‘Sim, mas…’: a mania de estragar o que é bom

‘Autoboicote’ pode tornar difícil receber elogios e transformar coisas boas em infelicidade e ingratidão

  • Por Bia Garbato
  • 05/01/2022 09h00 - Atualizado em 05/01/2022 15h56
Unsplash/Anthony Tran Pessoa sentada com os pés em cima da cadeira olhando para a janela, que tem uma cortina branca quase transparente. Está longe da câmera e, no canto direito, aparece metade de um sofá branco. Garota sentada em cadeira em posição fetal olha pela janela; a imagem transmite um ar de tristeza ou insuficiência

Coisas boas e ruins acontecem todo dia na vida da gente. Mas, quando aparecem coisas boas e “melamos” com um aspecto ruim, só alimentamos a infelicidade e, de quebra, somos mal agradecidos. Por exemplo: você suou a regata da Track & Field e está com a panturrilha que pediu a Deus. Você vai a uma festa exibindo um decote nas costas bronzeadas (bronzeamento artificial) de um vestido roxo berinjela que acabou de parcelar. Você não tá circulando, está deslizando pelo salão. Então uma amiga sua diz: “Nossa, você está ótima, querida”. E você, que tem grande dificuldade de receber elogios, rebate: “Sim, mas sobrou um gominho na axila. Me gasto na ginástica, mas aqui acho que só lipo mesmo. Está vendo que o vestido tem manga? É para dar uma disfarçada.” E ainda completa, educada: “Mas obrigada, de qualquer forma”.

Um casal de amigos visita sua casa pela primeira vez. Você montou uma bandeja de queijos, cada qual com sua respectiva faca (presente de casamento), e acendeu velinhas com essência de vanilla pela casa. De imediato, eles comentam: “Que casa linda. Que bom gosto. Você tem que me indicar seu decorador”. Então, você responde meio tímida: “Sou eu”. Eles bradam: “Uau, precisamos muito de você, não é, mô? Sua casa é fantástica!” Então, você sorri e rebate: “Sim, mas vocês ainda não viram o quintal. Ele é meio acanhado, quando fazemos churrasco fica um calor do bode e o cabelo sai cheirando a coraçãozinho de galinha. Mas, enfim, muito obrigada.”

Você faz uma crônica que, modestamente, está demais. Posta no Instagram e tem 64 comentários, todos positivos (para mim isso é muito). Um deles diz: “Você fala coisas que eu sinto e penso, que eu nem sabia que sentia e pensava. Você me representa.” Elogio mais rasgado do que esse, não há. Então, você não resiste e responde: “Sim, mas essa não está das melhores, fiz às pressas porque meu filho tinha natação. Você não achou o final meio esquisito? De qualquer forma, gratidão.” No mesmo instante em que você recebe um elogio ou se depara com uma coisa boa na sua vida, você acrescenta um comentário negativo que anula toda possibilidade de satisfação, prazer e realização. Isso também é conhecido como autoboicote e é crueldade sem “sim”, nem “mas”. Você não tá na praia, não jogue areia na sua vida. Porque tá bom sim, mas pode ficar ainda melhor.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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