Guerra das taças: Briga nas redes foge da realidade e chama a atenção, mas não é preciso vender um rim para tomar vinho
Discussão sobre preços e qualidade dos cálices traz um ponto: até onde o recipiente melhora a bebida?
O artigo desta semana, que trata das taças para vinhos, inspirou-se em uma surreal discussão nas redes sociais entre dois importadores de vinhos: um radicado na Suíça e outro recém-recepcionado no mercado após adquirir uma tradicional importadora de São Paulo. O entrevero, ainda que pueril e desconectado da realidade do consumidor brasileiro (juro que lendo os posts me senti na Rússia czarista), traz à baila um ponto: até onde a taça faz o vinho melhorar? Qual é o limite? Há limites? Na discussão, o importador novato afirmava que havia “doado” todas as suas taças “zaito” (escreveu com todas as letras minúsculas mesmo) e que só usaria as Grassl Glass, estas agora vendidas pela sua empresa. O residente da Helvétia resolveu sair em defesa da Zaito e postou uma frase “hiper-realista” com o estado econômico e financeiro dos brasileiros — e dos demais sul-americanos: “Zaito hoje e sempre”.
Vamos lá: uma taça Grassl é vendida pela “bagatela” de R$ 455,00 pelo importador, enquanto uma Zaito custa “apenas” 40 francos suíços no país europeu (o equivalente a R$ 240,00). Por aqui, chega a R$ 380,00. Estou falando do valor de uma taça. Poucos vinhos que estes importadores colocam em nosso mercado ultrapassam os R$ 250,00 (vale a pena mencionar que são ótimos vinhos e, de modo geral, vendidos a bons preços). Quero crer que esta discussão, que teve uma “fieira de caranguejos” de posts de um, do outro e de tantos “espectadores”, foi fruto de um devaneio quase carnavalesco. A verdade é que, para se apreciar um ótimo vinho, não é necessário “vender o rim” para comprar taças. Claro que devemos buscar recipientes apropriados, mas “reais” para o consumidor nacional. Não critico quem opta por beber em taças Z ou G, mas, neste patamar, uma discussão destas é como um filme no qual Feodósia de Briansk briga com Alexandra Velyaminova pela marca de um perfume (muito relevante para os súditos, não acham?). De forma bem simplificada, ao escolhermos a taça, mais do que o material e a pureza do vidro ou do cristal, devemos nos ater à sua forma e dimensões. Assim as pontuo:
Taça de vinho branco
Elas têm um bojo menor e são mais baixas, permitindo que o volume preenchido seja pequeno e não favoreça a elevação da temperatura, já que esses vinhos devem ser consumidos mais gelados. Esta taça serve para os rosés secos ou suaves.
Taça de vinho tinto da Borgonha
O design da taça Borgonha lembra um balão, com bojo maior do que as taças Bordeaux e uma boca maior, permitindo maior contato do ar com a bebida. Esse tipo de taça é ideal para favorecer vinhos de aromas imperdíveis e também facilita o contato da bebida com o centro da língua, diminuindo sua acidez. Ideal para Pinot Noirs, Riojas e Nebbiolos.
Taça de vinho tinto de Bordeaux
Com design de bojo grande e boca mais fechada, foi elaborada para receber vinhos encorpados e com tanino forte, como os feitos com a uva Cabernet Sauvignon. Esse tipo de taça segura os aromas, concentrando-os para reforçar o sabor da bebida e facilita o direcionamento para a ponta da língua, onde percebemos os sabores mais frutados. Além da Cabernet Sauvignon, a taça Bordeaux combina com Merlots, Syrahs e Tannats.
Taças de vinhos doces (sobremesas)
Essas taças possuem bojo e tamanho pequeno, para valorizar o consumo de vinhos mais doces, que não devem ser ingeridos em grandes quantidades. O desenho da taça, com a boca levemente fechada, permite que a bebida seja levada diretamente para a ponta da língua, onde saboreamos paladares mais doces.
Taça ISO
Agora, se tiver dúvidas, opte pela chamada “taça ISO”, que serve para qualquer tipo de vinho e é muito utilizada em restaurantes ou em eventos de degustação. Ela tem um tamanho menor do que as tradicionais taças de vinho tinto, porém com bojo maior e a boca mais fechada. Por se adaptar a qualquer tipo de bebida, é ideal para uma degustação técnica.
Taça de cristal
Se a taça for de cristal, melhor. Entretanto, as de vidros finos cumprem bem seu papel para nosso dia a dia e não atrapalham em nada o prazer que o vinho pode nos dar. Me permito afirmar que o excesso de frescura e empáfia só serve para afastar o prazer e se enamorar do pedantismo, beirando o desrespeito ao senso comum. De qualquer forma, o melhor vinho é aquele que você gosta e bebe como quiser. Salut!
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
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