Apesar do apoio de Trump ao adversário, democrata vence e Miami elege primeira prefeita em 30 anos

  • Por Eliseu Caetano, dos Estados Unidos
  • 10/12/2025 09h45 - Atualizado em 10/12/2025 12h59
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Joe Raedle/Getty Images/AFP A prefeita eleita de Miami, Eileen Higgins, discursa para apoiadores enquanto comemora sua vitória A prefeita eleita de Miami, Eileen Higgins, discursa para apoiadores enquanto comemora sua vitória

Em uma eleição municipal que ultrapassou os limites da política local e ganhou contornos nacionais, a democrata Eileen Higgins foi eleita prefeita de Miami, encerrando três décadas de domínio republicano e tornando-se a primeira mulher e a primeira integrante do Partido Democrata a comandar a cidade desde os anos 1990. Segundo os dados oficiais divulgados pela Junta Eleitoral de Miami, Higgins venceu com 56,4% dos votos, contra 41,7% de Emilio González. Os demais votos foram nulos, em branco ou distribuídos entre candidatos residuais que não ultrapassaram 2% da soma total.

A participação eleitoral ficou em torno de 38%, índice considerado alto para padrões municipais da Flórida, reforçando o impacto da politização nacional sobre o pleito. A vitória ocorre apesar do apoio explícito do presidente Donald Trump ao adversário republicano Emilio González, considerado um de seus aliados mais influentes entre hispânicos conservadores.

A eleição, oficialmente apartidária, refletiu a forte polarização que marca o clima político da Flórida e a tentativa do governo federal de transformar o pleito municipal em um teste de força para a base republicana. Mesmo assim, Higgins venceu com margem considerada confortável, contrariando projeções de analistas que esperavam um cenário mais equilibrado devido à entrada direta da Casa Branca na disputa.

Mudanças no perfil eleitoral da cidade

A vitória democrata é um marco em uma cidade historicamente associada ao conservadorismo latino, especialmente à comunidade cubano-americana. Desde a década de 1990, Miami vinha elegendo prefeitos alinhados ao Partido Republicano, sustentados por um eleitorado que priorizava livre mercado, políticas migratórias rígidas e contenção fiscal.

Nas últimas duas décadas, entretanto, o perfil demográfico de Miami passou por transformações profundas. Dados do Censo mostram forte crescimento de imigrantes venezuelanos, colombianos, brasileiros e centro-americanos, que não necessariamente compartilham da mesma orientação política consolidada entre cubano-americanos. Esse novo cenário plural criou terreno fértil para uma candidatura com discurso menos ideológico e mais focado em temas estruturais da cidade.

A crise habitacional, considerada uma das mais severas dos Estados Unidos, tornou-se central no comportamento eleitoral. O preço médio do aluguel em Miami aumentou de forma desproporcional em relação à renda local, pressionando jovens, famílias imigrantes e trabalhadores da classe média. Esse tema acabou favorecendo Higgins, que tratou habitação como prioridade absoluta.

O envolvimento direto do presidente Trump

Trump não apenas declarou apoio a Emilio González, mas participou ativamente da campanha, gravando vídeos e discursos, citando o candidato em eventos públicos e mobilizando seu eleitorado nas redes sociais. A Casa Branca tentou enquadrar González como uma barreira contra supostas tendências progressistas e como defensor de políticas migratórias mais duras, alinhadas ao governo federal.

O presidente apresentou a disputa municipal como parte de um embate nacional entre sua administração e o que classificou como “agenda democrata de intervenção estatal”. A tentativa de nacionalizar a eleição, no entanto, teria produzido desgaste entre eleitores moderados e independentes, que resistiram à pressão de transformar o pleito local em uma extensão de disputas ideológicas de Washington.

Especialistas políticos em Miami afirmam que o envolvimento presidencial pode ter sido decisivo para o recuo de setores da classe média, que preferiram concentrar-se em problemas urbanos concretos e rejeitaram a polarização artificial.

Perfil dos candidatos e suas estratégias

Eileen Higgins construiu sua imagem política em Miami-Dade como defensora de projetos comunitários e de políticas de desenvolvimento urbano. Ao longo da campanha, apresentou propostas para ampliar programas de habitação acessível, modernizar o transporte público, revisar políticas de desenvolvimento imobiliário e fortalecer ações voltadas à integração de imigrantes regularizados. A democrata também fez críticas diretas ao impacto das políticas federais do governo Trump sobre comunidades latinas.

Emilio González, por outro lado, foi apresentado como um candidato de continuidade conservadora. Ex-diretor de imigração no governo Trump e figura influente entre hispânicos republicanos, ele defendeu políticas de segurança pública, austeridade fiscal e endurecimento migratório. Sua campanha baseou-se fortemente na ligação direta com o presidente Trump.

A força e os limites do voto hispânico republicano

O eleitorado hispânico da Flórida é frequentemente tratado como bloco uniforme, mas a eleição evidenciou sua diversidade interna. A comunidade cubano-americana, historicamente alinhada ao Partido Republicano, continua representando parcela importante da base conservadora, em grande parte motivada pela oposição a regimes socialistas e pela defesa de políticas de mercado.

No entanto, imigrantes de outros países latino-americanos demonstram preocupações distintas, como custo de vida, estabilidade econômica e acesso a serviços básicos. Setores jovens e trabalhadores de serviços — muitos deles afetados diretamente pelo aumento dos aluguéis — demonstraram maior abertura para plataformas democratas.

A vitória de Higgins revela que a hegemonia republicana entre hispânicos, embora relevante, não é tão sólida quanto se acreditava e pode ser sensível a temas locais de alta prioridade social.

Comparações históricas e impacto no estado

Eleições anteriores em Miami costumavam apresentar vitórias republicanas consistentes, geralmente com margens relativamente confortáveis. A quebra desse ciclo levanta questionamentos sobre a estabilidade da influência conservadora na região. A diferença entre o resultado local e o desempenho republicano em eleições estaduais recentes reforça a interpretação de que o eleitorado da Flórida não se move de maneira uniforme.

Democratas classificaram a vitória como revés simbólico para o presidente em seu próprio estado, enquanto republicanos tentaram minimizar a derrota, mas reconheceram, nos bastidores, que o resultado acende um alerta para 2026 e 2028.

Repercussões nacionais e expectativas futuras

A eleição de Higgins fortalece debates sobre transição demográfica, desigualdade urbana e novos padrões de voto em grandes cidades da Flórida. Para líderes democratas, o resultado mostra que, mesmo com Trump na Casa Branca, existe espaço para candidaturas progressistas em regiões antes dominadas pelo conservadorismo hispânico.

Para estrategistas republicanos, a derrota evidencia limites da estratégia de personalização das campanhas municipais em torno do presidente. Alguns reconhecem que o esforço para nacionalizar disputas locais pode afastar eleitores que priorizam soluções imediatas para problemas urbanos.

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A Casa Branca, por sua vez, avaliou o resultado como circunstancial, atribuindo a derrota a peculiaridades de Miami e afirmando, por meio de fontes próximas ao presidente, que Trump manterá sua estratégia de participação ativa em eleições estaduais e municipais.

Ainda assim, analistas concordam que a eleição de Eileen Higgins se tornará referência para futuros estudos eleitorais na Flórida, especialmente por ilustrar como fatores locais — como habitação, transporte e custo de vida — podem sobrepor-se à influência presidencial.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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