Três terapeutas, um paciente: não há dose máxima quando você precisa se conhecer

Cheguei a fazer análise três vezes por semana, com três profissionais diferentes; sei que parece maluquice, mas essa combinação me ajudou a não ficar maluca

  • Por Bia Garbato
  • 14/09/2022 09h00
pressfoto/Freepik Psicóloga escreve no notebook enquanto paciente gesticula no divã Psicóloga analisa paciente durante terapia

Por mim, eu faria terapia todos os dias e descansava aos domingos. Tem gente que me pergunta: “Terapia vicia?”. Eu respondo logo: “Claro que não”. Eu estou há 25 anos no consultório por vontade própria. Quando eu quiser, eu paro. Mas não tem pressa. Confesso, com as bochechas vermelhas, que cheguei a fazer terapia três vezes por semana, com três terapeutas diferentes. Por acaso, três mulheres. Claro que uma não sabia da outra, senão essa crônica se chamaria três terapeutas e um funeral. Mas, para mim, na época, foi o melhor dos mundos. Eu trabalhava o ontem, o hoje e o amanhã, ao mesmo tempo agora. Sei que parece maluquice, mas essa combinação, justamente, me ajudou a não ficar maluca. Cada uma tinha sua função. A terapeuta cognitivo comportamental me ajudava a organizar meus pensamentos e, em consequência, minhas emoções. Também me ensinou formas estratégicas de lidar com as situações da vida. A que seguia a linha de Winnicott me apresentou o “falso self” e a “mãe suficientemente boa”, o que melhorou muito minha relação com a humanidade. Finalmente, a psicanalista freudiana me enfiou um graveto no peito e girou, me responsabilizando pungentemente pela minha vida, além de me fazer entender o impacto do passado e como deixá-lo para trás.

Mas, Bia, você não se embananava? Não. Eu ia somando. Por exemplo, uma vez briguei feio com meu marido. Ele realmente tinha jogado a merda no ar condicionado. Desaguei a questão em todas elas, na mesma semana. Repeti três vezes a mesma história, que ia ficando cada vez mais elaborada. A TCC me mostrou que a atitude dele me feriu porque atingiu os meus valores, que eram diferentes dos dele. Me perguntou o que eu ganharia com a vingança e me ajudou a agir produtivamente. Freud me mostrou que a atitude do meu marido me bateu forte desse jeito, pois me remeteu à minha relação com o meu pai. E me lembrou o que, por um momento, eu tinha esquecido: o meu marido não é o meu pai. Winnicott destacou que eu precisava respeitar meus limites, que havia outras opções e que, em última instância, eu poderia me separar. Peguei um pouco de cada, bati no liquidificador, fiz as pazes com meu marido e nossa relação saiu melhor do que antes.

Outro ponto importante: quem nunca fantasiou a respeito da vida do terapeuta? Eu tinha simplesmente três para vasculhar. Primeiro, não sei se é uma coincidência ou se tem alguma explicação, mas todas elas tinham um gato. Só soube disso porque, em consultas online, os felinos pularam na frente da câmera. Eu adoro gatos. Desde que seja no Google Meet. Mesmo atendendo virtualmente de casa, não deu para descobrir muita coisa sobre elas. Que mania de sentar na frente de uma estante de livros impossíveis de serem identificados. Só para ser justa, vou contar que já fiz, em outros momentos, terapia jungiana e também uma linha chamada “um pouco de cada”. Psicodrama e Lacan estou deixando para a próxima leva. Eu sei que o que faço é quase ilegal. Sei que sou “heavy user” do estudo da mente. Mas, na minha opinião, em se tratando de se conhecer, não há dose máxima. A minha linha preferida? Para mim terapia é que nem filho, amo todas igualmente. Já não faço mais esse cambalacho, e as terapeutas nunca souberam dessa história. Agora sabem. Mas acabei ficando com só uma delas. Então lhe digo, querida terapeuta, você é única, você é especial e só não vou dizer seu nome para as outras não ficarem chateadas.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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