Especialista em direito marítimo, Fabiana Martins conta como faz sucesso em ambiente masculino
Com mais de 25 anos de experiência, advogada é sócia da SMA, um escritório com foco no setor de transporte marítimo e comércio internacional
Nossa Mulher Positiva desta semana é Fabiana Martins, advogada com mais de 25 anos de carreira e uma das maiores especialistas em direito marítimo do Brasil. Board member da WISTA Internacional, órgão que atua como um conector para mais de 3.800 mulheres de todos os setores da indústria marítima, Fabiana compartilha os desafios que enfrentou em sua carreira por atuar num setor majoritariamente masculino e de que forma lidou com eles para chegar onde está hoje.
1. Como começou a sua carreira? Minha carreira começou na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), onde tive a oportunidade de participar de vários projetos de monitoria e extensão universitária, incluindo o Grupo de Estudos Marítimo e Portuário (Gemp). Através desse projeto, conheci o direito marítimo e as pessoas que nele atuavam nos idos de 1997. Após um congresso acadêmico que organizamos, recebemos o convite para vir ao Rio de Janeiro trabalhar no escritório que o coordenador do curso, ex-marítimo e recém-advogado, estava montando. Aceitei o convite, passei para o mestrado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), para o curso de direito internacional, que era o mais próximo que existia de marítimo internacional no Brasil da época. Começamos a atuar na área, primeiro através da empresa de treinamentos Dolphin e, a partir de 2002, em nosso escritório SMA.
2. Como é formatado o modelo de negócios da SMA? Nosso escritório é “sector focus”, ou seja, trabalhamos com foco no setor de transporte marítimo e comércio internacional. Nossos principais clientes são armadores de navios, clubes de P&I (que são cooperativas — seguro mútuo — de armadores de navios), exportadores e importadores, afretadores de navios. A maioria está no Reino Unido, Noruega e Japão, mas também temos clientes importantes na Europa e EUA. Somos guiados pela missão de zelar para que os navios não parem de navegar, aconteça o que acontecer. Noventa por cento de tudo é transportado por navio: comida, roupas, medicamentos, energia… Enquanto os navios estiverem navegando, o mundo continua girando. Somos parte dessa engrenagem.
3. Qual foi o momento mais difícil da sua carreira? No início, quando todos falavam que era uma loucura se mudar para o Rio de Janeiro, que não ia dar certo, os recursos financeiros eram escassos e não havia espaço ou reconhecimento para jovens, mulheres e, especialmente, para pessoas sem qualquer familiar na área.
4. Como você consegue equilibrar sua vida pessoal x vida corporativa/empreendedora? Acredita que nunca tive problema com isso? Acho que por ter morado sozinha muito tempo, antes de constituir família, sempre tratei minha casa e vida pessoal como trato minhas empresas. Temos equipe, metas, orçamentos, agenda e todos sabem que não tem como a “CEO” fazer tudo sozinha, somos todos partes de uma equipe seja na vida pessoal ou no trabalho e cada um tem uma função. É aquele velho ditado: “It takes a village to raise a child” (“É preciso uma aldeia para criar uma criança”). Também é fato que as longas jornadas de trabalho, também com o tempo, acabaram não sendo tão necessárias o tempo todo (excetuando quando ocorre uma emergência ou acidente de navio), já que hoje eu consigo executar minhas funções bem mais rápido do que quando era menos experiente. E ainda há computadores, aplicativos, internet, equipe treinada, todo um universo que não havia no passado e que torna tudo mais rápido e eficiente se bem utilizados. Hoje consigo produzir muito mais em menos tempo: acordo às 5h, treino às 6h. Ainda pela manhã, vejo e-mails e faço reuniões online de casa, depois vou para o escritório que fica a uma distância de 20 minutos de casa.
5. Qual seu maior sonho? No coletivo, conseguir ver o Brasil na lista dos países desenvolvidos com maior igualdade de gênero. De acordo com as análises, nem minhas netas vão conseguir viver nesse país imaginário, mas é um grande sonho (não custa sonhar, né?). No âmbito individual, conseguir que minhas empresas deixem um legado além de mim.
6. Qual sua maior conquista? Creio que minha maior conquista pessoal foi ter conseguido me tornar a pessoa que queria ser quando iniciei minha jornada. Eu tinha uma lista de culturas que gostaria de conhecer, assuntos a estudar, experiências para ter e uma enorme “síndrome de impostor” para curar. Com exceção da Índia, que tive que desmarcar na pandemia — mas já está agendada para novembro deste ano —, consegui encontrar o que buscava: EUA, Reino Unido, Europa, América Latina, Caribe, África, Japão e Cingapura. As pessoas de todos esses países foram completando e agregando a persona que sempre busquei ser. Foi uma jornada longa para os dias atuais (25 anos), mas fico feliz por cada pequeno passo que me trouxe até aqui. No âmbito coletivo, fico feliz por ter trazido a WISTA – Women´s International Shipping & Trading Association (Home | WISTA International) para o Brasil em 2016 e dado visibilidade para a liderança feminina na minha área. Na WISTA Internacional, com sede em Londres, onde fui eleita diretora em 2019, minha maior conquista foi organizar o comitê de diversidade, onde vários projetos de pesquisa, mentoria e cooperação com organismos internacionais como a IMO (agência da ONU para o transporte marítimo) foram desenvolvidas. Participar deste momento do mundo em que a inclusão feminina é uma pauta urgente tem sido um motivo de grande realização.
7. Livro, filme e mulher que admira. Livro: “Pequeno Tratado das Grandes Virtudes”, de André Comte Sponville, e “What Works for Women at Work” (O Que Funciona para Mulheres no Trabalho, em tradução livre), de Anne-Marie Slaughter. Filme: “Tomates Verdes Fritos”, drigido por Jon Avnet, de 1991. Mulher que admiro: Christine Lagarde (European Central Bank).
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
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