Precisamos falar sobre reforma agrária
Brasil já distribuiu em terras o equivalente aos territórios de França e Itália juntos, mas baixo rendimento da produção agrícola de assentamentos coloca em questão eficiência das políticas públicas adotadas até hoje
Você sabia que o Brasil já realizou a maior reforma agrária do mundo democrático? Em 40 anos, foram distribuídos quase 90 milhões de hectares de terras, incluindo projetos de colonização do governo militar, permitindo o assentamento de 1,37 milhão de famílias. É uma área equivalente aos territórios de França e Itália juntos. Estudos mostram, porém, que boa parte dos lotes ou não foram ocupados ou houve posterior desistência dos assentados, o que reduz para 79,4 milhões a área efetivamente ocupada por assentamentos — as regiões Norte e Nordeste concentram a maior parte dos projetos, naturalmente, pois são regiões onde a agropecuária se encontra menos desenvolvida. “Adotando-se o critério ecossistêmico, evidencia-se que a grande maioria, de 64,3% das famílias, foi assentada na região da Amazônia, tendo outras 12,1% na caatinga nordestina. O Norte/Nordeste recebeu portanto, 2/3 da reforma agrária do país”, diz o paper entregue ontem à CPI do MST pelo agrônomo Xico Graziano.
Graziano cita vários estudos sobre a reforma agrária, além de levantamentos importantes, como o que mostra que, no governo Lula, as desapropriações de terras improdutivas da era FHC deram lugar à aquisição de propriedades, cujo custo é quase 70% maior. Já no período Temer-Bolsonaro, a prioridade foi a distribuição de títulos de terras, sendo a maior parte provisória. Em 6 anos, 75 mil lotes receberam títulos definitivos, de um total de 750 mil lotes de assentamentos rurais consolidados. Na média, o poder público gasta cerca de R$ 145 mil para assentar uma família, mas o valor sobe a R$ 217 mil, considerando os gastos operacionais, com implantação, gerenciamento e financiamento. Já a receita bruta dos assentamentos se situa em torno de R$ 11 bilhões, ou R$ 11,5 mil por família, em média. Estimando-se uma margem de 30% em receita líquida, tem-se apenas R$ 3,4 mil de renda familiar por ano, ou R$ 288 por mês, menos da metade de um Bolsa Família. A renda baixíssima acaba levando o assentado a abandonar a terra ou a vendê-la ilegalmente a terceiros.
Como mencionei em artigo anterior, auditorias realizadas pelo TCU, entre 2009 e 2014, identificaram uma série de deficiências na execução da política de regularização fundiária nos principais programas governamentais. Na Amazônia Legal, há problemas relacionados a não reversão de áreas irregularmente ocupadas – com dano de cerca de R$ 2,4 bilhões; incremento do desmatamento – 82 mil hectares desmatados apenas nas regiões vistoriadas; inconsistências e sobreposições nos sistemas georreferenciados – Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) e Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais (Sinter); indícios de titulações irregulares – referentes a imóveis avaliados em cerca de R$ 12,3 milhões; existência de 11% dos beneficiários que não atendiam aos requisitos do programa, entre outros. Em relação ao Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA), foram encontradas falhas no processo de seleção e na supervisão ocupacional, com prejuízos financeiros potenciais de R$ 2,83 bilhões (R$ 89,3 milhões no curto prazo).
Ontem, na CPI do MST, Graziano sugeriu a realização de um ‘Censo Agrário’ que possa produzir dados agregados e informações estatísticas atualizadas e confiáveis, a fim de dar transparência à situação dos assentamentos rurais no país, além de melhor controle, elaboração e execução de políticas públicas voltadas ao campo. É preciso, finalmente, avaliar o custo-benefício da reforma agrária em pleno século XXI, considerando também o altíssimo nível de competitividade da produção agrícola mundial, marcada pela aplicação de ciência e tecnologia, e dependência de cadeias logísticas cada vez mais eficientes. Por fim, é preciso medir a eficiência desses assentamentos. Política agrícola não pode ser confundida com assistencialismo.
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