A economia do Brasil em 2021 deve ser no estilo ‘nem tanto ao céu, nem tanto à Terra’

É difícil vislumbrar uma recuperação econômica em formato “V” com a sinalização confusa do governo que, de alguma forma, deixa a confiança desconfiada

  • Por Fernanda Consorte
  • 06/10/2020 12h42
Arquivo/Agência Brasil Moedas espalhadas em cima de uma superfície de cor clara Vacina contra a Covid-19 pode trazer esperança para a economia brasileira

Dizem que uma das grandes funções do economista é prever o futuro de um país, de uma região. Não à toa, durante alguns semestres na faculdade e cursos complementares (mestrado, no meu caso), passamos semestres aprendendo a rodar modelos que nos indiquem para onde vão determinadas variáveis. O pulo do gato, aqui, é que diferentemente de quem lê o tarô e lhe é supostamente concedida uma intuição, economistas se provêm de algo mais frugal, que são as hipóteses. Todos os modelos econométricos, dos mais simples aos mais sofisticados, são recheados de hipóteses. O que, pensando bem, pode ser gerado através de intuição.

E diante da combinação de intuição e experiência (cerca de 15 anos de estrada) que divido com vocês o que acho que deve ser um cenário base para Brasil em 2021. Minha principal hipótese parte da vacina da Covid-19. No meu cenário, temos uma vacina vitoriosa que chegará ao menos em parte da população mundial no primeiro trimestre de 2021, trazendo com ela a confiança: a mesma que fará com o que mundo volte ao normal, que tenhamos eventos, que faça as crianças irem tranquilamente às escolas, e a economia tenha espaço para voltar a pulsar.

Mas não só de rosas vive esse cenário. Com a economia mundial focada em sua recuperação econômica, China ganha de novo o protagonismo na demanda externa, aversão ao risco deve diminuir drasticamente, abrindo espaço para investimentos nos países emergentes. Daí cabe a esses países contarem boas histórias, e é aqui que o Brasil pode ficar menor colorido. O mundo liberal exige, em primeiro plano, um compromisso com as contas fiscais, mesmo após um ano de gastos altamente justificados. Sairemos de 2020 com uma dívida pública de cerca de 100% do PIB, e outros emergentes também terão aumentos similares. Contudo, os países que se empenharem nesse quesito, podem levar mais recursos estrangeiro que têm de sobra por aí após essa crise. 

Eu não consigo, olhando os desgastes atuais, ver o governo altamente empenhado no compromisso fiscal como estava em 2019. Vejam, não falo de abandono da agenda liberal, mas a queda de braço entres fiscalistas e populistas deve seguir por todo mandato do nosso presidente, dificultado o ingresso de capitais. Assim, a taxa de câmbio segue pressionada no meu cenário base, em patamar menor que o atual, mas aquele que ainda incomoda. Outro ponto que pode pesar na atração de investimentos no Brasil será o mercado de trabalho, que deve melhorar de forma lenta em linha com uma recuperação econômica tímida. A taxa de desemprego demora para cair. 

De novo, não falo em recessão prolongada ou filas de desempregados mas, infelizmente, é difícil vislumbrar uma recuperação em formato “V” com a sinalização confusa do governo que, de alguma forma, deixa a confiança desconfiada. É o famoso nem tanto ao céu, nem tanto à Terra. É o morno, o do dia a dia. É aquele PIB de cerca de 2,5%, que pessoas vão falar que é quase 3%, mas que a leitura também pode ser quase 2%. Ora podemos ter uma impressão de melhorar nos mercados com uma onda melhor externa, sobretudo à luz das vacinas, mas essa sensação não deve ser prolongada, ora teremos um gosto mais amargo por pronunciamentos e confusões fiscais. E possivelmente, em algum momento de 2021, vamos torcer para chegar em 2022, para renovarmos a esperança. Isso é o que meu tarô econômico mostra. No aguardo para ajustar minhas hipóteses (ou intuição?). 

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