Lei que cria programa Emprega + Mulheres é ferramenta inicial de promoção da igualdade no mercado de trabalho

Dispositivo sancionado flexibiliza regras da legislação trabalhista, institui pagamento de reembolso-creche e inova ao criar licença parental

  • Por Claudia Abdul Ahad Securato
  • 07/10/2022 08h00
Pedro Ventura / Agência Brasília Mão segura uma carteira de trabalho Lei que cria o programa Emprega + Mulheres foi sancionada no final do mês de setembro

Recentemente foi publicada a nova Lei 14.457 de 2022 para sedimentar os direitos trazidos de forma provisória pela MP 1.116/2022 e consolidar o Programa Emprega + Mulheres, que visa estimular a contratação de mulheres, além de trazer diversas medidas de apoio à parentalidade, à infância e ao equilíbrio entre a vida familiar e a vida profissional dos empregados com filhos. Dentre as principais inovações está a flexibilização de algumas regras que eram rígidas na legislação trabalhista, sendo que a principal é a permissão de ampla negociação entre empregado e empregador a respeito de temas como antecipação de férias, banco de horas, e horários de entrada e saída do expediente para apoio à parentalidade. A lei determina que as empresas cuja atividade permita o teletrabalho deverão priorizar essa forma de contratação em favor dos empregados que tenham filhos de até cinco anos. Ainda, esses empregados terão prioridade para adotarem regime de tempo parcial, compensação de jornada em banco de horas, jornadas especiais de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso. Outro benefício estabelecido é o pagamento de reembolso-creche, sem natureza salarial e sem encargos, mediante acordo individual ou coletivo.

Ainda, a lei incentiva a qualificação profissional, ao prever incentivos para que as mulheres participem de cursos em áreas com baixa participação feminina, tais como ciência, tecnologia, desenvolvimento e inovação. Além disso, o dispositivo traz alterações para o Programa Empresa Cidadã, que já é implementado por inúmeras empresas desde 2008, e permite ampliação da licença maternidade mediante a concessão de incentivo fiscal. Uma inovação importantíssima, e que se espera seja amplamente adotada pelas empresas, é licença parental. Pela CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) a mãe que tem um filho biológico ou por adoção tem direito a licença maternidade de 120 dias e o pai, afastamento de 5 dias. Se forem empregados de empresa que aderiu ao Programa Empresa Cidadã, a licença maternidade é prorrogada por mais 60 dias, e o pai ganha mais 15 dias. Com a Lei 14.457 de 2022, surge a licença parental, isto é, a possibilidade de pai e mãe compartilharem entre si esse período adicional de 60 dias. Ainda, se considerarem melhor para a família, os pais podem substituir esse afastamento de 60 dias por um outro benefício como: a redução de jornada pela metade, durante 120 dias, igualmente passíveis de serem divididos entre os pais.

Apesar de recente, já existem críticas ao programa. O primeiro é a imposição ao empregador de alguns ônus que deveriam ser do poder público. Ao determinar pagamento de reembolso-creche, e permitir a negociação de horário de expediente para empregados com filhos, o poder público acredita eximir-se da obrigação do fornecimento de creche e educação infantil acessíveis e adequados no horário comercial. Outra crítica recorrente é a respeito da priorização de determinadas áreas de qualificação profissional previstas na lei, até porque, não há motivos para que uma mulher não possa ter acesso a determinados cursos, somente por já ser área com grande participação feminina. Mas a principal crítica é na técnica de redação que foi utilizada na lei, ao apresentar uma série de recomendações às empresas, sem, contudo, prever qual seria a punição aos empregadores que descumpram tais recomendações. Como sabemos, infelizmente no Brasil existe a ideia de que há leis que “pegam” ou não “pegam”. O que garante com que a lei realmente seja implementada é a fiscalização pelos órgãos responsáveis, e a aplicação de penalidades para aqueles que a descumprirem. Assim, se houver descumprimento, restará aos interessados ingressarem no Poder Judiciário para tentarem fazer valer seus direitos.

É importante relembrar que uma boa parte das dificuldades enfrentadas pelas mulheres no mercado de trabalho vem de questões culturais que reafirmam condutas machistas, muitas vezes praticadas em prejuízo das carreiras de mulheres em momentos delicados da vida, como a época do retorno ao trabalho após o nascimento de filhos, e os períodos de cuidados com a família durante a primeira infância. A lei 14.457 de 2022 é uma ferramenta importante para ajudar na empregabilidade das mulheres, na garantia de seus direitos no mercado de trabalho, e no apoio ao equilíbrio entre a vida profissional e a vida familiar, desde que seja realmente implementada em todos os seus termos e condições. Apesar disso, ainda é uma ferramenta inicial, pois não resolve alguns problemas e obstáculos enfrentados pelas mulheres em suas carreiras, como o recebimento de salários inferiores, e a maior dificuldade de serem promovidas e alcançarem ascensão profissional. Esses temas ainda estão arraigados no mercado de trabalho e na sociedade, e precisam ser endereçados pelos legisladores de forma mais incisiva, com sanções pecuniárias. É bastante louvável a intenção dos legisladores e sempre importante endereçarmos tema tão sensível, porém, as incertezas da lei e a falta de punição para seu descumprimento geram dificuldade de implementação dos benefícios, o que permite a continuidade de condutas que reafirmam o machismo estrutural.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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