Decisão do STF gera avalanche de novos processos trabalhistas
Inovações trazidas pela reforma trabalhista diminuíram número excessivo de ações, mas Supremo declarou a inconstitucionalidade do pagamento dos honorários por beneficiários da Justiça gratuita
Em 1943, foi aprovada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) com o intuito de regulamentar as relações individuais e coletivas do trabalho. Ao longo dos anos, as relações de trabalho sofreram grandes mudanças, que tornaram obsoletas partes das regras da CLT, passando a ser regidas por alterações esparsas e decisões judiciais. Até que a reforma trabalhista entrou em vigor em 11 de novembro de 2017 (Lei nº 13.467/2017), a maior alteração legislativa trabalhista até hoje. Uma das grandes inovações foi a previsão de pagamento de honorários sucumbenciais pela parte vencida em uma demanda judicial, em favor da parte vencedora, mesmo se o vencido fosse beneficiário da Justiça gratuita. O valor, inclusive, poderia ser abatido de eventual crédito a ser recebido na ação. Além disso, a reforma trouxe a previsão de que a responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais seria da parte perdedora na pretensão objeto da perícia, ainda que beneficiária da Justiça gratuita. Passados alguns anos, foi possível verificar uma queda acentuada de novas ações trabalhistas e um aumento na eficiência da Justiça do Trabalho, já que o acesso a essa esfera especializada se estabeleceu de uma forma mais responsável, colocando um “freio” nas aventuras processuais e, evitando assim, a litigância de má-fé.
Vale pontuar que essas inovações trazidas pela reforma trabalhista se deram com o intuito de diminuir o número excessivo de ações ajuizadas na Justiça do Trabalho, a quantidade de pedidos formulados sem qualquer fundamento, bem como a valoração absurda de tais pedidos. Com isso, os advogados passaram a ter mais cautela com os processos ajuizados, observada a lealdade e boa-fé, sob pena de prejudicar seu cliente com as condenações de honorários sucumbenciais e periciais. De acordo com o último Relatório Geral da Justiça do Trabalho, do ano de 2021, elaborado pelo Tribunal Superior do Trabalho, no ano de 2016, as Varas do Trabalho receberam um total de 2.723.108 casos novos; no ano de 2017, o total de 2.630.844; em 2018; o total de 1.730.703; e, em 2020, receberam 1.460.702, ou seja, uma queda de mais de 45% no número de casos novos distribuídos se comparado com 2016.
Contudo, em julgamento concluído no dia outubro de 2021, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria, declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei 13.467/2017, que determinavam o pagamento dos honorários periciais e advocatícios por beneficiários da Justiça gratuita, caso perdessem a ação, mas obtivessem créditos suficientes para o pagamento dessas custas em outra demanda trabalhista. Com isso, somente aqueles não aparados pela gratuidade judiciária passaram a ser responsáveis pelos pagamentos dos honorários apontados. A questão foi discutida na Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI) 5766, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Para a PGR, as normas violam as garantias processuais e o direito fundamental dos trabalhadores pobres à gratuidade judiciária para acesso à Justiça trabalhista.
Ocorre que, imediatamente após a publicação da decisão do STF, verificou-se, na prática, uma avalanche de novos processos trabalhistas. Vale pontuar que, no período de 2010 a 2017, o total de processos julgados por magistrado apresentou aumentos consecutivos, sendo que, no período de 2018 a 2020, foram verificados decréscimos: 1.064 processos em 2018, 1.002 em 2019 e 708 em 2020. Entretanto, em 2021, esse quantitativo voltou a aumentar, totalizando 790 processos, 11,6% a mais que o ano anterior, possivelmente em razão do último trimestre do ano, que sofreu influência da decisão do STF. Vale mencionar que o TST (Tribunal Superior do Trabalho) já estava decidindo da mesma maneira e o STF apenas encerrou a discussão através de entendimento que vai ao encontro do TST. Além disso, constatou-se o retorno das demandas ajuizadas propositalmente com valores “inflados”, com pedidos que visam aumentar o valor da causa. Tais consequências, causadas pela publicação da decisão do STF, trazem enormes prejuízos aos empregadores, pois as empresas se veem obrigadas a aumentar os valores contingenciados; caso o empregador não comparecer na audiência e for considerado “réu revel”, com a presunção de que os fatos narrados pelo autor na inicial são verdadeiros, são perdidos valores absurdos, já que a valoração dos pedidos foi realizada sem qualquer conexão com a realidade dos fatos. Além de que, em muitos casos, os empregadores contingenciam um passivo trabalhista, têm custo com advogado e a reclamação trabalhista se trata apenas de uma “aventura jurídica”. Com isso, em um cenário pós-pandemia, diante do qual o empregador está se reerguendo, tal decisão chega como um desestímulo.
A queda acentuada das ações em seguida à reforma trabalhista refletia o ajuizamento calculado de demandas que realmente foram identificadas como favoráveis aos empregados. Portanto, representou um avanço ao evitar a sobrecarga do Poder Judiciário e maior celeridade na tramitação dos processos. Ainda, ao evitar ajuizamento de aventuras processuais, pedidos sem fundamento, valoração absurda dos pedidos formulados, há economia de tempo de magistrados e serventuários da Justiça. E há ainda a possibilidade de os empregadores identificarem os temas trabalhistas em que de fato há falhas que precisam ser corrigidas, em contraste com a mera corrida pela redução de danos financeiros. Assim, verifica-se que o posicionamento pelo STF pode gerar um retrocesso para o judiciário trabalhista e o retorno do ajuizamento de demandas nas quais não há risco de prejuízo para a parte que busca benefícios indevidos. Por consequência, parte dos benefícios trazidos pela Reforma Trabalhista foi suprimido, em prejuízo ao Poder Judiciário, os empregadores, e em especial à segurança jurídica nas relações de trabalho.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
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