poste muitas fotos (não, não, também não precisa estimular) e traga um monte de dicas para o dia em que você receber o chamado da Minnie. #invejalight.
O marido da sua amiga acorda cedo no sábado para ficar com a filhinha que “cai da cama”. Além de dar para ela uma frutinha (ter o saco de cavucar um mamão e parcelá-lo em 35 colheradinhas), assiste “Patrulha Canina” cantando a musiquinha. No mesmo sábado, o seu marido acorda lá para as 11h depois de você abrir a cortina e chamar sua filha para batucar um tambor na orelha dele. #invejamórbida. Outra visão da mesma história: o tal marido dela acorda cedo no sábado, enfrenta o mamão e ainda canta: Marshall, Rubble, Chase, Rocky, Zuma, Skye… eles vão também! O seu marido ronca tão alto que dá pra ouvir da garagem e sua filha está há uma hora assistindo em loop o mesmo episódio da tal “Patrulha Canina” no iPad (aquele em que o barco do capitão Rodovalho encalha nas pedras). Mas, então, você pensa: o marido dela reclama quando ela deixa uma xícara de café na sala e, às vezes, dá um toque que ela podia se arrumar um pouco mais. Ok, #invejaparcial.
O Instagram devia se chamar Invejam. A gente destrava o celular e é automático, damos uma geral na rede social. Com uma cara quase entediada, vamos rolando a tela com o dedinho e, às vezes, damos duas batidinhas para curtir a fotinho de mesversário do bebê da sua amiga. Afinal, não dá para passar em branco. Mas o problema não é esse. O problema é que você está besuntando corretivo numa espinha do mal que surgiu no seu queixo e uma conhecida aparece deslumbrante numa foto, com o cabelo loiro com ondas bem naturais (só que não), uma vista linda atrás (Salvador? San Francisco?) e, para completar, um namorado novo que lembra vagamente o Cauã Reymond. Você olha a barriga do seu marido, olha a do Cauã, dá um like para parecer superior e deseja que o silicone dela exploda.
Mas é tudo uma questão de ponto de vista. Se você se compara com aquela sua amiga que tem uma casa linda, com seis quartos, um quintal enorme, com espécies raras de bromélias, você sente que mora numa barraca de camping. Mas se você pensar bem, deve ser punk cuidar dessa casa e gastar mais com o jardineiro do que com você. A verdade é que bom mesmo é valorizar o que a gente tem, quem a gente ama e, principalmente, quem a gente é. Não vale a pena se definir pelos outros. Por que a real é que, enquanto você está murchando as bromélias da sua amiga com os olhos, ela pode estar desejando, quem sabe, escrever uma crônica como essa. Querida, #in-ve-je-me.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
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