Dólar contraria expectativas em um ambiente cercado de incertezas

Desdobramentos provocados pela CPI da Covid-19, discussões sobre o voto impresso e embate entre poderes minaram previsões otimistas sobre a moeda americana

  • Por Denise Campos de Toledo
  • 12/07/2021 12h48 - Atualizado em 12/07/2021 12h54
Colin WattsqUnsplash Imagem mostra três notas de dólares, uma de 100 no meio de duas de 50, colocada sobreposta às outras Na última semana, dólar alcançou a faixa acima dos R$ 5,31, o que não acontecia havia muito tempo

A política está deixando o mercado como uma gangorra, sem tendência definida. Na última semana, tivemos o dólar testando a faixa acima dos R$ 5,31, o que não acontecia havia muito tempo. Movimento que veio na contramão das expectativas, na medida em que os juros em alta tendem a atrair mais capital para o país, colaborando para menos pressão no câmbio. E era o que estava acontecendo. Em junho, falou-se no dólar abaixo dos R$ 4,90. A questão é que o avanço das investigações no âmbito da CPI, além do desgaste político para o presidente, chegou mais perto do Planalto e da base de apoio no Congresso. Isso traz preocupações até quanto ao encaminhamento da agenda econômica, fora a possibilidade de o governo ampliar despesas, mais populistas, pra tentar reverter a perda de terreno nas pesquisas, com consequências para o lado fiscal. Para ampliar as preocupações, ainda tem todo o embate em torno do voto impresso e auditável, as falas do presidente quanto à não realização de eleições, os embates entre os poderes… Tudo isso tem efeito sobre a percepção do risco país, tanto do lado político como econômico. Sendo que o Brasil ainda não conseguiu superar as dúvidas quanto ao controle da pandemia e a própria retomada de um crescimento mais sustentável.

Nesse contexto, não se pode esquecer da proposta de reforma tributária encaminhada pelo governo e a repercussão negativa que teve de um modo geral, mas, em particular, para o mercado financeiro. A taxação de lucros e dividendos foi vista como mais um fator de desestímulo à entrada de capitais, pelo impacto negativo que pode gerar sobre o retorno dos investimentos. Houve reflexos especialmente sobre a Bolsa de Valores que, diante da perspectiva de uma retomada mais firme da atividade, voltava a atrair mais capital externo. Aliás, em relação ao fluxo de recursos para o país, juros em alta, tendem a favorecer até a entrada dos resultados provenientes do comércio exterior. No ano passado, os bons resultados da balança comercial não tiveram qualquer efeito na contenção da perda de terreno do real frente ao dólar. A situação, que começava a mudar, pode se reverter, novamente, por todo esse cenário de incertezas. Indefinições do lado político junto com dúvidas quanto ao aumento da taxação de lucros podem fazer com que seja mais seguro deixar o capital no exterior, mesmo com juros abaixo dos praticados no mercado doméstico.

Enfim, o mercado tem mostrado muita volatilidade, que pode se arrastar por mais tempo caso não surja algum fato relevante. O Banco Central pode até atuar no câmbio para conter os movimentos mais exagerados, o chamado efeito manada. Só que o alcance é curto e a tendência é de o BC deixar o dólar flutuar. Não deve entrar em uma queda de braço que, comprovadamente, não dá resultado em prazo mais longo. E ainda tem os movimentos externos. Por mais que a perspectiva para a economia global seja de retomada, assegurada pelo avanço da vacinação, tem se visto uma certa instabilidade dos ativos, até commodities, pelo receio das novas variantes. Assim como há instabilidades provocadas pelo receio de cortes de estímulos, especialmente por parte do Banco Central dos Estados Unidos, caso os indicadores de atividade continuem apontando para uma expansão mais consistente da economia americana e do mercado de trabalho.

Sobram incertezas, e o dólar é muito o termômetro desse clima. Com um outro detalhe importante: se permanecer em patamar mais elevado volta a pressionar a inflação, que se mantém em trajetória bem acima do teto da meta deste ano, com projeções ainda não muito confortáveis para 2022. As projeções até apontam para uma desaceleração, mas muito atrelada a um ajuste mais forte dos juros básicos que, segundo as últimas projeções do mercado, podem chegar a 7% no final de 2022. Fica uma aposta que esse nível mais alto da Selic possa ajudar a conter as pressões sobre o câmbio, assegurando maior atratividade para os investimentos. Para assegurar maior estabilidade, o país pode ter de pagar um prêmio de risco maior.

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