Ana Carolina Francisco abandonou carreira na Globo para finalizar livro e inspirar jovens escritoras

‘Foi muito difícil abrir mão de uma carteira assinada na maior empresa de entretenimento no país’, diz a mulher positiva desta semana, uma das fundadoras do coletivo feminino Desengavetando

  • Por Fabi Saad
  • 10/08/2022 10h00
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Divulgação Jovem mulher de cabelos longos e camisa azul Ana Carolina, autora do livro “Corpos, Fendas e Fronteiras”, começou carreira de escritora aos 19 anos, com um pequeno blog em Barra do Piraí

Nossa mulher positiva de hoje é Ana Carolina Francisco, autora do livro “Corpos, Fendas e Fronteiras”. Sua história na escrita começou como um pequeno blog em Barra do Piraí; hoje suas palavras trazem empatia e conforto às mulheres. Na carreira, ela realça a importância de valorizar as experiências pessoais e como estas podem transformar a vida profissional. Ana também é uma das fundadoras do grupo Desengavetando (antes O Feminino na Literatura), coletivo feminino da PUC que estuda textos escritos por outras mulheres, criando referências em um meio onde ainda existe predominância masculina.

1. Como começou sua carreira? Em 2014, quando decidi criar um blog, ainda no ensino médio. Lá eu escrevia sobre pessoas e iniciativas que impactavam o mundo positivamente e postava crônicas e poesias. Um momento marcante para mim foi quando escrevi uma matéria sobre moradoras da minha cidade natal, Barra do Piraí, que tinham doado cabelo para o Cabelegria, uma instituição que faz perucas para crianças que estão lutando contra o câncer. A matéria foi publicada no jornal da cidade e, pouco tempo depois, eu recebi um saco lá em casa com várias doações de peruca e cabelo. Aquilo me mostrou como um texto é capaz de emocionar e mobilizar as pessoas e como nossas palavras são, sim, capazes de mudar o mundo.

2. Qual foi o momento mais difícil da sua carreira? Acho que foi agora há pouco, quando pedi demissão do meu trabalho de editora na Globo para me dedicar à literatura, ao meu livro e a outros trabalhos na área artística. Eu entrei na Globo em outubro de 2021, através do programa de oficina de edição, e estava aprendendo muito lá. Em abril, fui efetivada. No entanto, não estava conseguindo conciliar meu trabalho lá com os demais projetos que eu tinha. E foi muito difícil abrir mão de uma carteira assinada na maior empresa de entretenimento no país, e eu curtia muito o que fazia. No entanto, tem um momento em que precisamos, sim, priorizar os nossos objetivos de carreira, que chamamos de sonho, mas que são, na verdade, nossas aspirações e desejos mais profundos. Entendi que ser escritora não era para mim uma brincadeira de criança, mas um caminho para eu dar atenção, aprender com ele e crescer nele. E que eu precisava priorizar o lançamento do meu livro, uma obra que venho escrevendo desde os meus 18 anos.

3. Como você consegue equilibrar sua vida pessoal x vida empreendedora? Olha, realmente é um desafio. Tem momento em que eu realmente priorizo uma a outra. Por exemplo, quando eu estava na UCLA, sabia que só tinha um tempo de seis meses lá. Mas meu maior objetivo era estudar e aprender tudo o que eu podia sobre cinema para capacitar minha vida profissional. E o cinema foi uma área em que eu me descobri também. O que eu gosto é de criar narrativas, sensibilizar pessoas, seja através da palavra escrita ou falada. Com isso, em 2020, eu estava cursando a universidade e ainda fazia dois estágios, um em uma produtora e distribuidora em West Hollywood e outro no Jornal “Daily Bruin”, da universidade.

Além disso, participava da coordenação a distância do coletivo O Feminino na Literatura, que criei e organizei com a Maria Warth e a Júlia Zacour. Para fechar tudo, ainda estava buscando finalizar meu documentário “Cine Esperança”, gravado em 2019. Obviamente eu não conseguia fazer tudo ao mesmo tempo. Então eu criava lista de tarefas para a semana e ia entendendo que era curto e médio prazo, o que eu precisava priorizar e o que eu podia delegar e buscar ajuda. Acredito que minha vida social seja quase tão importante quanto profissional, pelo fato de elas se entrelaçarem. Minha escrita parte muito das minhas vivências e observações cotidianos, então, para isso, eu preciso estar aberta para o mundo. Se eu estou presa no trânsito, ligo para alguém para pôr o papo em dia, no metrô, estou escrevendo, se for tomar café, tento fazer em uma livraria ou procurar cantinhos na rua. Intervalo do trabalho para encontrar pessoas… Acho que não podemos abrir mão da vivência, porque, além de ser importante para a vida, também me mobiliza a escrever.

4. Qual seu maior sonho? Meu maior sonho é que os micos que eu paguei, as frustrações, os medos, as dores que enfrentei possam ser úteis a alguém (rs). Ou seja, que, ao transformar essas experiências em texto, eu possa estar abraçando outras pessoas, que se sintam acolhidas e tenham os pesos da sua vida reduzidos. Eu amo quando leio uma poesia e sinto um nó no peito se desfazer. Quando abro um texto, de Pablo Neruda, por exemplo, no ponto de ônibus, suando no calor carioca, e de repente arde em mim uma paixão. E sou arrebatada pela poesia. Quero que meus textos emocionem, sensibilizem e acolham pessoas. E quero muito estimular que mais mulheres se publiquem, acreditem no potencial delas enquanto escritoras, que as palavras delas têm valor, que a voz delas é potente.

5. Qual sua maior conquista? Acredito que foi ter tido a chance de, através do meu trabalho, conhecer tanta gente que admiro e aprender com eles. Poder ser assistente de direção do Emílio Domingos para um trabalho no Museu do Futebol, trabalhar com o diretor João Falcão em uma peça, aprender com a diretora Carla Bohler, ter trocas sobre literatura com a escritora Susana Fuentes, que me ajudou a organizar meu livro “Corpos, Fendas e Fronteiras”. A publicação do meu livro foi uma grande conquista para mim, porque sempre foi algo que desejei, mas parecia uma realidade distante ainda. Às vezes, a gente pensa que nunca seremos como a Silvia Plath, Ana Cristina César, Vinícius de Moraes, grandes referências profissionais, e os vemos como a manifestação da ideia de que nunca seremos bons o suficiente. Hoje eu abro esses livros sem me cobrar a ser como eles, mas para aprender com eles. São mestres que eu tenho acesso, cujas palavras chegam até mim. O papel como a mais poderosa máquina do tempo de pensamentos.

6. Livro, filme e mulher que admira. Sou péssima em escolher preferidos, pois sempre que sou tocada por um livro, fico obcecada e, por um tempo, a obra e o autor passam a ser tudo o que eu penso. Mas, para citar alguns, admiro muito a escrita da Ana Cristina César e da Adélia Prados. Mas, como romântica incurável, tenho sempre comigo os textos da Florbela Espanca. Como amante da literatura brasileira, admiro profundamente a Maria Carolina de Jesus, Conceição Evaristo, Júlia Lopes de Almeida é Ana Cristina César.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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